Suelém evoluiu no futsal depois que começou a treinar na Pankararus
Barro branco, dança do cansanção, corridas de umbu, forças encantadas. Tradições seculares dos índios pankararus que se fundem com influências oriundas de outras culturas e até da modalidade. “Me segue lá no Instagram”, diz a jovem pankararu Alice Monteiro, de 16 anos, um retrato real da globalização. Ela é uma das 18 meninas que fizeram história na edição deste ano da Fase Estadual dos Jogos Escolares Pernambucanos (JEPs). É que, pela primeira vez, uma mesma escola indígena conseguiu classificar duas equipes coletivas para esta etapa do evento, que reuniu aqueles que foram campeões das fases Municipal e Regional.
Trata-se da Escola Estadual Indígena Pankararus, localizada na Aldeia Saco dos Barros, no município de Jatobá, no Sertão do Pajeú pernambucano. A instituição competiu nas categorias Mirim e Infantil do futsal feminino, modalidade “As pessoas têm em mente que índio vive dentro do mato e só sabe dançar toré, por isso ainda há olhares diferentes. Mas já não é assim há algum tempo”, diz a professora Maria José da Silva Santos, diretora da escola. Ex-atleta de futsal e atletismo na juventude, ela realiza hoje os sonhos que nutria para si ao acompanhar as meninas nas competições.
O talento do povo indígena para o esporte é nato, e é isso que as faz as meninas terem condições de competir com escolas de maior estrutura e aporte financeiro. “As escolas particulares recrutam atletas, oferecem bolsas, têm quadras. A gente sabe que é difícil vencer isso”, pontua Maria José. Para treinar, as pankararus recorrem ao chamado “Poeirão”, um campo de terra batida próximo à escola, ou caminham cerca de três quilômetros para utilizar uma quadra localizada no município vizinho. “As meninas questionam as diferenças quando vamos a outros ambientes. Para competir na Fase Regional, por exemplo, ficamos hospedadas em uma escola que estava recebendo novos aparelhos de ar-condicionado e uma delas chamou atenção: ‘professora, eles têm tantos e nós não temos nada’. O esporte lá é forte, só não tem estrutura, mas estamos tentando”, conta a diretora, revelando que há uma busca constante por parceiros dispostos a ajudar na construção de uma quadra que atenda ao povo local. “Tem projetos que ajudam com o material e a construção é em parceria com as comunidades. Estamos tentando isso, pois se depender de colocar a mão na massa essa quadra fica pronta rapidinho”, completa ela.
Em 2003, a escola da Aldeia Saco dos Barros deixou de ser gerida pelo município e passou a atender as diretrizes do Governo do Estado. O esporte, então, começou a ganhar mais incentivo e, dois anos depois, a instituição estreava nos Jogos Escolares de Pernambuco. O que antes era só brincadeira para os moradores locais, mudou de patamar. Mudou também a vida de meninas como Suelém Lima, de 16 anos. “Jogo futsal desde os sete anos. Mas comecei com meus amigos, gazeando aula na escola antiga. Não sabia jogar bem, tinha vergonha até. Na Pankararus comecei a treinar e evoluir”, diz ela.
A meta da escola é fazer tão bonito no futsal quanto no atletismo, modalidade na qual há um retrospecto de sucesso envolvendo atletas pankararus. Algumas das meninas que encararam mais de oito horas de estrada e vieram ao Recife para competir no futsal, inclusive, retornarão em breve para as finais de modalidades individuais Fase Estadual do JEPs 2019. Suelém é uma delas. Competirá no lançamento de dardo e arremesso de peso após vencer a Fase Regional. Outra é Jamires Maria da Silva Souza, de 15, que há dois anos foi campeã pernambucana escolar no lançamento de dardo e viajou para fora do Estado para participar da versão nacional dos Jogos. Naquele mesmo ano, se sagrou campeã estadual de clubes na mesma prova, competindo pelo Sport. Apesar de terem bons resultados no atletismo, contudo, é do futsal que elas gostam mais. “É melhor porque é em grupo, tem as meninas, é mais divertido”, diz Jamires, cuja opinião ganha coro na voz das amigas, reforçando uma visão diferente do esporte, na qual competir faz parte, mas o principal é confraternizar. Noção tão nobre quanto a cultura entranhada nas pinturas, nos gestos e na sabedoria de um povo singular.
Oportunidade
A ida para o Recife pode ter aberto outras portas para as jovens pankararus. Na oportunidade, elas participaram de um teste no Sport e ao menos três delas se destacaram. “Há de se observar que elas não estão acostumadas com campo de grama e a chuteira específica e, mesmo assim, fizeram uma boa apresentação. O clube disse que pretende fazer um trabalho com as categorias de base do futebol e pode convidar algumas delas para um período maior de testes”, explica o treinador Antônio Cézar.
Curiosidades do município de Jatobá
Jatobá é um município novo, que completará 24 anos de fundação neste mês de setembro. Dentro do território pankararu, há 14 aldeias, entre elas a Saco dos Barros. O local foi homologado e demarcado como território indígena, sendo posteriormente desencruzado, ou seja, foi feita a retirada de quem não era indígena. Trata-se do maior produtor de tilápia do Estado. Situado entre serras, o município tem fontes de água natural e possui um solo rico para plantação, mas, apesar das excelentes safras de pinha e manha, o cultivo é somente para subsistência.
Por Folha de PE