A chacina que deixou nove mortos, incluindo seis pessoas da mesma família, em Camaragibe, no Grande Recife, foi comandada por oficiais da Polícia Militar, segundo denúncia encaminhada à Justiça pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
De acordo com o órgão, policiais militares armaram uma emboscada para matar os irmãos de Alex Barbosa da Silva, o atirador suspeito de assassinar dois PMs durante tiroteio na mesma noite, e torturaram psicologicamente a esposa de um deles para atrair as vítimas. A execução, que ocorreu na madrugada de 15 de setembro do ano passado, foi transmitida por uma delas numa rede social.
A TV Globo teve acesso à integra do documento, que detalha as ações dos agentes envolvidos no caso. Ao todo, 12 PMs foram denunciados por participação nos crimes e viraram réus nesta semana.
Segundo a denúncia, após a troca de tiros que resultou na morte dos policiais Eduardo Roque Barbosa de Santana e Rodolfo José da Silva no bairro de Tabatinga, os PMs iniciaram uma caçada a Alex e aos parentes dele.
O documento informa ainda que os tenentes-coronéis Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco e Fábio Roberto Rufino da Silva conduziram uma reunião com outros denunciados e policiais não identificados num local próximo à Faculdade de Odontologia de Pernambuco.
Eles foram "orientados e autorizados", conforme a denúncia, a comparecer à reunião "em veículos sem placas, utilizando balaclavas, fortemente armados".
"Na ocasião, foram compartilhadas informações a respeito de parentes de Alex Samurai (como era conhecido o atirador), bem como sobre este, após o que foram repassadas as instruções e o planejamento da ação homicida entre os presentes na reunião. (...) Os denunciados Marcos Túlio e Fábio Rufino participaram ativamente das trocas de mensagens entre os policiais", afirma o MPPE na denúncia.
Ainda segundo o documento, os PMs Paulo Henrique Ferreira Dias, Leilane Barbosa Albuquerque, Emanuel de Souza Rocha Júnior, Dorival Alves Cabral Filho, Fábio Júnior de Oliveira Borba, João Thiago Aureliano Pedrosa Soares e outros policiais armados, ainda não identificados, localizaram e torturaram psicologicamente a esposa de Amerson da Silva, um dos irmãos de Alex, para atrair as vítimas.
A denúncia afirma ainda que os policiais Janecleia Izabel Barbosa da Silva e Eduardo de Araújo Silva deram cobertura, enquanto os PMs Diego Galdino Gomes e Cesar Augusto da Silva Roseno espancaram um motorista de aplicativo, acreditando que ele sabia o paradeiro de Alex.
"Os denunciados (...), infligindo grave sofrimento psíquico àquela, fizeram-na atrair seu esposo, a vítima Amerson, por telefone, até a Rua São Geraldo, próximo a sua residência, para onde os denunciados foram ao encontro deste último, a fim de assassiná-lo", relatou o MPPE.
Também segundo o documento, os policiais avistaram o carro de Amerson chegando ao local e mandaram a vítima e os outros dois ocupantes do veículo, os irmãos Agata Ayanne da Silva e Apuynã Lucas da Silva, descerem do automóvel e os assassinaram sem dar chance de defesa.
Justiça aceitou denúncia
A denúncia foi aceita na quinta-feira (8) pela pela juíza de direito Marília Falcone Gomes Lócio. Dos doze policiais tornados réus, cinco tiveram prisão preventiva decretada:
Paulo Henrique Ferreira Dias;
Dorival Alves Cabral Filho;
Leilane Barbosa Albuquerque;
Fábio Júnior de Oliveira Borba;
Emanuel de Souza Rocha Júnior.
Os outros sete vão responder em liberdade, mas devem cumprir medidas cautelares, sendo afastados das funções na Polícia Militar e proibidos de entrar em contato com as testemunhas do processo. São eles:
Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco;
João Thiago Aureliano Pedrosa Soares;
Fábio Roberto Rufino da Silva;
Diego Galdino Gomes;
Janecleia Izabel Barbosa da Silva;
Eduardo de Araújo Silva;
Cesar Augusto da Silva Roseno.
De acordo com a Primeira Vara Criminal da Comarca de Camaragibe, foram expedidas intimações contra todos os 12 acusados, para que ofereçam defesa por escrito em resposta à denúncia do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
O que dizem as defesas dos acusados
O advogado da Associação Pernambucana dos Cabos e Soldados, Cezar Souza, atua na defesa do tenente-coronel Fábio Roberto Rufino da Silva e enviou uma nota para a TV Globo. No texto, disse que:
"O devido processo legal, se faz dentro dos autos, e, portanto, nos resguardamos ao direito à devida manifestação em momento oportuno, e somente após avaliarmos todas as peças e provas constantes nos autos do processo";
"A publicidade dada pelo Ministério Público Estadual à denúncia, publicada em seu site no dia 7 de março de 2024, deu-se de maneira indevida, uma vez que, os autos e todos os ritos das investigações deram-se em segredo de Justiça";
Expressa "repúdio à quebra de sigilo do processo".
Também em nota, os advogados Nestor Távora e Nelson Barreto, responsáveis pela defesa de Fábio Júnior de Oliveira Borba, declararam que acreditam na inocência do acusado porque "ele não concorreu para os graves crimes investigados, o que será demonstrado no decorrer do processo".
O advogado de Janecleia Izabel Barbosa da Silva afirmou à TV Globo que vai se manifestar apenas quando tiver acesso à denúncia.
O g1 tenta localizar as defesas dos outros nove policiais militares denunciados pelo MPPE, mas não conseguiu entrar em contato com os advogados desses PMs até a última atualização desta reportagem.
PMs são acusados de executar parentes
De acordo com a denúncia, feita pelo MPPE, entre os PMs denunciados, que foram presos em operação realizada em dezembro do ano passado, estão os atiradores encapuzados que mataram os irmãos de Alex: Agata Ayanne da Silva, de 30 anos; e Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25 anos. O ataque foi transmitido ao vivo por uma das vítimas numa rede social.
O grupo também seria responsável pela execução da mãe e da esposa do atirador, identificadas, respectivamente, como Maria José Pereira da Silva e Maria Nathália Campelo do Nascimento, que foram encontradas mortas num canavial em Paudalho, na Zona da Mata de Pernambuco.
Segundo o Ministério Público, no texto da denúncia, os promotores que acompanham o caso registraram que os acusados mataram as vítimas a tiros, "por motivo torpe de vingança, em uma emboscada, o que não deu a elas chance de defesa".
"Diversos policiais se deslocaram até Tabatinga, sob o comando, instrução e monitoramento de oficiais da Polícia Militar, onde iniciaram uma caçada a Alex e a parentes deste, com claro intuito homicida, em vingança pela morte dos colegas", informa o texto do MPPE.
Nove mortes em menos de 12 horas
Os crimes aconteceram entre os dias 14 e 15 de setembro de 2023. De acordo com a Secretaria de Defesa Social (SDS), a Polícia Militar recebeu uma denúncia de que havia pessoas armadas em cima de uma laje, no bairro de Tabatinga, em Camaragibe.
Ao chegar ao local, dois policiais foram baleados na cabeça e morreram. Eles foram identificados como:
Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos: soldado do 20º Batalhão da Polícia Militar;
Rodolfo José da Silva, de 38 anos: cabo do 20º Batalhão da PM.
Alex da Silva Barbosa, de 33 anos, foi apontado pela polícia como o suspeito de matar os dois policiais. Nesse mesmo tiroteio, além dos PMs, uma grávida de 19 anos e um primo dela, de 14 anos, também foram baleados.
Logo depois, no mesmo bairro, foram mortos, em ordem cronológica, três irmãos do atirador e o próprio criminoso, na noite de 14 de setembro e na madrugada e na manhã de 15 de setembro, respectivamente.
Além disso, a mãe e a esposa de Alex foram encontradas mortas num canavial em Paudalho, na Zona da Mata de Pernambuco, também no dia 15.
Ana Letícia, a mulher grávida que foi baleada no tiroteio de 14 de setembro, foi socorrida, deu à luz uma menina, enquanto estava em coma no hospital, e morreu pouco mais de um mês depois da chacina.
Cronologia
14 de setembro (quinta-feira):
Por volta das 21h, os PMs Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos, e o cabo Rodolfo José da Silva, de 38 anos, foram até Tabatinga verificar uma denúncia de que um homem estava em cima de uma laje "dando tiros para cima em uma comemoração";
Esse homem foi identificado como Alex da Silva Barbosa, de 33 anos, mas ele estava treinando tiros numa mata perto do local, segundo a família da grávida Ana Letícia, que é vizinha dele;
Alex não tinha antecedentes criminais e tinha uma arma de mira a laser que era registrada;
Quando a polícia chegou ao local para averiguar a denúncia de tiros, Alex entrou na casa da família de Ana Letícia para fugir da abordagem policial;
Ao ver os policiais se aproximando, houve uma troca de tiros entre Alex e os policiais. Dois PMs foram baleados na cabeça, e ele fugiu;
No tiroteio, também ficou ferida Ana Letícia, jovem de 19 anos que estava grávida de sete meses e perdeu parte da visão do olho esquerdo e massa encefálica;
Antes da troca de tiros, Ana Letícia estava dando banho no filho mais velho, de 3 anos, e o adolescente tinha ido buscar uma fralda para a criança. Segundo um dos advogados da família, Jean William, Alex fez Ana Letícia de escudo humano;
O primo de Ana Letícia, um adolescente de 14 anos, ajudava a colocar Ana Letícia no carro para levá-la ao hospital quando chegaram mais policiais ao local. Ele disse ter sido agredido pelas costas, derrubado e baleado na nuca por esses policiais;
O irmão de Ana Letícia, Carlos Augusto, contou que foi torturado por policiais depois que a irmã foi baleada. A família também disse que o carro que estava levando a jovem a uma unidade de saúde, foi alvo de tiros dados pela polícia na Estrada de Aldeia.
15 de setembro (sexta-feira):
Por volta das 2h, também em Tabatinga, três irmãos de Alex foram baleados por homens encapuzados: Ágata Ayanne da Silva, de 30 anos; Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25 anos;
O crime foi transmitido ao vivo no Instagram: Ágata e Amerson morreram no local; Apuynã foi levado ao Hospital da Restauração, no Recife, mas não resistiu aos ferimentos;
Algumas horas antes, Agata comentou no Instagram que a mãe foi sequestrada e que teve a casa invadida por mais de 10 homens;
Por volta das 9h, os corpos da mãe de Alex, Maria José Pereira da Silva, e de Maria Nathalia Campelo do Nascimento, 27 anos, esposa dele, foram encontrados num canavial em Paudalho, na Zona da Mata Norte de Pernambuco;
Por volta das 11h, durante buscas da Polícia Militar, Alex foi localizado em Tabatinga, trocou tiros com o efetivo e foi morto;
Em 2 de outubro, Ana Letícia, que estava grávida de sete meses quando foi atingida pelos disparos, deu à luz a uma menina ainda em coma;
Em 21 de outubro, Ana Letícia, morreu após sofrer um quadro de choque séptico.
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