Uma análise de amostras de urina confirmou plenamente que os resíduos plásticos estão entrando de maneira significativa no corpo humano. Isso foi demonstrado nas análises praticadas em 20 personalidades (representantes da sociedade nos campos da ciência, esportes, cultura, comunicação e saúde) que participam da campanha “
Salut de Plàstic” (Saúde de Plástico). O estudo foi elaborado pelo Grupo de Pesquisa em Epidemiologia Clínica e Molecular do Câncer do Instituto Hospital del Mar de Investigações Médicas (IMIM), encomendado pela Fundação Rezero, promotora da campanha citada.
A reportagem é de Antonio Cerrillo, publicada por
La Vanguardia, 02-10-2019. A tradução é do Cepat.
Esta pesquisa detectou a presença de um total de 20 substâncias relacionadas ao plástico procedentes da exposição contínua do organismo a todas elas. Para sua elaboração, foram coletadas amostras de urina de 27 compostos: 15 metabólitos de ftalatos (plastificantes adicionados para aumentar a flexibilidade do produto) e 12 fenóis (usados para dar forma e resistência ao plástico). E o resultado é uma presença generalizada desses derivados plásticos no organismo humano.
Especificamente, em todos os participantes do estudo (nos 20) foram detectados os 15 ftalatos. Além disso, cinco dos 12 fenóis analisados foram detectados em todos os participantes deste estudo.
A invasão
Os dados destacam que os resíduos plásticos protagonizam uma verdadeira invasão do corpo humano. O número total de compostos detectados por pessoa variou de um mínimo de 20 a um máximo de 23 (dos 27 analisados). A média de compostos encontrados por indivíduo foi 21,3.
Os contaminantes têm como principal via de entrada no corpo humano o próprio sistema alimentar. “A principal fonte de exposição são as embalagens dos alimentos e os próprios alimentos”, diz Miquel Porta, médico, professor de Saúde Pública, coordenador do estudo e pesquisador do IMIM. A origem específica é a migração dessas substâncias do plástico para o alimento, do alimento para o corpo humano, e deste para a urina.
Um fato frequente
“Os resultados ilustram o fato de que a presença de resíduos plásticos no corpo humano é frequente”, diz Miquel Porta. Essa situação já era conhecida “em grande parte graças a diversos estudos científicos, embora em um número ainda pequeno na Espanha e em outras regiões da Europa e do mundo”, diz Porta, um apoiador de que as administrações efetuem esses estudos com amostras representativas.
Embora essas substâncias possam ser excretadas diariamente, a exposição contínua a esses compostos tóxicos (muitos desses desreguladores endócrinos) tem sido associada a doenças como hipotireoidismo, diabetes e infertilidade, entre outras.
Estudos anteriores mostraram que, nos últimos anos, algumas substâncias organocloradas (como DDT, dioxinas e o PCB) diminuíram sua presença no corpo humano. No entanto, substâncias químicas como resíduos de plástico (ftalatos, bisfenol ...) e polibromados e parabenos aumentaram de forma muito significativa.
Dados relevantes
Os ftalatos encontrados em concentrações mais altas no estudo são o monoetil ftalato (MEP), com uma média de 52,08 nanogramas por mililitro, seguido pelo MiBP (17,12 ng/mL) e o MECPP (15,99 ng/mL)
Os ftalatos são substâncias químicas artificiais usadas como plastificantes e fixadores. Além disso, são amplamente utilizados para aumentar a flexibilidade e elasticidade dos plásticos, bem como para fixar fragrâncias em colônias, purificadores de ar e outros produtos. Sua presença na vida cotidiana está muito estendida (em embalagens plásticas de alimentos, jogos infantis, papéis de parede, cabos, colas ...).
Numerosos estudos analisaram como os ftalatos podem afetar a saúde e alterar o sistema endócrino, agindo como desreguladores hormonais e endócrinos. Alguns dos possíveis efeitos associados à exposição a essas substâncias são a deterioração da qualidade do sêmen (e a alteração dos hormônios sexuais), puberdade precoce e endometriose, entre outros.
Fenóis
Por outro lado, o fenol com maiores concentrações foi o metilparabeno (MEPA), com uma média de 16,59 ng/mL), seguido do oxibenzona (OXBE, com uma média de 4,24 ng/mL), o etilparabeno (ETPA em uma média de 2,49 ng/mL) e bisfenol A (BPA, com média de 2,39 ng/mL)
Os fenóis são usados em múltiplos recipientes para alimentos (garrafas plásticas, recipientes para alimentos pré-cozidos ...) e na elaboração de resinas epóxi, que cobrem algumas latas de conserva (atum, aspargos, fabada...). Também são detectados em tickets, garrafas de água, cosméticos e produtos capilares. Dentro deste grupo estão presentes compostos químicos como os parabenos, bisfenóis, oxibenzeno e o triclosan.
(Os fenóis analisados nas 20 amostras de urina não sofreram nenhuma transformação no corpo e são excretados com a mesma composição química e mantêm sua fórmula original). Existem estudos epidemiológicos que demonstram que os fenóis aumentam o risco de diabetes e doenças cardiovasculares, redução da fertilidade e câncer de próstata, entre outros efeitos.
Valor pedagógico
Em suas conclusões, o trabalho científico destaca que este estudo tem um valor fundamentalmente “pedagógico”. Como se baseia em uma amostra de 20 voluntários, “seus resultados não podem ser extrapolados para toda a população em geral”.
“Com base nos conhecimentos científicos existentes, é necessário que as comunidades autônomas realizem estudos em amostras representativas de suas populações para conhecer a magnitude, as características e a evolução da contaminação interna por ftalatos, fenóis e outras substâncias químicas ambientais”, destacam as conclusões finais.
Fundação Rezero
O estudo foi tornado público pela Fundação Rezero, dentro de sua campanha “Salut de Plàstic” (Saúde de Plástico), uma iniciativa destinada a conscientizar os cidadãos sobre os problemas específicos causados pelos plásticos na saúde humana e pedir aos governos que atuem com regulações.
Na campanha, a citada fundação contou com a colaboração de 20 pessoas relevantes da sociedade. Todos elas pedem aos governos e empresas que abordem com caráter de urgência a crise dos resíduos plásticos, após ter comprovado em suas carnes a presença desses compostos devido à abusiva plastificação de alimentos em toda a cadeia de distribuição e consumo.
Personalidades relevantes
Rezero coletou a urina dessas 20 pessoas, muitas delas famosas e populares, e todas conhecidas em sua atividade profissional. Entre elas, estão a atriz e apresentadora Silvia Abril, o pintor Miquel Barceló, o meteorologista e apresentador Francisco Mauri, a doutora Elena Carreras e o músico e apresentador Halldór Már, entre outros. Também se submeteram a prova o biólogo Manu San Félix, a líder ambientalista Margalida Ramis e a futebolista Mariona Caldenteny.
Depois que as amostras foram coletadas, foram enviadas ao Instituto Norueguês de Saúde Pública, um laboratório de referência sobre o assunto, enquanto os resultados foram supervisionados pelo doutor Miquel Porta, que comunicou os resultados às pessoas recrutadas voluntariamente.
Eles reagiram com rostos de surpresa indubitável. “Disse sim à ideia de fazer as análises pensando que não daria positivo. Mas quando recebi o resultado, fiquei muito surpreso, porque sempre se tenta usar menos resíduos possível. Vendo que todos os resultados são positivos, me faz pensar que estamos enfrentando um problema transversal, que não depende de idade, nem profissão, nem do sexo. É um impacto coletivo”, diz uma dessas pessoas.
Embalagem excessiva, "plastificação de alimentos"
Especialistas relacionam a presença de resíduos plásticos com a proliferação de recipientes descartáveis, embalagens de alimentos para levar para casa e embalar em excesso.
Esses produtos, além de causar um aumento significativo de resíduos, com o consequente impacto nos ecossistemas naturais (especialmente sobre os mares e oceanos), também têm impacto na saúde das pessoas, algo que interessa cada vez mais a especialistas e pesquisadores.
Contaminação contínua
“Os cidadãos estão expostos diariamente a uma dieta plastificada e não têm consciência disso. O plástico atualmente usado na distribuição, venda e transporte de alimentos e bebidas contém substâncias que estão migrando para o nosso corpo e afetam diretamente nossa saúde”, diz Rosa García, diretora da Rezero.
“A presença dessas substâncias plásticas no corpo favorece a inflamação. Isso significa que doenças inflamatórias podem ter sido causadas por essas substâncias contidas no plástico. Sabemos que o câncer se desenvolve mais facilmente se houver um processo inflamatório nos tecidos do corpo. Além disso, diferentes problemas ginecológicos e de fertilidade podem se originar com essas substâncias”, diz Miquel Porta.
“Todos os dias somos expostos a resíduos plásticos, tóxicos para a nossa saúde, os comemos, bebemos, inalamos, os tocamos, os absorvemos, nos contaminam, e se tudo correr bem, nós os excretamos”, diz Miquel Porta, para quem a exposição à poluição é contínua e diária.
E qual é a explicação racional para o fato de se encontrem tantos resíduos na urina, embora em quantidades e concentrações variadas?, pergunta-se Porta.
E a resposta é que estamos diante de uma exposição contínua a essa contaminação, afirma esse especialista. Alguém poderia pensar que este é um “pedágio” aceitável, um custo inevitável derivado do progresso, mas Porta discorda dessa afirmação, convencido de que é “factível reduzir” o alto custo de enfermidades.
“Pagamos uma fatura com ao menos cinco capítulos onerosos: 1) a de transtornos, enfermidades, incapacidades e mortes, 2) a ambiental, talvez a mais visível, 3) uma fatura econômica no diagnóstico e tratamento de enfermidades, danos ambientais e físicos, 4) uma fatura de sofrimento e 5) uma fatura moral”, conclui Porta.
Capítulo de soluções
Para reverter essa situação, os especialistas destacam a necessidade de aprofundar o conhecimento desses problemas e julgam imprescindível uma mudança nos hábitos de consumo em favor de um estilo de vida saudável.
Nesse sentido, exigem das administrações responsáveis uma mudança nas políticas legislativas e nas transformações produtivas dos agentes econômicos no mundo dos alimentos, embalagens e distribuição.
Com sua campanha, a Fundação para a Prevenção de Resíduos - Rezero pede a todos esses setores que reduzam a carga tóxica de bens de consumo para melhorar a saúde das pessoas. Em última instância, queremos abrir o caminho para o objetivo de uma sociedade com resíduo zero.
O objetivo é reduzir a toxicidade nos produtos, penalizando seu consumo e, diretamente, proibindo sua utilização em determinados casos. Também acham necessário dar prioridade a produtos reutilizáveis, duradouros e com menos impacto.
De uso único
A grande demanda de fundo é que se “adapte de uma vez” a recém-aprovada direção comunitária sobre redução de resíduos plásticos. Assim, se proibiria e regulamentaria o comércio de produtos descartáveis (como sacolas, bandejas, vasos, vasilhas e canudos de plástico ...), e seria possível introduzir medidas de fiscalização ambiental para conter a proliferação de produtos de uso único e de curta duração (garrafas de plástico e cápsulas de café, por exemplo).
“Não é necessário fazer pesquisas extensas e caras para ver o efeito nocivo que o plástico pode ter sobre a pessoa. Devemos aplicar o princípio da precaução. No futuro, os médicos certamente precisarão recomendar que você não fume, não beba e, além disso, que sigamos uma dieta livre de plásticos, de plástico zero”, diz a doutora Elena Carreras.
Nova legislação
Rosa García, diretora da Rezero, conclui: “Necessitamos dar passos decididos para a regulamentação de produtos plásticos de uso único. Precisamos de um novo marco normativo para a prevenção de resíduos que proteja a saúde das pessoas e nosso direito a consumir sem gerar resíduos”. Nesse sentido, se pede novamente que o Parlamento aprove na Catalunha uma lei de prevenção de resíduos.