Regina Borges: Professora, escritora e pesquisadora
50 anos do Reservatório Moxotó: águas do Velho ChicoLembrar é também uma honra à memória
O destino do Velho Chico é ser mar, mas até a sua chegada na divisa entre Piaçabuçu – AL e Brejo Grande – SE, ele enfrenta uma série de grandes desafios, entre eles estão as barragens, estruturas gigantescas de concreto e, como o próprio nome já sinaliza, tem como propósito barrar o fluxo d’água. Ao entorno desses barramentos são formandos imensos reservatórios, os quais têm como finalidade não apenas ampliar a geração de energia elétrica, mas também garantir a regularização do volume de água.
Foi assim que em 1974, nas proximidades das grandes cachoeiras de Paulo Afonso-BA, o nosso Velho Chico viu, mais uma vez, o seu rito de viagem ser alterado. À época, a CHESF* já tinha construído grandes usinas hidrelétricas - Paulo Afonso (PA) I, PA II, PIII e a do Moxotó (1971), mais tarde renomeada de Apolônio Sales. A PA IV seria concluída somente em 1979. No entanto, diferentemente das primeiras usinas, para as quais foram utilizadas o fluxo natural do rio, à montante da barragem Apolônio Sales foi formado o reservatório Moxotó**, o pioneiro nesse território de Itaparica.
E foi ali que o nosso Velho Chico, impedido de correr livre, foi se alargando, e vorazmente saiu engolindo tudo o que via pela frente. Atingiu 90 km² de terras, tomou novas formas, mudou a paisagem e a vida de milhares de ribeirinhos que viviam às suas margens.
Se por um lado a CHESF trabalhava com muita determinação na execução do plano de desenvolvimento do Nordeste, o qual exigia cada vez mais demanda pela produção de energia elétrica; por outro, o deslocamento compulsório de milhares de ribeirinhos entraria, de forma dolorosa, para a história do sertão nordestino.
E neste ano, ao completar 50 anos da grande inundação em decorrência do enchimento do reservatório Moxotó, faz-se necessário que esse fato seja relembrado, porque conhecer a história é preservar os laços costurados pela memória.
Desse modo, lembrar para nunca esquecer das memórias submersas do povo de Glória, na Bahia, que viu sua cidade e grande parte de sua área rural serem engolidas com toda a sua história, seus patrimônios culturais, seus aluviões, sua biodiversidade. Lembrar para nunca esquecer do povo da margem alagoana; Lembrar para nunca esquecer do povo ribeirinho da margem pernambucana, e de forma especial trago aqui palavras da poeta Júlia Generoza (in memoriam), filha ribeirinha do povoado Umburanas, atualmente território de Jatobá-PE, que com indignação e coragem se utilizou da prosa popular para denunciar o que acontecia em seu território, deixando registrado a saga dos ribeirinhos afetados pelo reservatório Moxotó no seu livro intitulado Romance da Tristeza: