Ontem (23), o Diretor do Parque Nacional da Canastra divulgou uma notícia desalentadora: a fonte secou. Secou a principal nascente do rio São Francisco, situada na Serra da Canastra, em Minas Gerais. Em meio à severa estiagem, a crise de abastecimento hídrico tende a se agravar, não apenas no Nordeste, condenado há séculos a mitigar a sede com promessas, mas também no Sudeste, surpreendido pelo colapso do Sistema da Cantareira.
Há ecos de preocupação e rumos de desabastecimento nas comunidades servidas pelo rio Paraíba do Sul, entre SP, RJ e MG. Enquanto isso, o valente São Francisco agoniza em seu leito. Em Três Marias, em Minas Gerais, aparenta dar seus últimos suspiros. Segundo boletim da CHESF à Agência Nacional de Águas (ANA), o volume útil da represa era de apenas 5,71% nessa segunda-feira, 22 de setembro. Em ambos os casos, o Ministério Público está presente nos conflitos pela água. A reserva do Sistema Cantareira, em SP, é manchete obrigatória nos jornais da região desde que o sinal de alerta foi lançado, ao cair para em torno dos 20% do volume útil.
O reservatório de Sobradinho, na Bahia, na manhã do dia seguinte (23), possuía volume útil estimado em 30,71%. Itaparica, na cidade pernambucana de Petrolândia, aparece no relatório com 20,48%, estimados no dia 22, mas, por enquanto, reinam o silêncio e a imobilidade diante dos níveis decrescentes do reservatório que abastece Petrolândia e região. Murmúrios e lamentos ouvem-se apenas após a divulgação das novas prorrogações da vazão mínima, requeridas pela Chesf e autorizadas pela ANA. Em seguida, imerge-se no silêncio.
No dia 8 de abril de 2013, em atendimento a pleito da Chesf, a ANA autorizou a redução da vazão mínima dos reservatórios ao longo do São Francisco, de 1.300m³/s para 1.100m³/s. O prazo inicial de vigência da medida era 30 de novembro do mesmo ano, porém, a autorização foi sucessivamente renovada nos meses seguintes. Obrigatoriamente, para cumprir uma das condições da Resolução n° 442/2013, da ANA, a Chesf apresenta um Relatório Mensal de Acompanhamento da Redução Temporária da Vazão Mínima do Rio São Francisco 1.100 m³/s a partir da UHE Sobradinho. O 11º Relatório Mensal de Acompanhamento (setembro/2014), disponível no site da ANA, apresenta a situação do reservatório de Sobradinho e de afluência/defluência em Xingó (que não tem reservatório). A represa de Itaparica (UHE Luiz Gonzaga), situada entre as duas outras citadas no documento não tem sequer o nome mencionado no relatório.
As conclusões técnicas do último relatório apresentado pela Chesf são bastante positivas, até animadoras. A operação é um sucesso para a manutenção do sistema da Chesf e para a manutenção dos múltiplos usos da água, não existem reclamações dos "demais" usuários do sistema.
"No período de visão deste relatório (01 a 31/08/2014), não houve registro de problemas junto aos demais usuários do Rio São Francisco, além dos que já foram apontados e devidamente tratados conforme explicitado nos relatórios anteriores."
"Não houve registro de solicitações para viabilizar a navegação, nem registro de novos problemas junto aos demais usuários do rio além dos que já foram apontados e devidamente tratados conforme exposto nos relatórios anteriores. Mais uma vez ratifica-se a importância e necessidade de se estabelecer, como prática permanente, o trabalho de manutenção nas estruturas e equipamentos que são utilizados para captar água do Rio São Francisco para os diversos fins, por parte de todos os usuários."Diante dos resultados animadores, devido às condições hidrológicas desfavoráveis (falta de água no rio), em 18 de julho de 2014 a Chesf enviou ofício ao IBAMA, solicitando análise para redução da vazão do rio São Francisco dos atualmente em vigência 1.100m³/s para 900 m³/s "nos períodos de carga leve, com base na solicitação do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), explicitada através da carta 1048/2014 e Nota Técnica – 88/2014". O período de "carga leve" considerado pela Chesf é da meia noite às 7 horas da manhã, nos dias úteis (segunda a sexta-feira) e nos sábados, e de meia noite às 24h00 (o dia inteiro) nos domingos e feriados. Essa redução adicional "a partir de UHE de Sobradinho" foi solicitada inicialmente com prazo de vigência até 30 de novembro de 2014.
Diante do silêncio reinante até o momento, da falta de lamúrias e lamentações, supõe-se que a apreciação do relatório ainda tramita nas mesas de reuniões ou foi estrategicamente engavetada, considerando-se que é (mais) uma medida impopular neste período de eleições, em que cada ponto percentual é disputado na base da gritaria, arranhões e puxões de cabelo. Porém, se aprovada, após as eleições obviamente, não será estranho que a "flexibilização" seja indefinidamente renovada, se São Pedro insistir em permanecer de braços cruzados, recusando-se a colaborar com o ONS.
Neste contexto, o futuro que se desenha para Petrolândia e região nada tem de positivo ou de animador. O lago de Itaparica míngua a olhos vistos. Onde está a água que regaria o progresso da cidade? Quanto menor a vazão do lago, menor a produção de energia, menores os royalties, maiores os prejuízos para os produtores dos perímetros irrigados, de piscicultores e aquicultores. É fácil prever que a população da zona urbana vai abastecer seus potes da água de carros-pipa, vinda sabe-se lá de onde e distribuída, a preço de ouro, em permanentes operações emergenciais.
Há que se rezar muito a São Pedro para abrir as comportas do céu. Vivos fossem o padim Ciço do Juazeiro ou o beato frei Damião, legiões de penitentes estariam fazendo romarias, novenas e promessas às margens do São Francisco. Mortos eles, morta a primeira nascente do rio, aos poucos, seremos os próximos? Onde estão os nossos líderes para motivar e mobilizar as multidões?
Redação do Blog de Assis Ramalho