Por Lúcia Xavier
Juízo final, invasão alienígena, fim do mundo. Foram essas as especulações quando vimos luzes surgirem no céu e crescerem, como se fossem nos engolir ou cair sobre a terra, na cidade de Paulista, Região Metropolitana do Recife. O fato estava quase apagado da minha memória, até eu me deparar, em uma pesquisa sobre outro assunto, com relatos que citavam o que eu vivi. Eu não recordava o ano, mas, segundo os depoimentos de moradores de Recife e de outras cidades, em comentários postados na Internet, isso aconteceu em 1982, mais precisamente em setembro de 1982.
Esse foi o último ano que estudei na Escola Estadual Presidente Castelo Branco, em Mirueira, bairro de Paulista, onde concluí o 1º grau maior. Eu era aluna da 8ª série, no turno da tarde, e minha irmã Luziene, que estava na 6ª ou 7ª série, também estava na escola nesse dia. O evento aconteceu próximo da hora de voltarmos para casa, em Jardim Paulista Alto. Alguns alunos correram para suas casas - moravam próximo. Outros, nós duas incluídas, assistiram a tudo no pátio da escola. As expressões de espanto foram variadas: rezas, gritinhos, choro e/ou risadinhas nervosas. Não me lembro se alguém desmaiou ou passou mal, porque alguns, como eu, só olhavam para cima, petrificados ou extasiados. Já então eu era fascinada por astronomia, fã de 'Jornada nas Estrelas' (Star Trek) e do Carl Segan com seu maravilhoso Cosmos.
Existe uma reclamação comum das pessoas que vivenciaram aqueles momentos de perplexidade: não há material disponível sobre o pandemônio causado, em várias cidades, pelo avistamento das explosões de bolhas de luz coloridas. Naquele tempo, ainda durante a ditadura, não existia Internet, celular e nem todo mundo podia comprar jornal impresso. Televisão e rádio eram os meios populares de comunicação e, ao que parece, falharam em avisar à população, com antecedência.
Recorte de jornal Gazeta do Sertão, de Campina Grande, na Paraíba, edição de 18 de setembro de 1982, publicado no blogue
Retalhos Históricos de Campina Grande, exibe a manchete "OVNI aparece no céu de Campina Grande e provoca pânico". A matéria se refere ao evento ocorrido na tarde do dia anterior, uma sexta-feira (17), o mesmo que presenciamos em Paulista.
O primeiro comentário à postagem do blog campinense foi publicado por José Targino Neto, que, infelizmente, não diz onde residia na época. Existe um cemitério Monte Santo em Campina Grande. O relato dele descreve o que eu me recordo de ter visto em Paulista.
"Fui um espectador destes supostos ovnis em 82, então com 17 anos. Eu estava a caminho do trabalho e quando cheguei na altura do cemitério do Monte Santo, notei alguma coisa estranha com o olhar das pessoas, abismadas olhando para o céu. Foi quando olhei e vi um fenômeno fantástico. Eram como bolhas de gás coloridas que se expandiam velozmente, tomando grandes proporções, nos dando a impressão que elas se dirigiam pra quem olhasse para ela, a mesma sensação que temos quando vemos o estouro de fogos de artifícios em forma de círculo. Foi fantástico", descreve José Targino.
Também espectador, Jeo, que na ocasião residia em Icó, no Ceará, afirma que o evento ocorreu em dois dias seguidos.
Há quem tenha buscado informação oficial. "Meu nome é Marcones, nesse ano eu morava em São Lourenço da Mata-PE, com minha vó e lembro desse espetáculo. Tive uma oportunidade, em 2002, quando eu servia no EB (Exército Brasileiro), de visitar o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno, em Ponta Negra-RN. Lá eu perguntei sobre esse fenômeno e eles me falaram que foi um foguete que lançaram, deu problema e explodiu, causando multicores nos céus. Informações é que dezenas de lançamentos entre 1978 e 1990 aconteceram", diz Marcondes Ferreira da Silva, em comentário à mesma postagem.
Os testemunhos das "vítimas" da falta de informação são muitos. Ao que consta, o evento foi avistado em Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Paraíba, norte da Bahia, talvez também no Piauí. Ainda hoje, muitos dos espectadores duvidam que o fenômeno foi provocado por foguete lançado no
Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), no Rio Grande do Norte, justificativa divulgada após o rebuliço.
O site
Gunter's Space Page (em inglês) disponibiliza séries históricas de lançamentos de veículos espaciais, realizados em várias bases ao redor do mundo. Consta que na Barreira do Inferno houve dois lançamentos nos dias 17 e 18 de setembro de 1982, em foguetes suborbitais
Sonda-3.
O detalhe mais interessante é a descrição da carga útil conduzida pelos foguetes nos dois lançamentos: "Colored Bubble" (bolha colorida, em inglês). Faz sentido, embora não se saiba se esse nome foi dado antes ou depois das operações.
Seja o que tenha sido o espetáculo a que assistimos, há 35 anos, nenhum eclipsizinho parcial ou total - nem acontecem de surpresa! - é capaz de despertar as sensações de estupefação, de quase terror e de fascínio que experimentamos no fim da tarde de 17 de setembro de 1982.
Lúcia Xavier
Redação do Blog de Assis Ramalho