Peu (último jogador agachado da esquerda para direita) no Flamengo (Foto: Arquivo/Museu dos Esportes)
O atacante Júlio dos Santos Ângelo não é muito conhecido por seu nome. Apenas três letras (P-E-U) identificam o alagoano que participou de importantes conquistas da "Geração de Ouro" do Flamengo, na década de 80.
Peu nasceu em Maceió, onde começou sua história em campo no Centro Sportivo Alagoano (CSA). A mãe de Peu era lavadeira do clube e o pai dele foi segurança, roupeiro, uma espécie de "faz tudo". Foi assim, desde menino, que ele foi criado entre os jogadores e a bola, tirando lições valiosas.
Aos 15 anos Pêu já jogava pelo azulino alagoano e ainda muito jovem conquistou títulos nas categorias de base. Aos 17, já atuava entre os profissionais. Como o CSA revelava jogadores para os times do Rio de Janeiro e de São Paulo, em 1981 Peu foi parar no Flamengo de Zico & Cia.
Atacante eficiente com excelente domínio de bola, toques precisos, Peu só não teve mais oportunidades de se destacar no Flamengo porque caiu num time mágico. Por conta disso sempre foi um reserva de luxo, um jogador extremamente capaz, mas que quase sempre começava o jogo no banco de reservas. Nem por isso ele era triste. Muito pelo contrário! Alvo preferido das brincadeiras dos jogadores, principalmente de Zico, Peu sempre teve espírito jovial e alegre.
Foram quatro anos na Gávea, onde viveu um período muito intenso na história do clube. Peu teve a oportunidade de dar a volta olímpica três vezes na Taça Guanabara, uma no Carioca, venceu um Brasileiro, a Libertadores e o Mundial. Quer mais? Bom, é o suficiente para colocá-lo na galeria de grandes campeões pelo clube.
Ao deixar o Flamengo, Peu ainda se aventurou por uma série de times pelo Brasil e também no exterior. Foi campeão em Pernambuco (pelo Santa Cruz), e no Paraná (pelo Atlético), jogou ao lado de Raí no Botafogo de Ribeirão Preto e foi campeão mexicano com o Monterrey, em 1986. Ainda passeou por diversos Estados até encerrar definitivamente a carreira, aos 34 anos, levantando o título alagoano pelo clube que o revelou, o CSA.
Depois de pendurar as chuteiras, iniciou sua carreira de técnico sem sair da terra natal. Primeiro no Comercial AL, em 1996, depois no Dínamo AL, campeão das segunda divisão estadual, e posteriormente no Murici.
De lá para cá treinou times de base, como o Rio Negro RR e, em 2004, foi convidado para comandar o Itacuruba (PE) , na Série C do Campeonato Brasileiro.
Confira abaixo a entrevista concedida à Assis Ramalho.
Assis Ramalho: Peu, eu gostaria que você fizesse um resumo de sua brilhante carreira, já que você iniciou e brilhou no CSA, tendo saído de lá, ainda muito jovem, quando foi contratado pelo Flamengo, que naquela época tinha um super elenco, era o todo poderoso time comandado por Zico, na época o melhor jogador do futebol brasileiro. Como foi para você chegar lá e, de repente, estar jogando no meio daquelas feras todas? Eu acho que para você foi um sonho realizado, não?
Pêu: Pra mim, foi algo muito importante, muito bom e muito gratificante. Na minha carreira eu ganhei muitos títulos. No CSA, por exemplo, eu comecei com 10 anos de idade, onde fui campeão em todas as categorias de base. Já como profissional, eu conquistei títulos alagoanos e também fui vice-campeão brasileiro pelo CSA da Taça de Prata (o que hoje representa a série B no futebol brasileiro). Depois, como você disse, eu fui contratado pelo Mengão, e lá eu vivi grandes momentos e conquistei grandes títulos. No mengão eu fui campeão da Taça Guanabara por três vezes, campeão carioca, campeão brasileiro, campeão da Libertadores e campeão mundial em 1981. Depois eu fui para o Monterrey do México, onde também fui campeão, de lá voltei para o futebol brasileiro, onde joguei no Atlético paranaense, no Cruzeiro, no Botafogo de Ribeirão Preto. Aliás, no Botafogo de Ribeirão Preto eu joguei com Raí. Também joguei no Santa Cruz, entre outros times. Então, com todo esse currículo que eu passei para você, eu me sinto preparado para fazer um bom trabalho nas categorias de base do CSA.
Assis Ramalho: Ainda em relação à sua passagem pelo Flamengo, como você foi recebido pelos jogadores da Gávea? Eu pergunto isso porque, na época, o time era cheio de grandes estrelas. Além do seu astro maior, que era o Zico, tinha também o Júnior, o Leandro, o Mozer, Andrade, Adílio, Tita, Raul, entre outros. Todos eles lhe receberam bem?
Pêu: É verdade, pra mim foi algo inesquecível. De repente você está ali, no meio daquelas feras todas. Mas posso lhe dizer que eu fui muito bem recebido por todos e vou aproveitar essa oportunidade e contar uma coisa. Você sabe que aquele grupo era um grupo onde quase todos foram formados na base do Flamengo. Aquele elenco tinha quase trinta jogadores, e no meio deles só tinha quatro que não tinham sido feitos em casa (no Flamengo), que éramos eu, Lico, Raul Plasma e (Paulo César) Carpergiani. Então, como era um grupo feito em casa, era um grupo muito unido e super fechado. E pelo que eu sentia, eram eles quem decidiam quem era o jogador que ia ficar, porque o jogador tinha que ser bom de bola e bom de grupo.
Assis Ramalho: Mas você, até onde eu sei, caiu nas graças do grupo porque na época eu me lembro que os jogadores do Flamengo, principalmente o Zico, gostavam muito de brincar com você, e dava para perceber que eles tinham um carinho muito grande por você, o que não era pra qualquer um. Aliás, ainda nos tempos de hoje, depois de mais de 30 anos, a gente ainda vê o Zico lembrando de você, falando do seu jeito divertido no Flamengo da época. Como é ter conquistado a amizade de Zico e ser amigo dele até hoje?
Pêu; É verdade, você disse muito bem. Pra mim é um privilégio muito grande ser amigo do Zico, até os tempos de hoje. Inclusive, recentemente indicaram um atleta da Paraíba pra ele (Zico), e ele me mandou ir lá, olhar esse atleta. Eu fui, dei o aval positivo e ele levou. Aproveito pra dizer pra você que no dia 26 de março, Zico vai estar em João Pessoa onde vai acontecer um jogo de masteres entre ex-jogadores do Corinthians (Amigos de Viola) e ex-jogadores do Flamengo (Amigos de Zico), e eu estarei lá a convite do Zico, que é meu amigo.
Assis Ramalho: Ao que parece, aquele grupo do Flamengo era muito unido, porque até hoje os jogadores estão sempre se encontrando, estão sempre programando algum evento para se ter um motivo de estar juntos, muito diferente dos tempos de hoje em que a gente não vê amizade nenhuma na classe dos atuais jogadores.
Pêu, de camisa azul, em meio a confraternização entre amigos do inesquecível Flamengo - Na fotos: Entre outros, Júnior, Adílio e AndradePêu: Você está muito certo, porque aquele time virou uma família. O pessoal está sempre ligando um para o outro, querendo saber como ele está, se está precisando de alguma coisa. É como você disse, todos procuram inventar um evento para estarem juntos novamente.
Assis Ramalho: Entre os muitos jogos e os muitos gols marcados por você, qual o jogo e o gol que mais lhe marcou em sua carreira?
Pêu: Olha, eu acho que um gol que me marcou muito, foi um que eu fiz na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1982, contra o Guarani, no Maracanã com 145 mil torcedores. O Zico fez o primeiro e eu fiz o segundo, e nós vencemos por 2 x 1. Aquele resultado deu a nós o direito de decidir o título com o Grêmio, onde fomos campeão no Olímpico ganhando por 1 x 0, com gol de Nunes. No primeiro jogo, no Maracanã, foi 1 x 1, com gol de Zico. Então, aquele jogo e aquele gol contra o Guarani, foi um jogo e um gol inesquecível. Mas, tem um outro gol que foi muito importante na minha carreira, que foi o que eu marquei na decisão do Campeonato Alagoano de 1980, aos 47 minutos do segundo tempo, diante do nosso arquirrival CRB. Vencemos por 2x1 e fomos campeões. Naquele jogo o placar estava 1 x1, o CRB jogava pelo empate e o meu irmão Jorge Siri tinha perdido um pênalti. Então, quando tudo parecia perdido, aconteceu um lateral para o nosso time, e eu rapidamente pedi a bola. Ao receber a bola, eu driblei dois jogadores e chutei de fora da área, no ângulo. A bola bateu na trave e entrou. Aquele gol foi muito importante porque, além de ter dado o título ao CSA, eu consegui livrar a pele do meu irmão, que tinha perdido o pênalti, e aquele pênalti poderia prejudicar a carreira dele, porque tinha sido diante do CRB, o maior adversário do CSA.
Assis Ramalho: Peu, o que é que você ainda lembra daquela decisão histórica do Mundial de 1981, quando o Flamengo foi campeão no Japão, diante do Liverpool da Inglaterra. Eu já ouvi jogadores, inclusive o Zico e o Júnior, afirmarem que os jogadores ingleses ironizaram os jogadores do Flamengo antes da decisão. Isso foi verdade?
Pêu: Sim, foi verdade. O que aconteceu foi que os jogadores do Liverpool achavam que o jogo já êstava decidido, e que eles iriam ser campeões com a maior facilidade. Essa ironia que você citou aconteceu na véspera do jogo, quando nós (jogadores do Flamengo) fomos fazer o reconhecimento do campo. Quando nós chegamos, eles tinham acabado de fazer o reconhecimento do campo e ficaram olhando pra nós e rindo. Como eles eram todos jogadores altos, chamados de 'sangue puro', olharam pra nós, que éramos na maioria franzinos, e começaram olhar um para o outro e começaram a tirar sarro da cara da gente, inclusive nos chamando de desnutridos e "passa-fome". No final do jogo nós ganhamos de 3 x 0, e aí eles viram que a gente realmente tinha fome, mas era fome do título mundial, que ganhamos dando "olé". Aliás, como os gols foram marcados no primeiro tempo (dois de Nunes e um de Adílio), no segundo tempo eles, para não levar uma goleada maior, jogaram retrancados. (Peu abriu um largo sorriso ao responder).
Assis Ramalho: Peu, muito obrigado por sua atenção com a nossa reportagem, e deixo o espaço para você fazer suas considerações finais da entrevista.
Pêu: Eu deixo um abraço para todos os torcedores do Flamengo aqui de Petrolândia e região, que na época torceram por mim, e também para os torcedores mais jovens, que não tiveram a oportunidade de ver Peu jogar, nem ver aquele time maravilhoso do Mengão. Também deixo um abraço para os torcedores dos demais times, porque futebol é festa, é alegria e a rivalidade fica apenas dentro de campo, quando a bola rola. Eu também quero deixar um abraço pra você que fez essa bonita entrevista comigo e que vai servir para aqueles que não conheciam a minha história no futebol. Gostei muito da entrevista, fiquei muito feliz com as suas lembranças, que fizeram com que eu voltasse àqueles bons tempos. Muito obrigado,e mais uma vez parabéns pela entrevista.
Redação do Blog de Assis Ramalho
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