quinta-feira, março 06, 2025

Com tarifaço de Trump, Brasil pode ganhar com agro, calçados e roupas. Analistas explicam por quê


Brasil compete com EUA como maior exportador e pode ganhar espaço no comércio com a China — Foto: CNA/Divulgação

Em meio ao tiroteio comercial entre EUA, Canadá, México e China, iniciado por Donald Trump, o Brasil pode sair ganhando em algumas frentes. É o caso das exportações do agronegócio, como carnes, soja e algodão, ou de alguns produtos industriais, como calçados e têxteis.

Por outro lado, efeitos colaterais de médio e longo prazos — mais inflação e menos crescimento na economia mundial ou a inundação de industrializados chineses no mercado brasileiro — poderão superar as oportunidades, dizem especialistas e representantes do setor produtivo.

Em resposta a Trump, o governo da China anunciou aumento de taxas sobre produtos agrícolas americanos. EUA e Brasil competem como maiores exportadores mundiais em diversas culturas, como soja, milho e algodão. Seria então uma oportunidade para os produtores brasileiros venderem mais para a China, maior importadora do mundo.

Segundo Ricardo Santin, presidente da ABPA, associação de produtores de carne de frango e porco, a principal oportunidade para os brasileiros pode vir com melhores retornos. Isso porque a elevação de tarifas da China sobre as vendas americanas de frango e suínos aumentará os preços no mercado chinês.

Os brasileiros poderão, então, redirecionar as vendas de outros mercados que pagam menos e mandar mais para a China.

— Temos um concorrente (os EUA) que acaba de ter tarifação de 15% no frango e 15% nos suínos (no mercado chinês). E temos os canais abertos para exportação para a China — disse Santin.

A Abrapa, associação que representa os produtores de algodão, citou o aumento de preços de venda como um efeito positivo no curto prazo, mas ponderou, em nota, que, no médio e longo prazos a instabilidade provocada pela disputa comercial vai gerar incertezas, o que pode “impactar a demanda agregada”.

Para os produtores de grãos também poderá haver oportunidades de ampliação das vendas para o mercado chinês, mas, por enquanto, o momento é de esperar, segundo Alexandre Baumgart, sócio e presidente das Fazendas Reunidas Baumgart, que produzem soja, milho e gado de corte em Rio Verde, sudoeste de Goiás:

— Estamos, no momento, em espera. Os custos de matérias-primas subiram e, em meio ao caos, nem valor da soja para fevereiro do ano que vem nós temos.

Negócios congelados

A comercialização antecipada das safras é algo corriqueiro, mas, por causa das incertezas no comércio global, está paralisada, explicou o produtor rural. Na mesma altura do ano em 2024, as Fazendas Reunidas Baumgart já tinham negociado 25% da safra 2024/2025 de soja, que está sendo colhida agora. Neste ano, nada foi negociado ainda.

A especialista em comércio exterior Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), também chama a atenção para os efeitos colaterais:

— A situação é tão conturbada que o resultado final poderá ser negativo. A taxa de câmbio sempre foi volátil mesmo, mas as tarifas eram vistas como um cenário de mais estabilidade. Agora, Trump tornou a tarifa algo instável.

A incerteza poderá provocar um desarranjo nas cadeias globais da indústria, levando a uma triangulação das empresas para produzir em países onde não houver cobrança, disse o professor de economia chinesa do Insper, Roberto Dumas:

— No médio prazo, essa guerra de tarifas aponta para uma desordem nas cadeias de suprimentos, mas não é fácil, por exemplo, para uma empresa deixar de produzir na China e ir para o Vietnã.

No caso da indústria de calçados, há riscos e oportunidades. No ano passado, o Brasil exportou 10,28 milhões de pares para o mercado americano, uma queda de 3,3% ante 2023, mas, com as tarifas impostas a México, Canadá e China, maior produtora de calçados do mundo, as vendas brasileiras para os EUA poderiam crescer.

— Se não houver nenhum tarifaço sobre os produtos brasileiros, vemos oportunidade de crescimento das exportações para os EUA, que já é o nosso principal destino. Ao mesmo tempo, há o risco do excedente da produção chinesa, que deixaria de ser exportado aos EUA, vir parar no Brasil — disse Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados, que representa a indústria nacional.

— Não temos muito a ganhar quando o mundo entra em conflagração, ainda que, no curto prazo, ganhemos um espaço de comércio aqui ou ali.

Luiz Ribas Jr, gestor de mercado internacional da Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), diz que há boa chance de ampliar as vendas de insumos para o México.

Por Vinicius Neder e João Sorima Neto — Rio e São Paulo

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