Neste período entre o dia 24 de dezembro, véspera do Natal, e o dia 1º de janeiro, Dia Mundial da Paz ou da Confraternização Universal, as pessoas costumam externar sua gentileza com presentes aos entes queridos, expressar sua solidariedade em doações a crianças ou famílias. Costuma-se, entre os cristãos, abrir o coração para receber o Espírito Natalino, o exemplo de Cristo Jesus, que pode ser bem resumido nas frases "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei" e "Não façais aos outros aquilo que não quereis que façam a ti". Então, podemos dizer que o Espírito Natalino é tolerância e compreensão. Já a Confraternização Universal, visando à paz, pressupõe tolerância e busca pela harmonia.
Assim, como de costume e tradição, no apagar das luzes de 2013 participamos de alguns desses encontros, sob o Espírito do Natal e da Confraternização Universal. Nessas festas, mudam as personagens, a trilha sonora, o cenário, mas o roteiro geralmente é o mesmo. Amigos se encontram, sentam-se lado a lado, numa única mesa, ou lado a lado, em mesas separadas. Iguarias à mesa, brindes nos copos, sorrisos nos lábios, alegria no ar, música. Às vezes, há troca de presentes, 'amigo secreto' e um ou outro pronunciamento. Este é o roteiro das confraternizações, encontro de amigos, familiares ou colegas de trabalho, reunidos para celebrar o espírito natalino ou a confraternização universal.
Entretanto, uma dessas confraternizações fugiu ao roteiro convencional. Não ao roteiro acima descrito: amigos lado a lado, mesas postas, brindes e música, sorrisos nos lábios, alegria no ar. Isso não faltou. Fugiu ao roteiro o encontro por que à festa compareceu um(a) convidado(a) 'diferente', homossexual. Durante toda a festa, o(a) convidado(a) foi observado de soslaio pelos convencionais frequentadores do espaço, entre risinhos de zombaria e olhares de curiosidade e/ou desaprovação. O 'diferente' chama atenção, se sobressai à mesmice. É preciso ter coragem para assumir ser 'diferente' e quem estava ali era, com certeza, uma pessoa corajosa, expondo sua diferença num ambiente radicalmente machista.
Em certo momento, o ser supostamente 'diferente' de todos que ali estavam, sentiu necessidade de usar o sanitário, ato natural para qualquer ser humano, inclusive para os 'diferentes'. Escolheu o sanitário feminino, adequado ao seu gênero social, de acordo com suas vestimentas. Então, talvez por que os mais elevados espíritos de confraternização não tenham 'baixado' o suficente sobre aquele local, a ida do pessoa 'diferente' ao banheiro acendeu a chama da intolerância, repercutindo em cochichos, naquele ambiente tão harmonioso e festivo.
Surpreendente não foi o preconceito manifesto, mas de quem partia. Eram mulheres incomodadas porque a 'pessoa diferente' usava o sanitário delas. Solicitada nossa opinião sobre o polêmico assunto, a resposta foi óbvia: "Ela deve usar o sanitário feminino", justificando que as mulheres (e homens) incomodados esqueceram-se de se colocar no lugar daquela criatura, que poderia ser seu filho, seu neto, seu irmão. O que fariam se não fosse apenas um incômodo desconhecido? Tínhamos e temos motivos para defender, veementemente se preciso, que ele(a) usasse o sanitário feminino: o ambiente tem privadas fechadas, enquanto o masculino é aberto, mais exposição, curiosidade e risco de agressão. Tudo deve ser pensado e pesado e, naquele caso, era óbvio que o sanitário feminino era mais seguro e adequado.
Não esperamos o fim da festa, para saber se, afinal, o uso do sanitário feminino pela referida pessoa foi proibido. Saímos da 'confraternização' com a sensação de que aquela discussão havia disparado um alarme em nossa consciência. É decepcionante constatar como as pessoas estão despreparadas para lidar com uma situação tão simples quando se envolve um componente 'diferente'. Numa época em que se discutem conquistas jurídicas como o casamento homoafetivo ou o direito de escolher usar o nome social nas escolas, em determinados lugares parece ser mais fácil construir um terceiro sanitário para uso coletivo das 'pessoas de outros sexos' ou mais prático proibir a entrada de 'animais e gays', do que vencer um simples preconceito. É decepcionante e triste perceber quanto (r)existe de preconceito na sociedade, inclusive da parte de pessoas que dedicam parte de seu tempo à igreja ou trabalham com educação.
Certas sociedades só avançam aos empurrões, aos solavancos. Perguntamo-nos se não é esse o caso de Petrolândia, uma cidade em que os homossexuais são vistos mais como objeto de curiosidade, fantasia ou zombaria do que como pessoas dignas do respeito que todo cidadão merece receber. Nós, petrolandenses, estamos preparados para conviver com as pessoas que assumem uma identidade de gênero diferente do sexo registrado na certidão de nascimento? Os educadores estão realmente preparados para lidar com o 'diferente', cuja tendência é se revelar cada vez mais precocemente? Nossas igrejas e organizações sociais estão dispostas a receber e acolher o 'diferente'?
Ninguém é igual a ninguém, não existem duas pessoas iguais, nem mesmo gêmeos univitelinos que podem compartilhar o mesmo DNA, mas terão sempre diferentes as impressões digitais. Embora sejamos todos espécimes da raça humana, somos tão diferentes entre nós quanto flocos de neve, que caem do céu aos milhões, todos tão parecidos entre si, porém, observados em macro, vemos que cada um deles é único, é ímpar, não há dois exatamente iguais.
Neste novo ano, desejamos que a tolerância seja mais praticada e menos debatida, que os 'diferentes' sejam mais compreendidos e mais aceitos do que tolerados, e que os direitos sejam mais iguais para todos, sabendo-se que 'a verdadeira igualdade consiste em tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais a medida em que se desigualem' (Aristóteles).
Feliz 2014!
Redação do Blog de Assis Ramalho