Veja abaixo a íntegra da entrevista, concedida na Orla Fluvial de Petrolândia - vale a pena ver de novo!
Na entrevista, o consagrado repórter, especialista em jornalismo investigativo, fala sobre as coberturas de guerra, e em defesa dos direitos humanos, além de comentar detalhes de sua brilhante carreira. Entre outros assuntos, Roberto Cabrini fala com exclusividade sobre um dos maiores furos de reportagens da história do país, que foi a sua entrevista exclusiva com Paulo César Farias, o PC.
Em outubro de 1993, após sete meses de investigação, Roberto Cabrini descobriu o paradeiro do fugitivo da justiça, Paulo César Farias, em Londres, driblando até mesmo as buscas da polícia brasileira. PC Farias foi tesoureiro de campanha de Fernando Collor de Mello nas eleições presidenciais brasileiras de 1989. Cabrini foi a personalidade chave, que causou o primeiro processo de impeachment da América Latina, em 1992.
Também, em 1997, Roberto Cabrini chegou ao paradeiro de Jorgina de Freitas, responsável por uma das maiores fraudes financeiras do Brasil. Ela, que desviou 600 milhões de dólares do INSS, estava foragida da justiça havia cinco anos. Sua entrevista exclusiva foi fundamental para a detenção da fraudadora. Por seu trabalho jornalístico nesta cobertura, Roberto Cabrini recebeu, o prêmio Previdência Social, concedido pelo Governo Federal.
No comando do Conexão Repórter, Cabrini e sua equipe ganharam o mais importante Prêmio de reportagens do Brasil, o Prêmio Esso de 2010 de telejornalismo. A reportagem "Sexo, intrigas e poder" investigou casos, antes ocultos, de pedofilia dentro da Igreja Católica, em Arapiraca, no Sertão de Alagoas, e levou três sacerdotes, incluindo um importante Monsenhor, a julgamento. A reportagem repercutiu em todo mundo e fez com que, pela primeira vez, o Vaticano reconhecesse a existência de casos de abusos sexuais na igreja católica no Brasil. O monsenhor Luiz Marques foi condenado a 21 anos de reclusão. Já o padre Edilson Duarte e o monsenhor Raimundo Gomes foram sentenciados a dezesseis anos e quatro meses. O trabalho jornalístico de Roberto Cabrini e sua equipe foi considerado fundamental pelo ministério público para a condenação histórica dos sacerdotes católicos, fato inédito no Brasil.
Na entrevista ao Blog de Assis Ramalho, Roberto Cabrini afirma que a injustiça é algo que toca o seu coração e é para isso que existe o Conexão Repórter, programa jornalístico que combate as injustiças e dá voz aqueles que não tem vez.
Em mais de 30 anos de carreira, Roberto Cabrini cobriu seis guerras internacionais: Afeganistão, Iraque, Palestina, Camboja, Caxemira e Somália. Participou de cinco Olimpíadas e cinco Copas do Mundo, foi correspondente internacional durante oito anos - quatro deles em Londres e quatro em Nova York - além de realizar coberturas em mais de 60 países.
Acompanhe abaixo a entrevista com Roberto Cabrini, concedida com exclusividade ao reportagem do Blog de Assis Ramalho:
Assis Ramalho: Qual o motivo da visita do consagrado repórter à cidade de Petrolândia?
Roberto Cabrini: Em primeiro lugar, eu gostaria de mandar um abraço para o povo de Petrolândia, porque me impressiona muito o calor humano, a receptividade, o quanto as pessoas são calorosas e generosas aqui nesta região. Eu me encontro aqui fazendo uma reportagem investigativa, um grande levantamento sobre as pessoas que ainda saem desta região e vão para São Paulo, e lá, muitas vezes, são enganadas, são desrespeitadas, o que é uma pena, já que o ideal seria que as pessoas fossem valorizadas em qualquer parte do país, que tivessem possibilidades de arrumar empregos e de sustentarem as suas famílias em qualquer região da nossa nação.
Assis Ramalho: Apesar de toda a sua experiência, ainda chega a se emocionar ao ver o sofrimento dos mais carentes, principalmente aqui no sertão?
Roberto Cabrini: Bom, recentemente eu fiz uma reportagem em Abaré, no sertão da Bahia, e foi uma reportagem que mostrou muito bem a questão do coronelismo, onde poucos detêm quase tudo, enquanto a população, muitas vezes, é renegada a uma situação de segunda categoria. Mostramos escolas sem as menores condições, escolas de taipa, escolas sem energia elétrica, sem água, sem banheiro, com as crianças sem a menor possibilidade de ter uma educação decente, animais entrando nas escolas, profissionais abnegados, que tentam contrariar todas as más condições, e ainda assim fornecer uma educação para as crianças. Então, estamos em uma região onde ainda o coronelismo impera. Essa é a verdade e isso precisa ser combatido, porque todos tem o direito do nascer do sol aqui no Sertão, e a gente sonha com um momento em que o sol vai nascer para todos aqui no Sertão, e não apenas para meia dúzia de privilegiados, que detêm todas as condições e mantêm a grande maioria da população, sem o acesso aos serviços mais básicos.
Roberto Cabrini: Me emociona, porque a injustiça é algo que toca o meu coração e é para isso que existe o Conexão Repórter. O Conexão Repórter é um programa jornalístico que combate as injustiças, que dá voz aqueles que não tem vez. Enfim, direitos humanos é algo que toca profundamente toda a equipe do Conexão Repórter e a gente procura, através da informação, através da conscientização da população, gerar reflexão. E com a reflexão, a população consegue decidir melhor os seus caminhos.
Blog de Assis Ramalho: Entre as inúmeras reportagens marcantes em sua carreira, aquela realizada em Londres, com Paulo César Farias (o PC Farias), foi a que mais marcou a sua carreira?
Roberto Cabrini: Olha, eu sempre digo que a principal matéria é sempre a próxima e é assim que eu ajo. A cada missão eu sei que tenho que fazer sempre o melhor, porque eu sei que existem pessoas que dependem de uma informação, muitas vezes corajosa e ousada, para poder fazer a justiça. Sobre as minhas matérias que marcaram mais, você citou aí a do PC Farias. Teve a matéria da localização da Jorgina (de Freiras), realizei várias coberturas de guerras. Eu cobri seis guerras. Também fiz coberturas de Copa do Mundo, cobertura de Olimpíadas e, agora, no Conexão Repórter, a gente já ganhou vários prêmios. Ganhamos o Prêmio Esso com uma matéria que revelou a pedofilia dos padres contra coroinhas em Arapiraca. Enfim, todos os dias a gente sai a campo, tentando fazer com que as pessoas que não têm acesso à justiça social, possam melhorar suas situações e é isso que nos inspira.
Assis Ramalho: Você já temeu pela sua vida? Já chegou a receber ameaças por realizar matérias investigativas bombásticas que, na maioria das vezes, vão de encontro aos "poderosos".
Roberto Cabrini: Ameaças fazem parte da minha profissão, porque os denunciados não mandam flores. Eles ameaçam, perseguem, processam e, muitas vezes, tentam ferir as pessoas que você mais ama. Mas eu estou preparado para tudo isso e acredito piamente naquilo que eu faço, e é em homenagem às pessoas que confiam no meu trabalho, que todos os dias mandam perguntas, mandam informações, que geram grandes reportagens. É homenageando essas pessoas, que se sentem injustiçadas, que todos os dias eu saio ao campo.
Assis Ramalho: O jornalismo investigativo e corajoso realizado por você está em extinção na TV brasileira? O que observamos, com algumas exceções, é um jornalismo superficial e sem conteúdo.
Roberto Cabrini: De fato, não faltam exemplos de jornalismo superficial, raso, tendencioso e unilateral. É por isso que se convencionou (classificar) o jornalismo investigativo, que é aquele que vai mais além, aquele que vence, justamente, essas tendências de um mau jornalismo. E o que é um jornalismo investigativo? É aquele que se aprofunda nas investigações e que permite que todos os ângulos envolvidos em uma informação sejam ouvidos. Todos eles precisam ser ouvidos. Como disse o Voltaire: "Não concordo com nenhuma palavra do que dizes, mas defenderei à morte teu o direito de dizê-las". O contraditório faz parte da nossa obrigação. Eu não diria que sou o único, porque existem muitos jornalistas, muitos exemplos de jornalismo bem feito. Possivelmente, o país precisaria de mais jornalismo investigativo, de mais jornalismo corajoso. Mas eu tenho visto grandes exemplos, em vários veículos de comunicação, e eu não estou só. Isso eu posso lhe garantir.
Assis Ramalho: Qual conselho e orientação você daria para quem pretende seguir a carreira do jornalismo?
Roberto Cabrini: Vocês estão abraçando um profissão extremamente nobre, mas também difícil e desafiadora. Um jornalista é aquele que tem coragem com responsabilidade, porque depende-se do trabalho desse profissional para que o país tenha um pouco mais de justiça, (país) em que o povo tanto reclama pela aviltante distribuição de renda, pela aviltante segregação social que nós assistimos, onde tantos brasileiros não têm acesso aos bens mais básicos. E essas pessoas dependem, muitas vezes, de um jornalismo corajoso, de um jornalismo que não se acomode e que não seja serviçal das classes dominantes. Dito isso, precisamos fazer tudo com extremo rigor, com muita responsabilidade, e nada justifica um jornalismo raso, mal feito e com acusações levianas. O jornalismo precisa de profissionais que possam unir essas duas vertentes, que são ousadia e responsabilidade.
Roberto Cabrini: Bem, se eu for contar a história inteira, a gente não sai daqui hoje. Mas foi, basicamente, ouvindo várias fontes. Todo ser humano quando foge, mais cedo ou mais tarde, ele volta a recorrer a antigas estruturas, a pessoas que cuidavam dele, em algum ponto da vida dele. Fugir demanda tempo e muito dinheiro, é muito caro. Mais cedo ou mais tarde, ele volta para os antigos hábitos e com PC foi assim também. Ele voltou a procurar antigas estruturas e, através disso, com um bom trabalho, nós conseguimos chegar até ele. Ao contrário de muitos policiais, eu fui atrás dele. Tinha policiais que recebiam dinheiro para não localizá-lo.
Assis Ramalho: Você tinha alguma relação de amizade com Paulo César Farias?
Roberto Cabrini: Amizade não, digamos que eu tinha com PC uma boa relação. Ele era uma pessoa educada, mas é evidente que um profissional não pode concordar com o que ele fazia. Ele cometia atos ilegais. Porém, era uma pessoa simpática, uma pessoa falante.
Roberto Cabrini: Eu não sei se foi o trabalho mais perigoso, porque quando eu estou dentro de uma missão eu me concentro de tal forma que não sinto medo. Eu aprendi a controlar o meu medo pelo meu próprio trabalho. Eu estou de tal forma concentrado na missão, que eu afasto esses sentimentos. Eu acho que ele (o medo) só aparece na minha mente depois que eu termino. Mas, naquele instante, eu fico totalmente concentrado, obcecado em fazer algo que a sociedade precisa que eu faça. Então o meu medo é um medo controlado. O medo é bem-vindo, porque ele mostra as suas limitações, mas ele passa a ser um problema se começa a te paralisar, a te engessar. E, graças a Deus, eu já identifiquei, cobrindo guerras, passando por muitas situações difíceis e de ameaças. O medo não me paralisa.
Blog de Assis Ramalho: Você acha que já chegou ao auge, ao topo de sua carreira?
Roberto Cabrini: Não, eu sempre tenho motivação pela próxima matéria. Eu vejo a profissão com muita humildade e como um sacerdócio também. É uma missão em que existe uma população que espera que eu faça um grande trabalho. Portanto, é uma responsabilidade muito grande, e eu procuro atender a essa expectativa das pessoas.
Blog de Assis Ramalho: Agradecemos a atenção dispensada por Roberto Cabrini à nossa reportagem.
Roberto Cabrini: Muito obrigado e até a próxima. Deixo aqui um abraço para o povo de Petrolândia