Em recente entrevista, o Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que o risco de faltar energia no país é "mínimo". Mas, as fracas chuvas que ocorreram em fevereiro aumentaram o risco de racionamento de energia e alguns técnicos do setor elétrico defendem que a redução do consumo já deveria ter começado neste mês de março. É o caso do ex-presidente da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), João Bosco, que entregou o cargo em setembro, quando o PSB deixou a base do governo Dilma Rousseff (PT). Em seguida, a convite do governador Eduardo Campos, João Bosco de Almeida assumiu a Secretaria de Infraestrutura do Estado de Pernambuco, pasta com o segundo maior orçamento estadual, perdendo apenas para a Saúde.
No governo Eduardo Campos, João Bosco já integrou o secretariado estadual como titular da pasta de Recursos Hídricos e também foi auxiliar do ex-governador Miguel Arraes, em seu terceiro governo (1995-1998).
Na última quinta-feira, em entrevista exclusiva ao Blog de Assis Ramalho, João Bosco fez veemente alerta sobre a necessidade de o governo federal iniciar, com urgência, um trabalho de conscientização para a população brasileira iniciar o racionamento de energia.
"Estivemos em São Paulo, na semana passada, em um grande encontro coordenado pela PSR, que é uma empresa de consultoria, que faz estudo nesta área (energética), e os especialistas indicam que, de fato, nós estamos em uma situação de grande risco de não atender toda a demanda, necessitando de alguma forma a redução do consumo. Todos os especialistas com quem temos conversado têm recomendado que o governo dê início imediatamente a uma campanha para o uso racional da energia, para que os consumidores procurem economizar energia nas suas atividades, na sua casa, na sua empresa, porque o risco ao longo do ano de a geração de energia não atender totalmente a carga é muito alta, e isso significa que o governo precisa reduzir o consumo."
Na entrevista, João Bosco diz que o governo federal ainda não tomou nenhuma iniciativa para racionamento de energia porque estamos em um ano de eleição. "
O governo não quer reconhecer isso (a necessidade de racionamento), porque em um ano eleitoral pode ser ruim, mas, pelo outro lado, o governo tem que abrir o olho para essa situação, porque este é um assunto muito sério e ninguém deve esconder isso por conta de uma eleição. A gente não pode empurrar isso para o próprio ano. Se a gente não fizer racionamento este ano e tiver problema de energia e água o ano que vem, novamente, isso será um problema incalculável para a nação. Eu ainda acho que o governo vai fazer alguma coisa este ano, mas por enquanto a situação é muito preocupante em relação à atitude que o governo vem tomando."
Leia, na íntegra, a entrevista concedida com exclusividade ao Blog de Assis Ramalho pelo ex-presidente da CHESF e atual Secretário de de Infraestrutura de Pernambuco, João Bosco.
Assis Ramalho: João Bosco, todos nós brasileiros estamos assombrados com a possibilidade, segundo os especialistas, da real necessidade de passarmos por um racionamento de energia. O que o senhor, como ex-presidente da CHESF, tem a dizer sobre isso? O Brasil corre mesmo este risco?
João Bosco: De fato, esse é um assunto que interessa muito ao governo do Estado, assim como ao povo brasileiro, em saber quais são os riscos que o país corre em não ter a oferta de energia o suficiente para o Brasil, e nós estamos acompanhando todos os dias como as coisas estão acontecendo. Estivemos em São Paulo, na semana passada, em um grande encontro coordenado pela PSR, que é uma empresa de consultoria que faz estudo nesta área (energética), e os especialistas indicam que, de fato, nós estamos em uma situação de grande risco de não atender toda a demanda, necessitando de alguma forma a redução do consumo. Todos os especialistas com quem temos conversado têm recomendado que o governo inicie imediatamente uma campanha para o uso racional da energia, para que os consumidores procurem economizar energia nas suas atividades, na sua casa, na sua empresa, porque o risco ao longo do ano, de a geração de energia não atender totalmente a carga é muito alta, e isso significa que o governo precisa reduzir o consumo. Se o governo iniciasse imediatamente uma campanha pedindo à população que economize energia, a situação poderia ser outra. Por exemplo, São Paulo está dando um incentivo na conta ao consumidor de água, para quem economizar água, e o mesmo deveria ser feito no setor elétrico, e isso poderia minimizar o problema. É preciso que o governo entenda que quanto mais se adia isso, mais caro ficará para frente, e ficará mais difícil se fazer adiante. A gente entende que o governo não quer tomar essa iniciativa, para não reconhecer que temos um problema, o que é muito grave.
Assis Ramalho: Mas como é que o governo vai tomar essa iniciativa, se é o próprio governo que vai para a televisão, vai para a imprensa e diz que não tem nenhum problema, que o país não corre nenhum risco de apagão? Isso nós já ouvimos da boca do Ministro das Minas e Energia, Edilson Lobão, e da própria presidenta Dilma. Então, como é que o governo vai fazer uma campanha para solucionar um problema que ele mesmo diz que não tem? Com essa atitude, o governo não está contrariando os especialistas?
João Bosco: Com certeza, você está certo. Em toda as revistas especializadas, em todos os seminários sobre o assunto em que temos percorrido, todos dizem que o risco de faltar energia cresceu. Se as chuvas continuarem nos níveis em que estão, vai faltar energia. O governo não quer reconhecer isso, porque em um ano eleitoral isso pode ser ruim. Mas, pelo outro lado, o governo tem que abrir o olho para essa situação, porque este é um assunto muito sério e ninguém deve esconder isso por conta de uma eleição. A gente não pode empurrar isso para o próximo ano. Se a gente não fizer racionamento este ano e tiver problema de energia e água o ano que vem, normalmente será um problema incalculável para a nação. Eu ainda acho que o governo vai fazer alguma coisa esse ano, mas por enquanto a situação é muito preocupante em relação à atitude que o governo vem tomando.
Assis Ramalho: O senhor, João Bosco, era o presidente da CHESF na época em que o o governador Eduardo Campos, junto com o PSB (partido presidido pelo governador de Pernambuco), apoiavam o governo Dilma. Durante os mais de dois anos à frente da CHESF, o senhor não percebia que o governo queria tapar o sol com a peneira, ou o senhor percebia mas era proibido de divulgar o problema, como o senhor está divulgando agora?
João Bosco: É bom entender que a CHESF, assim como todas as geradoras de energia do país, é uma agência do setor, e não cabe a ela a responsabilidade sobre o planejamento. Enquanto lá estivemos, durante todo o tempo, nós sempre fazíamos alerta sobre a necessidade de ajustes no modelo. Fazíamos alerta sobre melhorias na gestão do setor elétrico, porque, no ano passado, nós já tomamos um susto grande. Nós chegamos a gerar 11 mil megawatts (MW) de térmicas durante todo o ano, e isso é um peso muito alto para o consumidor, que está sendo empurrado para o próximo ano. Ninguém quer repassar para o consumidor essa conta agora, porque é uma conta muito alta. Seria um aumento de tarifa em torno de 10%, e normalmente estão botando tudo isso pra frente. Então, como membro de um condomínio de vários agentes, nós sempre demos a nossa contribuição no sentido de aperfeiçoar o sistema. Nós não estamos falando isso agora porque estamos fora do governo de Dilma. Nós estamos analisando os dados e, para fazer essas análises, eu fui ao Rio de Janeiro na sexta-feira participar de um grande encontro de agentes do setor elétrico, de especialistas, e são eles que estão dizendo e fazendo esse alerta. É o (jornal) Valor Econômico, é o Estado de S. Paulo, é o Canal Energia, que é uma revista especializada em energia, e todos estão fazendo esse alerta. Só o governo que não quer acatar isso. Mas, ontem (20), o Secretário Executivo do Ministério (de Minas e Energia), Márcio Zimmermann, já disse à imprensa que o sinal está amarelo.
Assis Ramalho: A partir do momento em que for concluída a Transposição do Rio São Francisco, com a distribuição das águas para outros Estados, a situação de energia não tende a piorar? Ou a Transposição não terá nada a ver com o problema?
João Bosco: Não. Essa transposição, se eu pudesse simplificar, é uma gota d'água dentro da Usina de Itaparica, por exemplo. Então, foi bom você fazer essa pergunta, porque pode ser que apareça alguém por aí, para dizer que a Transposição vai ser um problema (para o setor energético).
Assis Ramalho: Neste ano de eleição, o Secretário de Infraestrutura de Pernambuco, João Bosco, será candidato a algum cargo político?
João Bosco: Não. Eu trabalhei com Miguel Arraes (ex-governador de Pernambuco) durante muito tempo, e agora com Eduardo (Campos). Eu sou apenas um técnico à disposição do partido (PSB), para fazer um bom trabalho para os eleitores que nos acompanham.
Assis Ramalho: O Blog de Assis Ramalho agradece a atenção do Secretário com a nossa reportagem.
João Bosco: Eu é que agradeço e estamos sempre à disposição para outros esclarecimentos.
Redação do Blog de Assis Ramalho
Fotos: Lúcia Xavier