A ajuda do governo para que trabalhadores sem carteira atravessem a crise do coronavírus chegará mais tarde aos que hoje não recebem nenhum tipo de assistência social. Informais que não estão no chamado Cadastro Único (CadÚnico) devem começar a receber o auxílio emergencial de R$ 600 somente após a segunda quinzena de abril. Embora seja considerado o grupo mais vulnerável, essa parcela da população terá dificuldade em pôr as mãos no dinheiro, por estar fora dos bancos de dados.
Em entrevista, o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, disse que o cronograma de pagamento do benefício começará somente no dia 16 de abril, data de pagamento das famílias que hoje recebem o Bolsa Família, que poderão optar pelo valor mais vantajoso. Mais tarde, em uma outra entrevista, disse que o pagamento destes beneficiários poderia ser antecipado e que uma expectativa otimista seria o dia 10 de abril.
Na sequência, o governo pagará os trabalhadores informais do CadÚnico, que agrega todos os beneficiários de programas sociais do país. Depois, será a vez de microempreendedores individuais (MEI) e trabalhadores autônomos, que contribuem para o INSS. Por fim, informais fora do CadÚnico serão beneficiados.
Segundo fontes, informais fora do cadastro só vão receber o dinheiro depois que o Ministério da Cidadania validar a autodeclaração de renda que o interessado terá que fazer.
O auxílio emergencial aos informais foi aprovado segunda-feira pelo Congresso. Até ontem, o projeto aguardava sanção pelo presidente Jair Bolsonaro. A proposta foi apresentada pelo governo há duas semanas, inicialmente como um vale de R$ 200, e modificada no Legislativo.
Desde o início da crise, o governo tem sido pressionado por demorar para implantar medidas para a população mais vulnerável. Ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrou agilidade.
— Se é um apoio emergencial, 16 de abril não parece tão emergencial para os brasileiros que estão precisando dos recursos — disse Maia.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, se queixou da pressão para que as medidas sejam liberadas rapidamente. Segundo Guedes, o governo enfrentava até ontem um problema para indicar as fontes de recursos necessárias para pagar o auxílio, que terá impacto de cerca de R$ 80 bilhões. Ele afirmou que será necessário aprovar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para viabilizar o processo.
— Estamos com um problema técnico que chama-se “fontes”. E o presidente Rodrigo Maia pode nos ajudar muito, se ele encaminhar e aprovar em 24 horas uma PEC emergencial que regularize isso, o dinheiro pode sair rapidíssimo — disse o ministro.
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Fontes da equipe econômica dizem, porém, que não é necessária PEC para liberar o pagamento. Guedes disse que o trâmite para liberar o recurso é burocrático e que não é “trivial” criar um novo programa assistencial do zero.
— Eu pediria que houvesse um pouco de compreensão. Por um lado, há essa urgência para que chegue logo. Não é trivial colocar dinheiro na mão de 38 milhões de pessoas, onde 70% não estão registrados — afirmou.
A medida pode ainda ser alvo de vetos, disse Bolsonaro. Guedes disse que o governo buscava retirar “jabutis”, propostas que não fazem parte do projeto original. A área técnica quer vetar o trecho que eleva o limite de renda familiar per capita para fins de concessão do BPC de um quarto do salário mínimo (R$ 261,25) para meio salário mínimo (R$ 522,50) a partir de 2021.
— Tem vetos que precisam ser analisados. Vou sancionar o mais rápido possível — afirmou o presidente.
‘Tempo demais’
Diante da indefinição, o Senado adiou a votação do que ficou conhecido como “pacotão social”, que ampliaria o total de brasileiros com direito ao auxílio emergencial. O texto seria apreciado na sessão de ontem.
Para Athayde Motta, membro da diretoria executiva da Associação Brasileira de ONGs (Abong), aguardar até o fim de abril é “tempo demais” para autônomos sem renda há duas semanas. Ele sugere que o governo busque dados com aplicativos de transporte, como Uber, entre outras fontes:
— É hora de analisar os dados que o governo já tem e buscar outros bancos rápidos de acesso para garantir a transferência de renda no menor prazo possível.
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Para Rudi Rocha, diretor de pesquisas do Instituto de Estudos de Políticas de Saúde, há urgência em fazer o dinheiro chegar aos informais:
— As pessoas sairiam às ruas para tentar ter alguma renda. Poderemos ver uma escalada da crise sanitária.
Por O Globo