quinta-feira, dezembro 28, 2023

Pela primeira vez desde 2017, preço dos alimentos fecha o ano em queda

Carnes, ovos, frango, feijão, farinha e leite são alguns dos alimentos que ficaram mais baratos este ano — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo

Safra recorde, queda nos preços das commodities agrícolas e uma desinflação global vão fazer os preços dos alimentos caírem este ano, numa situação que não se via desde 2017. O grupo alimentação no domicílio está com os preços em média 2,4% menores no acumulado até novembro, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que acompanha o custo dos produtos para famílias que ganham de um a cinco salários mínimos, do IBGE.

As estimativas dos economistas é de deflação de pouco mais de 1%, com as carnes ficando 9,4% mais baratas e as aves e ovos, 6,8%.

No ano, o INPC ficou em 3,1% até novembro, menor valor desde 2017. Enquanto o IPCA (índice amplo) engloba as famílias com renda entre um e 40 salários mínimos, o INPC acompanha bens e serviços que as famílias que ganham menos consomem.


Por isso, o INPC funciona como um termômetro do impacto da variação dos preços dos alimentos entre a população de menor renda, para a qual a alimentação tem maior peso no orçamento. O índice representa metade da população do país, em média.
Movimento dos preços — Foto: Criação O Globo

O economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC Rio, explica que o país bateu recorde na safra de grãos este ano, o que ampliou a oferta de produtos como soja, milho e feijão. Esses itens têm impacto em outros produtos da cadeia, como óleo de soja, carnes e frango.

Além disso, os preços dessas commodities agrícolas que tinham subido por mais de dois anos com taxas de dois dígitos, por causa da pandemia e da guerra na Ucrânia, têm desacelerado fortemente e já chegam ao consumidor final, abrindo espaço no orçamento.

— Acho que, de fato, a população de renda mais baixa teve um ano bem melhor do que os anteriores. O Bolsa Família voltou, e o salário mínimo teve um aumento real (acima da inflação) no começo do ano. E agora, no fim do ano, teve o Desenrola, ajudando a reduzir dívidas. Tudo isso ajuda — afirma Cunha, ao elencar fatores que também contribuíram para aumentar o orçamento das famílias.

Coordenador dos índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), André Braz avalia que o menor custo dos alimentos foi a principal âncora da inflação este ano, permitindo um índice de 4,4% no ano, dentro da meta estabelecida pelo governo de até 4,75%.

Ele diz que óleo de soja, feijão-carioca, leite longa vida e frango devem terminar o ano com preço menor do que no ano passado, o que melhora a qualidade da alimentação:

— As famílias não comem mais, elas comem melhor. Além de poder comprar outras coisas que fazem falta no dia a dia — explica Braz.

Riscos em 2024

Apesar da melhora nos preços em 2023, o economista da FGV pondera que a queda não elimina todos os aumentos que os alimentos tiveram nos últimos anos. Eles continuam mais caros do que antes da pandemia. A alimentação no domicílio segundo o IPCA acumula alta de 45%, de janeiro de 2020 a novembro de 2023.

Fábio Romão, economista sênior da LCA Consultores, diz que além da supersafra de grãos, produtos in natura, como batata, cebola e frutas, subiram bem menos do que em 2022:

—Na parte de proteína, estimamos queda de 9,4% nas carnes. O preço de aves e ovos deve cair 6,8%. Muitos itens na alimentação perderam força, e alguns entraram em deflação.

Mas o cenário positivo não deve se repetir no ano que vem, apontam especialistas. O aumento das temperaturas com o fenômeno El Niño deve afetar as lavouras brasileiras e tende a encarecer frutas, legumes e verduras, além de carnes, frangos e ovos.

— O que foi fonte de alívio neste ano eu diria que não será no ano que vem — resume Cunha.

O economista explica que a previsão de uma safra menor e os efeitos climáticos do El Niño devem impactar produtos mais sensíveis ao calor, como frutas, hortaliças e legumes:

— (A inflação de alimentos) ainda não vai ser um vilão, mas seguramente não será como a gente está vendo neste ano — diz Cunha.

Braz afirma que o El Niño deve atrapalhar a safra do ano que vem, mas seus efeitos podem ser atenuados caso o volume de chuvas seja maior e mais regular. Mas a tendência é que as altas temperaturas perdurem até meados de abril de 2024, afetando o ciclo de plantio das culturas de soja e milho.

Como resultado, há o repasse para os preços de óleo de soja, carnes, frangos e ovos, já que essas commodities são a base da alimentação na pecuária e na avicultura.

Compensação para a alta

Este ano, o El Niño já afetou preços de alguns alimentos in natura no fim do ano, levando o IPCA de alimentos ao patamar positivo nos últimos dois meses, após uma sequência de quatro deflações entre junho e setembro. Agora, poderá afetar também os preços de proteínas.

“Na parte de proteína, estimamos queda de 9,4% nas carnes. O preço de aves e ovos deve cair 6,8%. Muitos itens na alimentação perderam força, e alguns entraram em deflação”, diz Fábio Romão, economista sênior da LCA Consultores.

— Ano que vem não vai ser tão favorável, os alimentos vão voltar a subir. Espero uma queda de 1% para alimentos e bebidas em 2023. Para 2024, pode-se registrar uma alta de 4%, já embutido o risco do El Niño. Vai depender do rigor do fenômeno climático e do quanto ele vai prejudicar essa safra que ainda não foi plantada. Por isso, essa estimativa pode até subir — alerta Braz.

Outros preços que também pesam no orçamento das famílias que ganham menos podem compensar, contudo, o encarecimento dos alimentos. Segundo Romão, não é esperado aumento na tarifa de ônibus. Em ano eleitoral, os prefeitos evitam dar reajuste.

Os remédios também devem subir menos, já que acompanham a inflação do ano anterior. Como, em 2023, os índices serão menores do que os de 2022, espera-se uma alta inferior à deste ano. Além disso, as carnes e aves não devem subir muito, diz Romão:

— Estamos prevendo alta de 6,3% para as carnes em 2024, abaixo da queda deste ano. Para as aves, prevemos reajuste de 2,8%. Não vão devolver a queda deste ano.

Por Carolina Nalin e Cássia Almeida — Rio




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