A cidade de Petrolândia, situada no Sertão de Pernambuco, a quase 500 km de distância da capital, é um dos municípios inseridos na Rota das Ilhas e Lagos do São Francisco, cadastrado no Mapa do Turismo/Ministério do Turismo. Após a formação do Lago de Itaparica, reservatório da Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga, que inundou parte do território do município em meados dos anos 1980, a cidade ganhou alguns pontos turísticos, com destaque especial para as ruínas da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, seu cartão postal mais conhecido. Há poucos anos, com a divulgação de imagens de construções submersas, como o prédio da Charqueada e das ruínas das igrejas, a cidade autoconcedeu-se o título de "Atlântida do Sertão".
Com forte apelo midiático, apoiado inclusive pela Secretaria de Turismo, Esporte e Lazer de Pernambuco, Petrolândia é cada vez mais divulgada e conhecida. Imagens e convites para visitá-la e conhecer suas belezas naturais são lançados aos quatro ventos, nas redes sociais e sites. Atualmente, o fluxo de turistas excursionistas - que passam menos de 24 horas na cidade - tem como destinos principais a Ilha de Rarrá e a Praia do Sobrado. Eventos turísticos, por outro lado, ainda estão sendo realizados aos poucos, após a liberação das medidas de enfrentamento à pandemia do coronavírus, mas no último sábado (06/11), a cidade sediou um evento impactante para o turismo e a economia local, o segundo encontro Arena Jet Clube Petrolândia.
A exemplo de vários outros ocorridos em espaços públicos em anos anteriores e no pré-pandemia, realizados no Pátio de Eventos, no Parque João Pernambuco e na própria orla fluvial, esse evento foi organizado por particulares, fechado com um público específico. Houve certo burburinho contra o isolamento de um trecho da Orla Fluvial (prainha) para realização do evento. A restrição do perímetro foi uma das medidas de organização, controle e segurança dos participantes do evento e dos banhistas, a fim de evitar acidentes em terra ou na água. A área foi interditada ao público durante os horários de saída e chegada das embarcações e motos aquáticas, e liberada no intervalo, entre as 11 e as 15h. A interdição do perímetro de segurança desagradou somente quem não viveu ou esqueceu o Petrolândia Adventure, realizado em 2012, quando a Orla teve trechos interditados durante um final de semana inteiro, e a margem do lago não estava limpa como agora. Era tomada pelo capim de uma ponta à outra, exceto na prainha. Naquela época ninguém reclamou.
Ainda na programação do evento deste fim de semana, uma apresentação musical ao lado das ruínas da igreja submersa, com palco flutuante ancorado na estrutura, despertou ira das redes sociais, após o fato virar foto e circular. Para surpresa de ninguém, mais um incidente registrado nas ruínas da igreja foi bombardeado à exaustão em redes sociais, e o arquejante turismo petrolandense, mais uma vez apontado como culpado pela situação.
As ruínas da igreja estão em área pública, em águas da União, ainda de pé e o cume do telhado jamais foi coberto pelas águas do São Francisco. No ano passado, após a mobilização causada pela repercussão negativa da produção de uma live set do DJ Bhaskar nessas ruínas, foi obtido da Fundação do Patrimônio Artístico e Histórico de Pernambuco (Fundarpe) o tombamento do local como patrimônio histórico. Assim, o local é tombado, mas não protegido. É proibido xy e z, mas nada é fiscalizado nem há vigilância. O ponto turístico tem relativamente fácil acesso, diferente da Ilha de Rarrá, da Praia do Sobrado (ainda) e de outros pontos turísticos privados, onde existem serviços agregados e controle de entrada. Detalhe: deveria ser desnecessário dizer que as ruínas da antiga igreja não são "um local sagrado". Já foi. Sagrados são os locais onde se realizam ritos religiosos, seja igreja, catedral, mesquita, terreiro, templo etc. Sagrado fosse, os visitantes não passariam por lá com roupas de banho, somente para tirar selfie de costas para as ruínas. Iriam até lá rezar.
A palavra turismo e suas variantes são intensamente divulgadas e conhecidas em Petrolândia, mas noções do que seja turismo estão distantes do conhecimento popular. "Turismo é um fenômeno socioeconômico que consiste no deslocamento temporário e voluntário de um ou mais indivíduos que, por uma complexidade de fatores que envolvem a motivação humana, saem do seu local de residência habitual para outro, gerando múltiplas inter-relações de importância cultural, socioeconômica e ecológica entre os núcleos emissores e receptores" (MOTA, 2007). O fundamento do turismo, por sua vez, é a hospitalidade, o ato de acolher e tratar bem uma visita.
O despertar para a importância do turismo em Petrolândia tem mais de uma décadas, com incentivos da Prefeitura, em parceria com o Sebrae, e a posterior criação do Comitê Municipal de Turismo. Mas sempre coube ao setor privado, através de corajosos e visionários empreendedores, investir em atrativos turísticos. Assim foi construído o primeiro catamarã a navegar no Lago de Itaparica, a Ilha de Rarrá foi transformada em oásis, balneários cresceram e outros foram criados, como o Parque das Pedras. O mais eloquente exemplo de investidor do trade turístico é Daniel da Paulinelly. Após criar uma estrutura, com chalés, próximo ao Mirante da Serrota, às margens do lago, o empresário tomou para si a missão de transformar a Praia do Sobrado em atrativo turístico dotado de infraestrutura e serviços à altura das expectativas dos visitantes.
No entanto, não adianta ter milhões de reais investidos pela iniciativa privada para criar estruturas receptivas em pontos turísticos na cidade, nem a prefeitura construir novos quiosques e estacionamento, ou mesmo um píer, se não houver o básico para cativar e manter a atração de visitantes, a indispensável hospitalidade. Há quem acredite que Petrolândia é uma cidade rica. Mas, se der uma volta nas ruas verá como a cidade está empobrecida. A pandemia tirou muitas vidas, muitos empregos, e abalou esperanças e dignidades. A cidade precisa do turista e precisa agora, não "quando", não "se". Porém, é inútil divulgar imagens bonitas, prometer mil e uma experiências inesquecíveis dentro e fora d'água, e não oferecer boa recepção, bom tratamento, hospitalidade.
Quando um turista é envolvido, às por desconhecimento ou falta de orientação, em um incidente de grande repercussão negativa no município, esquecem-se que ele é um hóspede. Os donos da casa se acham no direito de soltar os cachorros no quintal e mandar a hospitalidade às favas, junto com os visitantes que não virão, afinal Petrolândia tem se esmerado em passar a imagem de cidade antipática aos turistas. Do outro lado, empreendedores vêem o ponto de retorno do dinheiro investido se afastar mais um pouco, o que dificulta a geração de novos empregos na extensa cadeia produtiva da indústria do turismo, além de inibir o surgimento de novos empreendimentos. Investir no turismo de uma cidade que não quer ser hospitaleira, que considera supérfluos os produtos e serviços turísticos (eventos e roteiros incluídos), é remar contra a maré.
É nesses momentos que se levantam as dúvidas sobre a capacidade de Petrolândia desenvolver seu potencial turístico. Sempre que um incidente desse tipo ocorre e percorre os confins das redes sociais, alavancado pela "comoção popular", os turistas são supostamente culpados, o trade turístico é supostamente culpado, e a repercussão negativa para o turismo e a imagem da cidade são incalculáveis, em prejuízo de quem se sustenta ou tenta se sustentar dele. Aqui fazemos um mea culpa por já termos realizado algumas das mencionadas suposições neste blog.
O incidente citado ilustra o turismo predatório praticado e incentivado pelas maioria dos "de casa" e dos "de fora", e que tem como um bom exemplo o ato tão comum e tão bem tolerado, não reconhecido como erro pelos praticantes, de ir à praia e deixar lá o seu lixo espalhado na areia, ou jogar uma latinha ou garrafinha pela janela ou na água. Segundo Gabriela Araújo, o turismo predatório pode ser entendido como "um conjunto de práticas/atividades turísticas que acontecem de modo desordenado e irresponsável, causando impactos negativos nas esferas ecológica, cultural, social e/ou econômica daquela região". Percebe-se nas críticas em redes sociais, em muitos casos, o velho e sábio "perceber um cisco no olho do irmão e não ver a trave no seu", com recriminações ao ato de turismo predatório feitas por contumazes na mesma prática. Em qualquer cidade, transformar o turismo predatório em ecoturismo ou turismo sustentável é um processo que exige esforços e compromisso de todos, não apenas dos visitantes. O exemplo deve partir dos donos da casa.
É inegável a necessária e urgente regulamentação do turismo no município, é inegável que o ocorrido deve ser apurado, mas é bom lembrar que Petrolândia possui um fórum próprio para discussão do tema, o Conselho Municipal de Turismo. É nele que estão os representantes de todo o trade turístico, que podem debater e procurar soluções para questões do tipo: Como evitar novos incidentes? Como incentivar o turismo sustentável? É possível instalar uma cerca flutuante no perímetro das ruínas da igreja submersa ou outro tipo de obstáculo? Quem iria pagar? Existe e é amplamente divulgado algum protocolo de visitação às ruínas? Temos ou precisamos fazer um plano de contingência para quando as ruínas da igreja submersa caírem, daqui a 10, 50 ou 80 anos?
Destratar os hóspedes em nada contribui para solucionar problemas, apenas torna mais difícil o que nunca foi fácil para o setor turístico do município: gerar e manter empregos.
Para finalizar, um meme para reflexão.
Lúcia Xavier
Ex-secretária do Conselho Municipal de Turismo de Petrolândia