Freire Gomes, ex-comandante do Exército; Jair Bolsonaro; e Paulo Sérgio, ex-ministro da Defesa — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
Os depoimentos dos envolvidos nas conversas sobre um possível golpe de Estado para manter o presidente Jair Bolsonaro no poder jogaram luz sobre meses de discussões, idas e vindas e pressões durante os últimos seis meses de 2022. De 5 de julho, quando uma reunião ministerial colocou quase todos os envolvidos na mesma sala, quando Bolsonaro ordenou seus auxiliares a agirem contra o Tribunal Superior Eleitoral, até o dia 30 de dezembro, quando um avião da Força Aérea Brasileira decolou do Aeroporto de Brasília rumo aos Estados Unidos levando o presidente, as descobertas da investigação mostram que o país ficou perto de uma ruptura institucional.
O GLOBO fez um resumo do que os envolvidos falaram nos seus depoimentos sobre as reuniões secretas, as minutas golpistas e as tentativas de descredibilizar as urnas eletrônicas e as eleições. Parte dos envolvidos, como o general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e o almirante Carlos de Almeida Baptista Junior, ex-comandante da Aeronáutica, deram relatos detalhados sobre sua participação nos eventos. Outros, apontados como incentivadores do golpe, como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, e o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, ficaram em silêncio.
5 de julho de 2022 — Reunião com ministros
Neste dia, o presidente Jair Bolsonaro convocou uma reunião com todos os seus ministros. No encontro, o presidente cobrou seus auxiliares a atacarem o tribunal Superior Eleitoral e questionar a credibilidade das urnas. De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, o encontro marca o início de um “arranjo de dinâmica golpista” no primeiro escalão do governo federal.
Bolsonaro e Augusto Heleno ficaram em silêncio nos seus depoimentos à PF. Anderson Torres, ministro da Justiça, afirmou que suas afirmações se tratavam de um chamamento para que todos os Ministros atuassem dentro de suas pastas para contribuir com as eleições e uma almejada vitória. O ministro destacou que não questionou os resultados das eleições.
O ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, afirmou que não foi informado sobre o tema a ser tratado na referida reunião e que entendeu que a ordem do presidente Jair Bolsonaro era para os integrantes do nível político do governo. Também destacou que não tem conhecimento de qualquer fraude nas eleições de 2022.
10 de agosto de 2022 — Visita de Walter Delgatti a Bolsonaro
Em depoimento à CPMI do 8 de Janeiro, o hacker Walter Delgatti Neto afirmou que tomou um café da manhã com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada junto com a deputada federal Carla Zambelli. O ex-presidente Jair Bolsonaro se manteve em silêncio. Questionados, nenhum dos outros depoentes disse ter contato com Delgatti.
30 de novembro de 2022 — Lula vence Bolsonaro
No segundo turno das eleições de 2022, Lula venceu o então presidente Jair Bolsonaro com 50,9% dos votos.
1º de novembro de 2022 — Visitas a Bolsonaro, que admite a derrota
Em seu depoimento, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto afirmou que foi ao Palácio da Alvorada para ver como Bolsonaro estava. Anderson Torres afirmou que sentiu do presidente um sentimento de decepção e que, durante o mês, o presidente desenvolveu um quadro de depressão, culminando na redução da sua imunidade e desenvolvimento de uma erisipela.
O comandante da Aeronáutico, Baptista Júnior, afirmou que, em uma das reuniões, estavam presentes o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, o Advogado-Geral da União, Bruno Bianco e os três comandantes das Forças. Bolsonaro teria perguntado ao então AGU se haveria algum ato que pudesse ser feito contra o resultado da eleição, mas Bianco expôs que as eleições transcorreram de forma legal, dentro dos aspectos jurídicos.
Em uma das reuniões, Ciro Nogueira afirmou que o presidente deveria fazer um apelo contra os bloqueios nas rodovias, indicando que ele poderia ser prejudicado caso começassem a faltar insumos para as cidades e hospitais. O apelo levou o ex-presidente a liberá-lo a iniciar o processo de transição de governo, segundo Ciro.
4 de novembro — Live sobre as urnas
Neste dia, o argentino Fernando Cerimedo fez uma live nas redes sociais expondo supostas evidências de fraudes nas urnas. Neste dia, o assessor da Presidência, Tércio Arnaud Tomaz fez o download da íntegra da transmissão e encaminhou para o ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.
6 de novembro — Cid compartilha documento com ministro da Defesa
A Polícia Federal identificou entre os arquivos de Mauro Cid uma minuta a ser assinada por um representante de partido político indicando que “novos dados sobrevieram pondo em discussão a higidez do elo entre a manifestação do eleitor e o voto apurado na urna” e que “o estudo já se espraiou pelo Brasil e no exterior, a propósito de inconsistências nos resultados das eleições. Paulo Sérgio Nogueira ficou em silêncio no seu depoimento.
7 de novembro — Visitas a Bolsonaro
Valdemar afirma que visitou o presidente com o propósito de animar o presidente, que “estava muito abatido. Anderson Torres afirma que foi despachar com o presidente.
8 de novembro — Cid envia áudio para Freire Gomes
O ajudante de ordens do presidente, o tenente-coronel Mauro Cid envia um áudio para o então comandante do Exército, Freire Gomes, relatando que Bolsonaro estava recebendo visitas pessoais “no sentido de propor uma ruptura institucional” e “pressioná-lo a tomar medidas mais fortes para reverter o resultado das eleições”. Em seu depoimento, Freire Gomes afirmou que indicou que tal proposta não teria qualquer respaldo do Exército.
9 de novembro — Apresentação do Relatório de Fiscalização das Urnas
Integrantes das Forças Armadas divulgam relatório sobre o trabalho da comissão criada para fiscalizar a confiança nas urnas eletrônicas. O documento afirma que não foi possível constatar fraude.
10 de novembro — Ministério da Defesa diz que relatório não exclui possibilidade de fraude
Comunicado do Ministério afirmou que, “com a finalidade de evitar distorções do conteúdo do relatório enviado”, diz que, embora o relatório não tenha apontado fraude, ele também não excluiu sua possibilidade. Comandante da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro ao ar Baptista Júnior afirmou que não foi consultado sobre o documento.
11 de novembro — Comandantes das Forças publicam Nota à Imprensa e ao Povo Brasileiro
Uma nota assinada pelos três comandantes da Força reafirma o “compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil”. Em seu depoimento, o general Freire Gomes afirma que o objetivo do documento seria acalmar a população.
12 de novembro — Reuniões sobre eleições
Segundo a PF, a partir desse momento “iniciaram-se tratativas para realização de reuniões, que efetivamente ocorreram, com a presença de integrantes civis do governo e integrantes das Forças Armadas, para a finalidade de planejar e executar ações voltadas a direcionar e financiar as manifestações que pregavam um golpe Militar”.
Éder Balbino, representante de empresa que prestava serviços para o Instituto Voto Legal, contratado pelo PL para fazer um relatório sobre as urnas eletrônicas, disse que se recorda da participação do senador em uma reunião.
14 de novembro — Reunião com comandantes das Forças
A partir do dia 14, com a apresentação do estudo do Instituto Voto Legal, Bolsonaro convocou novamente os três comandantes das Forças. Segundo o almirante, Bolsonaro aparentou ter esperança em reverter o resultado das eleições. O almirante disse em depoimento que advertiu o presidente de que o relatório não tinha embasamento técnico. Nessas reuniões, ainda segundo Baptista Junior, o então presidente apresentava a hipótese de utilização da Garantia da Lei e da Ordem ou da decretação do Estado de Defesa para solucionar uma “possível crise institucional”.
16 de novembro — Áudio de Cid
Em novo áudio enviado ao general Freire Gomes, Mauro Cid afirma que empresários do agro” estariam financiando as manifestações em Brasília.
18 de novembro — Visitas à sede da campanha
Manifestantes acampados no em frente ao Quartel-General do Exército são vistos visitando a sede da campanha, no Lago Sul. Nos depoimentos, nenhum dos depoentes afirmaram que conheciam os manifestantes. Walter Braga Netto, que despachava na sede da campanha, ficou em silêncio no seu depoimento.
21 de novembro — Valdemar visita Bolsonaro
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto diz que foi ao Palácio da Alvorada falar com o presidente sobre a viabilidade de uma verificação extraordinária nas urnas com base no relatório apresentado pelo Instituto Voto Legal. Em seu depoimento, Valdemar disse que não concordava com a tese de fraudes nas urnas e que a ação apresentada ao TSE foi feita por pressão de Bolsonaro e de deputados do PL.
22 de novembro — PL entra com ação no TSE
Valdemar afirmou em seu depoimento que quando houve o vazamento do relatório do IVL, os deputados do PL e o então presidente Bolsonaro o pressionaram para ajuizar uma ação.
Em seu depoimento, Éder Balbino, contratado pelo IVL afirmou que sua empresa apenas encaminhou dados em tabelas e gráficos para o instituto, mas que a interpretação dos dados cabia ao Instituto. Segundo ele, à época, enviou e-mail para os responsáveis pelo IVL indicando que discordava de parte do relatório.
28 de novembro — Oficiais se reúnem na Asa Norte
Mauro Cid organiza uma reunião entre oficiais das Forças Especiais em um prédio na Asa Norte, em Brasília. No dia, Cid questiona se “o do Estevão vai estar”, referência a Cleverson Ney Magalhães, subordinado ao generam Estevam Theophilo, que comandava o COTER. Segundo a PF, a decisão da unidade seria “fundamental, pois seria a unidade militar que tem, sob sua administração, o maior contingente de tropas do Exército”.
Em seu depoimento, Cleverson afirma que a reunião foi informal, sem qualquer relação com a política.
No mesmo dia, Correa Neto envia a Mauro Cid um documento intitulado “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro”.
29 de Novembro — Carta ao Comandante do Exército é distribuída
Um documento assinado por “oficiais superiores da ativa” começa a circular entre os integrantes do Exército. No documento, os militares cobram uma ação do comandante do Exército, Freire Gomes. Em seu depoimento, Freire Gomes afirmou que determinou que fosse feita uma apuração em todos os comandos para que se identificassem os suspeitos. O general Estevam Theophilo afirmou que não participou da elaboração da referida carta e que a considera um “ato de indisciplina repovável”. Todos os oficiais presentes na reunião na Asa Norte no dia anterior negaram que tenham elaborado o documento.
7 de Dezembro — Reunião com Comandantes das Forças
Bolsonaro convoca o general Freire Gomes para um novo encontro. A reunião teria ocorrido na Biblioteca do Palácio, com a presença do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, do comandante da Marinha, Almirante Almir Garnier, e do assessor do presidente Filipe Martins. Nesse dia, foi apresentado um documento em que o presidente decretaria o Estado de Defesa e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral. Em seu depoimento, Freire Gomes se posicionou contra a medida.
9 de Dezembro — General Estevam Theophilo vai ao Alvorada, e Bolsonaro quebra o silêncio
No dia 9 de dezembro, o General Estevam Theophilo foi ao Palácio da Alvorada para uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro. Em seu depoimento, Theophilo afirma que foi ao encontro por determinação do General Freire Gomes e que a reunião foi para “ouvir lamentações do então Presidente sobre o resultado das eleições”.
Freire Gomes, por sua vez, afirmou que não partiu do depoente a ordem para que o General Theophilo fosse até o Palácio da Alvorada.
No dia da reunião, uma mensagem encontrada no celular de Mauro Cid mostra a preocupação de oficiais sobre a conversa. Em uma das mensagens, Cid diz que “ele quer fazer, desde que o PR assine”. Questionado sobre o general Freire Gomes, Cid responde que “Difícil ainda”.
No mesmo dia, acompanhado de Braga Netto, Bolsonaro vai até a entrada do Palácio da Alvorada e faz discurso inflamado aos apoiadores. Na ocasião, diz que quem decide seu futuro seriam sues apoiadores. “Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês!”.
14 de dezembro — Reunião no Ministério da Defesa
O ministro Paulo Sérgio Nogueira convoca os comandantes das Forças para uma reunião, desta vez na sede do Ministério da Defesa. Segundo o depoimento de Freire Gomes, na referida reunião, o ministro da Defesa teria apresentado uma minuta aos Comandantes, também com objetivo golpista. Na ocasião, de acordo com o depoimento de ambos, Freire Gomes e Baptista Júnior, da Aeronáutica, se posicionaram contra as medidas.
14 de dezembro — Braga Netto pede perseguição contra Freire Gomes
Em conversa com o Ailton Barros, Braga Netto afirma que a “a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do General Freire Gomes” e, logo em seguida, comanda: “Oferece a cabeça dele. Cagão.”
15 de dezembro — Braga Netto pede perseguição contra Baptista Júnior
Novamente em conversa com Ailton Barros, Walter Braga Netto indica uma ordem contra o almirante Baptista Júnior: “Senta o pau no Batista Júnior. Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feita (sic) e ele fechado nas mordomias. Negociando favores. Traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família. Elogia o Garnier e fode o BJ”.
17 de dezembro — Braga Netto critica General Tomás Ribeiro Paiva
Uma nova mensagem encaminhada por Braga Netto para Ailton. No relato, conta que Tomás Paiva, hoje comandante do Exército, foi na casa do ex-comandante do Exército Villas Boas, quando teria falado mal de todo o Alto-Comando do Exército. Braga Netto afirma que Tomás “parece até que ele é PT desde pequenininho”.
18 de dezembro — Monitoramento de Alexandre de Moraes
Em meio à proximidade da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, auxiliares do presidente Jair Bolsonaro, incluindo o tenente-coronel Mauro Cid, trocam mensagens sobre o itinerário e deslocamentos do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
30 de dezembro — Bolsonaro viaja para os Estados Unidos
Com o fracasso do plano golpista, o presidente Jair Bolsonaro viaja em um avião da Força Aérea Brasileira para os Estados Unidos, onde permaneceria pelos próximos três meses.
Por Dimitrius Dantas e Mariana Muniz — O Globo/Brasília
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