Senado durante sessão para votar a Reforma Tributária — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
Na intensa tarde de ontem, o líder do governo Randolfe Rodrigues acreditava que o placar seria entre 52 a 54 votos, e foi exatamente isso: 53 votos consagraram em primeiro e segundo turno a Reforma Tributária no Senado. Foi uma longa tramitação e, nesse tempo, a proposta perdeu qualidade, mas é sem dúvida uma enorme vitória do governo Lula. A última mudança ampla no sistema tributário brasileiro ocorreu na ditadura, essa agora se dá na democracia, com debate livre e a pressão de todas as forças da sociedade. Isso faz toda a diferença. É fácil mudar manu militari algo assim complexo e sensível, mas na democracia é tarefa que, até o atual momento, ninguém havia conseguido.
O Brasil está sem dúvida avançando, mas num terreno cheio de obstáculos. A reforma que está saindo do Congresso é pior do que o projeto inicialmente apresentado, apesar de ser muito melhor do que o atual sistema que aflige há tantos anos. O país tomou o caminho errado há muitas décadas, quando decidiu tributar mais fortemente o consumo e menos a renda e o patrimônio, explicava ontem o deputado Reginaldo Lopes a quem duvidava das qualidades do projeto.
Há dois olhares possíveis para a reforma. Para os seus defeitos que podem criar problemas no futuro, e para o passado onde se empilham regras, normas, um cipoal regulatório que enlouquece o contribuinte. São 460 mil normas, são cinco impostos sobre o consumo, são 27 legislações diferentes, uma em cada estado. No balanço, vence o horror que provoca o sistema que deixaremos para trás, ainda que de forma lenta e gradual. O velho ficou obsoleto, pesado, intrincado e injusto, o novo incorporou alguns defeitos do antigo nesses benefícios a setores, na proteção excessiva à Zona Franca de Manaus, na prorrogação de incentivos fiscais.
Foram feitas muitas inclusões no sistema diferenciado e isso foi distribuindo privilégios a setores e grupos profissionais. O argumento de quem defende a reforma é a de que foi incluído também um mecanismo de revisão de cinco em cinco anos dessas exceções para ver se estão atingindo seus objetivos, o que significa que elas podem ser suspensas. Isso é bom, mas no Brasil todo benefício dado se eterniza.
Um ponto qualificado como positivo pela maioria dos analistas é que o senador Eduardo Braga transformou o Conselho Federativo em Comitê Gestor, para efeito da distribuição dos recursos arrecadados pelo Imposto sobre Bens e Serviços aos estados e municípios. A medida tornaria tudo mais técnico e simples. Mas foi exatamente esse ponto que fez com que o governador Renato Casagrande, que é da base de apoio do governo, ficasse contra o projeto junto com governadores da oposição do Sudeste e Sul.
— Houve uma diminuição da competência legislativa do conselho ao transformá-lo em comitê. Isso tira as atribuições dos estados e transfere para o Congresso que vai legislar sobre regimes especiais, por exemplo. Estados e municípios perdem autonomia para fazer a gestão do tributo. O conselho não poderia fazer alteração de alíquota, mas tinha o poder de fazer mudanças de regras.
Outro ponto muito elogiado foi a trava para o aumento dos impostos que, na opinião da maioria das pessoas por mim ouvidas, significa que será contida a sanha arrecadatória do governo e reduzidos os temores de aumento da carga tributária. Mas há divergências. Não é o que pensa, por exemplo, o ex-secretário da Receita Federal, Jorge Rachid.
— Quem tem que ter trava é o gasto do governo, para se controlar o tamanho do Estado. Imagina numa crise, o que será feito?
Outra crítica feita por especialistas é que tudo está sendo constitucionalizado em seus detalhes, o que gera distorções permanentes.
O governo acredita que haverá uma queda forte da informalidade, porque quem comprar sem nota, contornando o regime tributário do país, não poderá usar o crédito do imposto pago e por isso terá prejuízo. O fim da cumulatividade induziria à formalização da economia.
— Não é o mundo perfeito, mas abre a porta para a construção do sistema perfeito e foi muita grandeza de todo mundo ter feito a convergência para esse novo sistema, porque de certa forma, no antigo, muita gente tinha algum benefício — disse o deputado Reginaldo Lopes.
Elogios e críticas cercam o projeto aprovado, mas a travessia iniciada ontem é histórica. É o governo Lula mudando o sistema implantado no regime militar.
Míriam Leitão - Colunista de O Globo
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