O depoimento dado pelo ex-ministro Sergio Moro à Polícia Federal, no último sábado (2), veio a público nesta terça-feira (5), com a revelação de que o ex-titular da Justiça ouviu em março deste ano o pedido do presidente Jair Bolsonaro para trocar o chefe da corporação no Rio de Janeiro.
Moro permitiu no sábado que a PF copiasse dados de seu telefone.
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, é responsável pelo inquérito que apura se o presidente tentou interferir indevidamente em investigações da PF. Nesta segunda-feira (4), o magistrado decidiu liberar a divulgação do depoimento prestado por Moro.
A narrativa do ex-ministro é considerada um dos principais elementos do inquérito que pode levar à apresentação de denúncia contra o próprio Moro ou contra o presidente Bolsonaro.
Veja a seguir os principais pontos do depoimento do ex-titular da Justiça.
PRESSÃO POR MUDANÇAS
O ex-ministro disse que o presidente cobrou dele, em reunião do conselho de ministros, ocorrida em 22 de abril, a substituição da Superintendência do Rio e do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. Bolsonaro teria insistido no pedido de relatórios de inteligência e informação da PF.
"O presidente lhe relatou [a Moro] verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência", de acordo com o depoimento.
TROCAS NO RJ E EM PE
Segundo Moro, o então diretor da PF, Maurício Valeixo, "declarou que estava cansado da pressão para a sua substituição e para a troca do SR/RJ" (superintendente regional do Rio de Janeiro). "Que, por esse motivo e também para evitar conflito entre o presidente e o ministro, o diretor Valeixo disse que concordaria em sair", afirmou o ex-ministro.
De acordo com o ex-juiz da Lava Jato, depois da afirmação de Valeixo de que aceitaria deixar o posto, o presidente Bolsonaro "passou a reclamar da indicação da superintendência de Pernambuco". Segundo o ex-ministro, "os motivos da reclamação devem ser indagados ao presidente da República".
De acordo com Moro, o presidente afirmou que iria interferir em todos os ministérios e, quanto ao Ministério da Justiça, se não pudesse trocar o superintendente do Rio de Janeiro, "trocaria o diretor-geral [da PF] e o próprio ministro da Justiça".
RELATÓRIOS
Moro disse ainda que a versão que o presidente de que não recebia informações ou relatórios de inteligência da Polícia Federal "não era verdadeira". "Em relação ao trabalho da Polícia Federal, informava as ações realizadas, resguardado o sigilo das investigações."
"Fazia como ministros do passado e comunicava operações sensíveis da Polícia Federal, após a deflagração das operações com buscas e prisões", explicou.
Segundo o ex-ministro da Justiça, "o presidente lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência".
O NOME DE RAMAGEM
Moro afirmou que a pressão para substituir Valeixo "retornou com força em janeiro de 2020, quando o presidente disse que gostaria de nomear Alexandre Ramagem [diretor da Agência Brasileira de Inteligência] no cargo de diretor-geral da Polícia Federal."
O ex-ministro disse que a cobrança foi dita verbalmente no Palácio do Planalto e "eventualmente" na presença do ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). "Esse assunto era conhecido no Palácio do Planalto por várias pessoas", narrou.
O ex-ministro afirmou que chegou a pensar em concordar com a substituição "para evitar um conflito desnecessário, mas que chegou à conclusão que não poderia trocar o diretor-geral sem que houvesse uma causa".
RAMAGEM E A FAMÍLIA BOLSONARO
"Como Ramagem tinha ligações próximas com a família do presidente isso afetaria a credibilidade da Polícia Federal e do próprio governo, prejudicando até o presidente", disse o ex-ministro.
"Essas ligações são notórias, iniciadas quando Ramagem trabalhou na organização da segurança pessoal do presidente durante a campanha eleitoral."
INDICAÇÕES AOS POSTOS
Moro ressaltou que todas as indicações feitas às superintendências da PF passavam pelo crivo da Casa Civil. E que em nenhum momento nomes indicados pelo ex-diretor-geral da PF Maurício Valeixo foram questionados pela pasta.
Ele explicou que Bolsonaro não tinha o mesmo interesse em mudanças de outros postos dentro do Ministério da Justiça. "O presidente não interferiu, ou interferia, ou solicitava mudanças em chefias de outras secretarias ou órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, como, por exemplo, a Polícia Rodoviária Federal, Depen, Força Nacional", disse.
ENTORNO DO PRESIDENTE
Moro foi questionado pelos investigadores se via relação entre as trocas solicitadas pelo presidente com a deflagração de operações policiais contra pessoas próximas a Bolsonaro e ao seu grupo político. O ex-ministro disse que desconhecia relação e que não tinha acesso às investigações em curso.
O novo diretor-geral da Polícia Federal, Rolando de Souza, em um de seus primeiros atos, decidiu trocar a chefia da superintendência da PF no Rio, como revelou o Painel. O novo superintendente do Rio ainda não foi definido.
SAÍDA DO GOVERNO
O pedido de demissão de Moro foi revelado pela Folha de S.Paulo no dia 23 de abril. No depoimento, Moro contou que avisou Bolsonaro que sairia do governo com a confirmação da saída de Valeixo.
Segundo ele, Bolsonaro "lamentou, mas disse que a decisão estava tomada". Moro disse que, em seguida, reuniu-se com os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Heleno (GSI) e Braga Netto (Casa Civil).
Ele disse à PF que informou então "os motivos pelos quais não podia aceitar a substituição e também declarou que sairia do governo e seria obrigado a falar a verdade".
CRIME DE BOLSONARO
Os investigadores perguntaram a Moro se ele identificava nos fatos apresentados em sua entrevista coletiva alguma prática de crime por parte de Bolsonaro. O ex-ministro disse que os fatos narrados por ele são verdadeiros, mas não afirmou se o presidente teria cometido algum crime.
"Quem falou em crime foi a Procuradoria-Geral da República na requisição de abertura de inquérito", disse Moro, segundo o relatório do inquérito. O ex-ministro "agora entende que essa avaliação, quanto à prática de crime, cabe às instituições competentes".
ENTENDA O CASO EM DEZ PONTOS
1. Em agosto de 2019, Bolsonaro passa a cobrar a troca do superintendente da PF no Rio
2. A troca ocorre à época, mas não a que ele queria. O nome é indicado pelo então chefe da PF, Maurício Valeixo
3. Bolsonaro volta a cobrar Moro para essa troca em março passado, segundo o ex-ministro disse à PF
4. Bolsonaro também insiste na troca da direção-geral da PF, e, por isso, Moro pede demissão
5. Em pronunciamento, Moro alega interferência de Bolsonaro, e PGR pede abertura de investigação
6. Supremo autoriza apuração em torno das declarações de Moro e de Bolsonaro sobre a PF
7. Bolsonaro troca comando da PF, mas sua primeira opção é barrada pelo STF
8. Bolsonaro então escolhe Rolando de Souza para a direção da PF
9. Em sua primeira ação, o novo chefe da PF retira do cargo o atual superintendente da PF do Rio
10. Em fala à imprensa, Bolsonaro admite a troca no Rio, mas nega interferência na PF
Por: Folhapress