Homem que clonou documentos para atuar em unidade de saúde celebrando Dia do Médico. — Foto: Reprodução/Facebook
Após um homem ter sido preso pela Polícia Federal por falsidade ideológica e exercício ilegal de medicina em um hospital de Praia Grande, no litoral de São Paulo, prestando atendimento a pessoas com o novo coronavírus, familiares de pacientes do falso médico procuraram a Polícia Civil para registrar boletim de ocorrência. O G1 conseguiu contato com algumas dessas famílias, que relataram descaso e arrogância do homem, que ainda não teve seu nome divulgado.
O falso médico usava o nome e o registro do Conselho Regional de Medicina do oftalmologista colombiano Dr. Henry Cantor Bernal. O verdadeiro especialista contou que soube que havia sido vítima de clonagem ao receber um aviso de um colega brasileiro que estaria participando de um processo seletivo para fazer plantões no hospital de São Caetano do Sul (SP) em 2018. Ele mora na Colômbia há 16 anos.
Uma das pessoas que procurou a Polícia Civil foi o jovem Eduardo Felipe dos Santos Alves. Ele relatou o atendimento que foi prestado à sua avó, Maria José dos Santos, de 66 anos, que deu entrada no hospital em estado terminal de um câncer. Na ocasião, o médico teria diagnosticado que ela estava com coronavírus, sem ao menos abordar a questão do câncer.
"Minha avó foi internada por neoplasia de colo e metástase óssea e uma equipe de enfermeiros liderada por este médico pediu para fazer uma tomografia e raio-x", conta. "Voltaram dizendo que ela estava com suspeita de Covid-19, tirando ela da ala comum e colocando na separada para coronavírus, onde não tínhamos acesso."
"A gente só tinha informações através do boletim médico passado por ele. Sempre tínhamos problemas, porque ele mentia para a gente, dizendo que ela tinha comido bem e que estava melhorando. Queria dar alta pra ela", diz.
Os resultados dos exames que comprovariam ou descartariam o novo coronavírus nunca chegaram. No último boletim, de sábado (30), o falso médico mudou o tom otimista e avisou a família que a idosa teria descido para a ala de emergência, tendo apenas mais dois dias de vida. Ela faleceu no mesmo dia.
"Ela respirava bem e sem aparelhos durante todo o tempo que esteve conosco por perto. Não liberamos o corpo ainda, sequer sei se realmente é ela ali dentro. Queremos o resultado desses exames para ter um velório digno", diz.
Além de atuar no Hospital Irmã Dulce em Praia Grande, onde foi preso, ele também trabalhou na PAM Rodoviária, em Guarujá, até o início de fevereiro deste ano. Mônica Cristina da Silva acompanhou a mãe, Olinda da Cruz Balula, de 79 anos, enquanto ela foi paciente dele na unidade de saúde. Ela conta que os dois tiveram uma discussão.
"Nós brigamos porque ele deu alta para a minha mãe quando ela visivelmente não estava bem. Ele mandou ela pra casa com uma sonda vesical e se recusou a mandar tirar", conta. "Ele disse que tinha 20 anos de medicina e quem seria eu pra questioná-lo. Virou as costas depois disso e foi embora."
A mãe dela, segundo o relato, só piorou e precisou passar por diversos médicos, que constatavam que a idosa não poderia estar com o equipamento. "Todos perguntavam o que aquilo estava fazendo ali. Mas não sou especialista, acreditei que era um médico atendendo ela."
Pouco tempo depois, em dezembro, a idosa foi internada novamente e acabou falecendo de infecção generalizada. "Não digo que ele a matou, porque ela estava mal, mas tenho certeza que se ele não tivesse mandado ela para casa com aquilo, ela teria vivido mais."
"Eu nunca esqueceria o rosto dele. Assim que vi que ele não era médico e cuidou da minha mãe, tudo voltou. Fiquei muito mal, não consegui acreditar", desabafa.
Contratação
Procurada pelo G1, a Secretaria de Saúde de Guarujá informou que o nome citado pela reportagem fez parte do quadro de funcionários da terceirizada responsável pela gestão da Unidade de Pronto Atendimento Dr. Matheus Santamaria, conhecido como PAM da Rodoviária, até o último dia 2 de fevereiro.
Quando admitido, o mesmo apresentou todos os documentos exigidos de um profissional médico, inclusive seu registro no Conselho Regional de Medicina, de acordo com a administração municipal. Cabe ressaltar que, por sua data de desligamento, não realizou qualquer atendimento nos protocolos adotados pela Cidade no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus.
A pasta se colocou à disposição para contribuir com as investigações e dará apoio à Organização Social (O.S.) para lavratura de boletim de ocorrência na Delegacia Sede da Policia Civil.
A direção do Hospital Municipal Irmã Dulce, de Praia Grande, esclareceu ao G1 que o homem em questão não era funcionário da unidade, e sim de uma empresa médica que presta serviços ao hospital. Tal empresa já foi acionada pelo Irmã Dulce, de acordo com a assessoria, em busca de esclarecimentos para a tomada das devidas providências.
A direção informou, ainda, que foram apresentadas ao Irmã Dulce, tanto por parte da prestadora de serviços quanto de seu empregado, as devidas documentações exigidas para que o mesmo pudesse iniciar suas atividades na unidade, como registro no Conselho Regional de Medicina. Desta forma, a direção da unidade informou que registrará um boletim de ocorrência sobre o caso e segue à disposição para maiores esclarecimentos.
Por Juliana Steil, G1 Santos