sábado, dezembro 28, 2024

Perguntas e respostas: entenda os novos capítulos que acirraram crise de emendas entre Dino e a Câmara



Em mais um capítulo do embate envolvendo o pagamento de emendas, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve postura firme e determinou na sexta-feira que a Câmara respondesse “objetivamente” a questionamentos sobre a indicação de R$ 4,2 bilhões, repasse suspenso por ordem judicial. Em despacho conciso, o magistrado afirmou aos parlamentares que a legislação foi atropelada na tentativa de liberar esse valor.

No início da noite de sexta-feira, a Câmara apresentou uma justificativa sobre os procedimentos adotados para encaminhar a verba. Essa foi a segunda manifestação da Casa em menos de 24 horas. As informações, porém, não são suficientes para cumprir as exigências de Dino, e repetem o argumento de que o governo orientou todo o processo.

Em seu despacho, Dino argumentou que a cúpula da Casa e líderes não poderiam requerer ao governo o envio de emendas de comissão sem a aprovação por grupos temáticos, como foi feito.

O movimento do ministro ocorreu no dia seguinte ao encontro entre o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ambos conversaram sobre a possibilidade de uma saída conjunta para a crise. Logo depois dessa reunião, Lira disse, em pronunciamento, que teve o aval técnico do Planalto e de ministérios para a liberação de dinheiro.

Violação da lei

Em lei aprovada pelo Congresso durante o ano com o objetivo de resolver a crise, há a determinação de que as emendas de comissão só podem ser executadas, entre outros critérios, se houver aval dos colegiados do Congresso. Mas no pedido de liberação da verba encaminhado ao governo no fim do ano, com aval de Lira, consta apenas a assinatura de 17 líderes, sem análise pelos grupos temáticos.

No despacho, Dino disse que, na primeira justificativa apresentada pela Câmara, “lamentavelmente não emergem as informações essenciais” para a liberação da verba. O ministro, então, fez quatro questionamentos.

Dino quis saber quais foram as datas exatas das especificações ou indicações das emendas de comissão, e se foram aprovadas pelos grupos temáticos; pediu detalhes em relação às “novas indicações” desses recursos, questionando quem as formulou e quem as aprovou; e também pediu para que seja esclarecido quais são as leis que permitem a indicação dessas emendas.

Dino também registrou que a Câmara insiste com interpretações “incompatíveis com os princípios constitucionais da transparência e rastreabilidade”.

Na segunda manifestação de sexta-feira, a Câmara reiterou que seguiu pareceres do governo. Também ressaltou que esse tipo de verba não é de pagamento obrigatório, “isto é, elas podem ser executadas ou não, a critério discricionário do Poder Executivo”.

Até a noite de sexta-feira, Dino não havia se manifestado sobre este último posicionamento da Câmara.

"(O Congresso) limitou-se a cumprir as orientações técnicas dos Ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Gestão e Inovação, da Secretaria de Relações Institucionais e da Casa Civil da Presidência da República, bem como da Advocacia-Geral da União, sobre a forma pela qual deveriam ser encaminhadas as indicações de acordo com as decisões destes autos e com a Lei Complementar 210/2024”, diz a manifestação da Câmara, citando justamente a lei que passou a regular o assunto. A Câmara diz ainda que, até 25 de novembro de 2024, essa lei não havia sido promulgada. Por isso, não havia obrigação de endosso pelas comissões.

Dino, porém, já havia refutado esse argumento, ao dizer que o ofício que redistribuiu as emendas e encaminhou R$ 4,2 bilhões é posterior: “Lembro que o ofício dos senhores líderes data de 12/12/2024, enquanto que a citada lei (...)entrou em vigor no dia 25/11/2024”.

Em outro despacho publicado na noite de quinta-feira, Dino rebateu prefeitos que pediam a liberação de emendas parlamentares sob argumento de que o bloqueio pode prejudicar serviços de saúde. Dino apontou que a suspensão é “temporária” e ocorreu após descumprimento de decisão judicial dada em agosto. Ele afirmou ainda que sua decisão atinge apenas parte de verba que iria para saúde, não afetando verbas já alocadas nos fundos municipais.

Na sexta-feira, senadores procuraram Dino para tentar destravar os recursos.

— Falei sobre o bloqueio das emendas da saúde para os municípios, mas ele explicou que desde agosto deveriam ter aberto nova conta para receber as emendas. Fiz isso porque prefeitos estão me ligando dizendo que foram bloqueados — disse o senador Omar Aziz (PSD-AM) ao GLOBO.

Além de Aziz, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) também procurou o ministro do STF para tratar sobre o mesmo tema.

Reunião no Alvorada

Em conversa a sós na quinta-feira, Lula ouviu de Lira que o encaminhamento das emendas não foi uma decisão tomada por ele individualmente, mas uma solução construída em parceria com o Executivo. Ele deixou claro que agiria para mostrar isso em resposta ao Supremo e que o governo também precisava assumir responsabilidades sobre o tema.

Lira indicou ainda especial preocupação com a entrada da Polícia Federal (PF) no caso. Segundo ele, esse era um descontentamento externado por todos os líderes e com potencial de contaminar a relação do Congresso com o governo. Na avaliação de Lira, era um “exagero” partir para esse caminho.

Lula indicou que entendia o ponto de vista de Lira e da Câmara. O presidente tentou tranquilizar Lira de que não haverá politização do caso e disse que o governo não pretendia agir para persegui-lo. O petista afirmou ainda que não havia conversado com Dino sobre a decisão do bloqueio das emendas.

O movimento de Lula de pedir o encontro com Lira veio após relatos feitos por seus auxiliares de que o clima estava muito pesado. O presidente da Câmara não escondia a irritação com a decisão de Dino. Dizia não engolir especialmente a atuação da PF no caso e vinha mandando recados por diversos emissários de que isso poderia inviabilizar o restante do mandato de Lula.

A conversa no Alvorada foi, portanto, uma tentativa de colocar água na fervura. Apesar de estar no fim de seu mandato, Lira seguirá um ator influente, lembram auxiliares de Lula.

Na sexta-feira, Lula recebeu o provável sucessor de Lira na Granja do Torto, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB). O encontro, que não estava previsto em agenda, ocorreu no fim da manhã e foi intermediado pelo líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). O ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, também participou. A decisão de convidar Motta para a reunião reflete a preocupação do Planalto com a governabilidade no próximo ano. Lula quer deixar claro que não há “jogo combinado” com o STF no assunto e que também tem interesse numa saída negociada.

Perguntas e respostas dos Poderes

Quem aprovou?

Quando houve a aprovação das especificações ou indicações das “emendas de comissão”? Todas as 5.449 especificações ou indicações das “emendas de comissão” constantes do ofício foram aprovadas pelas Comissões? Existem especificações ou indicações de “emendas de comissão” que não foram aprovadas pelas Comissões? Se não foram aprovadas pelas Comissões, quem as aprovou?

Foi formulada por quem?

O que consta na tabela de especificações ou indicações de “emendas de comissão” (RP 8) como “nova indicação” foi formulada por quem? Foi aprovada por qual instância? Os Senhores Líderes? O Presidente da Comissão? A Comissão?

Base do rito e legitimidade?


Qual preceito da Resolução do Congresso Nacional que disciplina a Comissão Mista de Orçamento embasa o atual rito das emendas? Como as emendas liberadas se compatibilizam com essa resolução? Existe alguma outra regra do Congresso que legitime a liberação dessas emendas? Se existir, qual, em qual artigo e quando publicado?

Posição da Câmara

Em documento de 16 páginas, a Câmara afirmou que se limitou “a cumprir orientações técnicas” de ministérios e da AGU, “sobre a forma pela qual deveriam ser encaminhadas as indicações de acordo com as decisões destes autos e com a Lei Complementar 210/2024”.

Por Camila Turtelli, Renata Agostini, Mariana Muniz e Gabriel Sabóia — Brasília - O GLOO


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