O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que os atos de 8 de janeiro foram uma "verdadeira guerra campal". A Primeira Turma da Corte analisa nesta quarta-feira se torna o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados réus pela trama golpista.
— Ninguém estava passeando. Havia uma barreira policial, né? E todos invadiram agredindo. Os policiais que jogavam, vejam, jogavam gás de pimenta, as pessoas invadindo. E sempre com a intenção golpista, nós vamos ver várias faixas pedindo intervenção federal. Uma verdadeira guerra campal".
Análise sobre a denúnciaEle disse ainda que a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre uma tentativa de golpe expôs de forma "detalhada e coerente" os fatos criminosos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados. Moraes é relator da acusação que pode torná-los réus.
— A denúncia descreve de forma detalhada, com todos os elementos, todos os requisitos exigidos, tendo sido coerente a exposição dos fatos, com a descrição amplamente satisfatória dos fatos, da tentativa de golpe de estado, tentativa de abolição violenta do estado de direito — afirmou Moraes ao introduzir seu voto.
Rito do julgamentoApós o voto de Moraes, os outros ministros que integram a Primeira Turma irão votar em uma sequência por antiguidade. Primeiro, vota o ministro Flávio Dino, seguido por Luiz Fux e Cármen Lúcia. O último a votar é o presidente do colegiado, ministro Cristiano Zanin.
É esperado que, além de Moraes, os outros ministros façam votos alentados e explicitem seus posicionamentos, não só acompanhando o relator, mas apresentando os seus argumentos. Os procedimentos de segurança reforçados serão mantidos, assim como a entrada restrita a pessoas cadastradas na plateia, autoridades e as defesas dos acusados.
Quem são os acusadosAlém de Bolsonaro, estão na lista o tenente-coronel Mauro Cid, os ex-ministros Braga Netto (Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Anderson Torres (Justiça), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), além do ex-comandante da Marinha Almir Garnier e o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, deputado federal pelo PL-RJ.
Quais são os crimesOs oito denunciados são acusados pela PGR de cometerem os crimes de organização criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição do estado democrático de direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Pedidos negados no primeiro diaEm julgamento marcado pela presença de Jair Bolsonaro no plenário da Primeira Turma, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram os pedidos da defesa do ex-presidente e de mais sete acusados do chamado “núcleo crucial”, suspeito de liderar uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Durante a análise de “questões preliminares”, os integrantes da Corte mantiveram a posição já manifestada em recursos e limparam a pauta para esta quarta-feira. Pela manhã, os magistrados vão votar se Bolsonaro, ex-ministros e militares de sua gestão vão virar réus, ou seja, se aceitam a representação da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Na terça-feira, os ministros rejeitaram pedidos para o impedimento de alguns dos magistrados para julgar o caso, a anulação da delação premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, assim como descartaram a análise do caso pelos 11 ministros, em plenário da Corte.
Apesar de todos os itens terem sido rejeitados, algumas ressalvas mantiveram a esperança de advogados para a contestação da colaboração de Cid no futuro, em um provável julgamento, já que a delação foi criticada com veemência pelo ministro Luiz Fux.
Os ministros rejeitaram, por unanimidade, pedidos de defesas para o impedimento de Alexandre de Moraes, relator do caso, Flávio Dino e Cristiano Zanin.
Moraes argumentou, por exemplo, que esse tema já havia sido decidido pelo próprio plenário da Corte, que analisou a questão em votação na semana passada.
— Não vou gastar muito tempo, já que recentemente, por 9 votos a 1, o plenário rejeitou a suspeição em relação a mim, pelo mesmo placar em relação ao ministro Flávio Dino e por 10 a 0 em relação ao ministro Zanin — votou Moraes.
Ele rebateu ainda outros pedidos de nulidades alegadas pelas defesas, como o fatiamento da denúncia e o chamado “document dump”, ou seja, a prática de apresentar uma grande quantidade de documentos sem pertinência para dificultar o exercício da defesa. O ministro acrescentou que não houve “pesca probatória”, outro ponto citado pelas defesas.
Gonet: protagonistasJá o procurador-geral da República, Paulo Gonet, ao se manifestar, reforçou o entendimento de que o ex-presidente atuou de forma direta para uma ruptura ao lado de Braga Netto. O procurador-geral buscou demonstrar um encadeamento lógico de ações que teriam sido promovidas por Bolsonaro e pelo núcleo composto por ex-ministros e militares em cargos-chave de seu governo para culminar em um golpe de Estado.
— A partir de 2021, o ex-presidente proferiu discursos em que adotou o tom de ruptura institucional — afirmou Gonet.
Ao abordar o plano Punhal Verde Amarelo, que previa o assassinato de Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e de Moraes, Gonet qualificou as ações como atos de execução, ainda que o plano tenha sido abortado.
— No dia 15 de dezembro de 2022, os operadores somente não ultimaram o combinado (sequestro de Moraes) porque não conseguiram na última hora cooptar o comandante do Exército — afirmou Gonet.
O procurador sustentou, contudo, que a frustração não impediu que o grupo continuasse a planejar ações como o 8 de Janeiro.
Defesas rebatemEm cerca de duas horas, os advogados de defesa de Bolsonaro e dos demais denunciados argumentaram que não houve crime nem articulação para desrespeitar o resultado das eleições de 2022.
Um dos principais argumentos foi alegar que não há provas que sustentem a acusação de tentativa de golpe. O advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, sustentou que não houve violência nem grave ameaça, condições previstas no Código Penal para configurar o crime:
— Não existia violência e grave ameaça, então é impossível falar dessa execução. Não existia nenhum elemento, então começa uma narrativa a respeito de pronunciamentos públicos (de Bolsonaro) para terminar no 8 de Janeiro, que nem a PF, que utilizou mais de 90 vezes a expressão “possivelmente”, pois não havia certeza, nem a PF afirmou a participação dele no 8 de Janeiro.
Vilardi repetiu o argumento enviado à Corte de que não há dados objetivos que liguem o ex-presidente a atos criminosos, e que as reuniões e discursos feitos por ele não podem ser confundidos com execução de crime.
— O (ex) presidente Bolsonaro é o presidente mais investigado da história do país. Não se achou absolutamente nada — disse Vilardi.
As defesas de Bolsonaro, Braga Netto e Augusto Heleno afirmaram que não tiveram acesso a todas as provas produzidas. Matheus Milanez citou a agenda pessoal de Heleno, uma das provas que embasam a denúncia contra o ex-ministro do GSI.
O advogado José Luis Oliveira Lima, o Juca, que defende Braga Netto, por sua vez, afirmou não ter acesso à íntegra das mensagens apreendidas pela PF.
Ataques à delaçãoOs advogados de Bolsonaro e Braga Netto argumentaram ainda que o acordo de colaboração de Cid não tem validade jurídica e teria sido obtida sob coação. Além disso, afirmaram que o ex-ajudante de ordens mudou de versão em diferentes momentos, o que comprometeria sua credibilidade.
Vilardi alegou que a acusação está baseada na palavra de Cid sobre a participação de Bolsonaro na elaboração de minuta golpista e em pronunciamentos do ex-presidente. E Juca, que Cid “mente, e mente muito” em sua delação.
O advogado de Bolsonaro foi na mesma linha ao citar um áudio, revelado pela revista “Veja”, em que Cid relatou ter feito a delação sob forte pressão do STF. Posteriormente, o ex-ajudante de ordens negou e disse que a mensagem tratava-se de um desabafo feito a pessoas próximas, mas que não correspondia à verdade.
— Ele quebrou a delação. A lei não autoriza o delator a falar com irmão, nem com cunhado, nem com a mãe. Ele estava proibido de ter contato até com o pai. Se isso foi vazado, a responsabilidade é dele. Ele falou, mentiu, omitiu e se contradisse, segundo a PF — disse Vilardi.
Outro ponto em comum foi a defesa do julgamento no plenário da Corte, em vez da Primeira Turma. Demóstenes Torres, advogado do ex-comandante da Marinha Almir Garnier argumentou que, dado que o caso da trama golpista é relevante, o acolhimento da denúncia deveria ser julgado pelos 11 ministros, e não apenas por cinco:
— Se a defesa e a acusação concordam que a matéria é da mais alta relevância, se muitos estão dizendo que é o julgamento mais importante da história do STF e o regimento interno da Casa prevê que, quando em razão da relevância da questão jurídica, convier pronunciamento do plenário, será afetada essa matéria ao plenário, estamos insistindo (...) para que a matéria seja remetida ao plenário da Casa.
Por Daniel Gullino, Mariana Muniz, Sarah Teófilo e Ivan Martínez-Vargas — Brasília/O GLOBO