A falta de chuvas tem preocupado autoridades ligadas à produção de energia elétrica e de abastecimento para consumo no Brasil. Para se ter dimensão de como a situação está agravada, um terço dos reservatórios monitorados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) está com menos de 20% da capacidade total.
Ao todo, 12 dos 39 principais reservatórios estão com o volume baixo. Há casos extremos, em que aquíferos estão com níveis entre 6% e 9% da capacidade total. Os dados fazem parte de uma análise do Metrópoles, baseada em informações do ONS.
O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), grupo que integra representantes do ONS, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Ministério de Minas e Energia, está em alerta e tem se reunido constantemente para discutir a situação.
Nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul, principalmente entre outubro e dezembro, as afluências — quantidade de água que cai nas bacias e que efetivamente chega aos reservatórios de cada usina — estiveram entre as piores observadas em todo o histórico de 90 anos.
A escassez de água nas bacias de usinas hidrelétricas já deu recados. No fim do ano passado, as contas de luz tiveram um reajuste e o consumidor passou a pagar a tarifa mais alta (bandeira vermelha patamar 2). Agora, voltou a um status de alerta (bandeira amarela).
A situação mais grave, segundo dados do ONS, é no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, responsável pela geração de cerca de 70% da energia consumida no Brasil, o nível dos reservatórios está em 19,6%.
O ONS demostrou preocupação com o abastecimento de energia elétrica no Brasil e enviou uma carta à Aneel. O maior dificuldade está em São Paulo, Minas Gerais e Goiás.
Veja nível dos reservatórios com % mais baixas:
Reservatório Barra Grande (SC/RS) – 6,8%
Reservatório Emborcação (MG/GO) – 9,4%
Reservatório Chavantes (SP) – 9,4%
Reservatório Serra do Facão (GO) – 9,7%
Reservatório Itumbiara (MG) – 10,9%
Reservatório São Simão (GO) – 11,7%
Reservatório Nova Ponte (MG) – 11,4%
Reservatório Água Vermelha (SP/MG) – 12,9%
Adilson de Oliveira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que durante a reforma do setor elétrico, foi consultor do Ministério de Minas e Energia, explica que o governo precisa agir rápido para evitar problemas ainda mais drásticos.
“A situação é muito séria. A tendência, com o verão, é que não se senta tanto o problema. O nível dos reservatórios tendem a não cair, mas depois de abril, os reservatórios estarão com capacidade baixa e com um período longo de estiagem pela frente”, detalha.
Entre os efeitos da estiagem, o professor destaca: “A conta vai aumentar, por que vamos trabalhar com as bandeiras tarifárias mais elevadas. Em março, é provável ter outra tarifação. Além das tarifas altas, vamos conviver com cortes de energia e esperemos que não cheguemos a uma situação de apagão”, frisa.
Ele conclui. “O governo sempre acha que o próximo ano será melhor de chuvas. Energia tem como ser gerada de outra forma. Agora, abastecimento (urbano), irrigação agrícola e industrial não tem”, critica.
Problemas
Mas não somente nos interruptores a crise tem afetado o consumidor. O abastecimento de grandes centros urbanos estão enfrentado racionamento ou rodízios para prolongar a água armazenada em represas.
Os moradores de Curitiba e da região metropolitana enfrentam rodízio no fornecimento de água. Até 17 de janeiro, a população receberá água por 36 horas intercalados com outras 36 horas sem abastecimento.
Segundo dados da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), empresa responsável pelo serviço, o nível geral dos reservatórios que compõem sistema de abastecimento é de cerca de 40%.
Em São Paulo, a situação se repete. Em Itu, município distante 75km da capital paulista, a Companhia Ituana de Saneamento (CIS) estabeleceu racionamento de 24 horas alternando bairros.
Situação no DF
Apesar das dificuldades pelo país, a capital federal enfrenta situação diferente. O DF tem, segundo o Inmet, chuvas dentro da média e em períodos do ano passado, acima do esperado. De acordo com medição da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa), o reservatório de Santo Antônio do Descoberto, responsável pelo abastecimento de 70% da cidade, está com 83% da capacidade total. Já o de Santa Maria, tem 94,5%. Vale ressaltar que os dois aquíferos são usados para abastecimento do DF.
Chuvas
O meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Mamedes Luiz Melo, alerta que janeiro e fevereiro devem registrar chuvas abaixo da média nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
“Cada região tem um sistema que traz as chuvas. No Centro-Oeste, as queimadas no Pantanal, elevou as temperaturas e atrasou a estação chuvosa, que começou mal distribuída. No Sul, as pancadas ficaram irregulares no Sul por causa do fenômeno La Ninã“, explica.
La Niña é um fenômeno que, oposto ao El Niño, reduz a temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico Tropical Central e Oriental.
“De forma geral, em algum lugares choveu e, em outros, não. No verão são pancadas curtas e de forte intensidade, mas não é de forma generalizada”, conclui.
Campanha educativa
Com reservatórios em baixa, o governo federal lançou uma campanha para economia de água e de energia. Entre as recomendações está fechar a torneira quando estiver escovando os dentes, desligar aparelhos da tomada que não estejam em uso, além de trocar lâmpadas pelo modelo LED. “Água e energia. Evite o desperdício para não faltar depois”, destaca trecho da publicidade.
Em nota, o Ministério de Minas e Energia informou que “apesar do aumento no último mês das chuvas nas principais bacias hidrográficas, ainda não houve reversão das condições adversas”.
“Para os próximos dias, há perspectivas de chuvas em importantes bacias, especialmente na região Sudeste. Ainda assim, a afluência esperada deve ter valores inferiores aos médios históricos em todos os subsistemas”, explica.
Diante da permanência do cenário, não está descartada a adoção de “medidas excepcionais” para o devido atendimento à carga. A pasta reiterou a garantia do suprimento de energia elétrica aos consumidores brasileiros em 2021.
No mesmo sentido, o ONS destacou, também em nota, que tem atuado de forma preventiva. “O Operador reforçou a gestão de todos os reservatórios, sempre respeitando seus limites operativos e as vazões necessárias para o atendimento aos requisitos de abastecimento de energia, ambientais e de usos múltiplos da água”, frisa.
Por fim, o órgão conclui. “É importante destacar que não há risco de desabastecimento de energia no país e que o ONS está monitorando de perto o cenário e tomando todas as medidas necessárias”, salienta.
A reportagem entrou em contato com a Aneel, mas não obteve resposta até a última atualização da reportagem. O espaço continua aberto a esclarecimentos.
Por OTÁVIO AUGUSTO
Metrópoles