sexta-feira, agosto 11, 2023

Venda ilegal de joias da Presidência: veja quem são os envolvidos, os itens desviados e as trocas de mensagens

Rosto do pai de Mauro Cid aparece refletido em caixa — Foto: Roberto Oliveira/Alesp; Reprodução/GloboNews

Equipes da Polícia Federal fizeram buscas, nesta sexta-feira (11), em uma operação sobre a suposta tentativa, capitaneada por militares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, de vender ilegalmente presentes dados ao governo por delegações estrangeiras.

Objetos de alto valor, como esses que vinham sendo negociados, devem ser obrigatoriamente entregues ao acervo da Presidência da República – ou seja, são bens públicos, e não pessoais. A PF vê uma organização criminosa em torno de Bolsonaro e afirma que o ex-presidente levou para os Estados Unidos joias recebidas em razão do cargo que ele ocupava.

Desviadas para o acervo privado do ex-presidente, essas peças foram comercializadas no exterior com pagamento em dinheiro, sem uso do sistema bancário formal.

A operação desta sexta foi batizada de "Lucas 12:2", em alusão ao versículo da Bíblia que diz: "Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido".

Os mandados foram cumpridos em Brasília, São Paulo e Niterói (RJ), por autorização do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que disse identificar "fortes indícios de desvio de bens de alto valor patrimonial" na conduta de militares.
Abaixo, nesta reportagem, você vai ler sobre:

* Quem são os alvos da operação

* Quais nomes são citados no documento

* Quais joias e objetos fazem parte da investigação

* Trocas de conversas sobre negociações

Quem são os alvos da operação

 Mauro Cesar Barbosa Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro

A Polícia Federal disse ao STF ver indícios de que um relógio de aproximadamente US$ 51 mil vendido por Mauro Cid nos EUA foi dado de presente a Bolsonaro em viagem oficial, mas não foi registrado oficialmente no acervo do governo federal.

Segundo os investigadores, "há fortes indícios de que o relógio Patek Phillippe (...) teria sido presenteado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, em novembro de 2021, por autoridades do Reino do Bahrein e posteriormente vendido."

A PF destacou que fotos do relógio foram enviadas por Mauro Cid para um contato cadastrado em sua agenda como "Pr Bolsonaro Ago/21" em 16/11/21, ainda durante a viagem ao Bahrein.

Além disso, um único áudio obtido pela PF mostra o ex-ajudante de ordens Mauro Barbosa Cid tratando de três temas que comprometem os investigados:

* Citação a US$ 25 mil supostamente endereçados ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

* Tratativas para a venda de estátuas de palmeira e um barco folheados a ouro, recebidos pela comitiva brasileira durante visita oficial ao Bahrein em 2019.

* Negociações para levar a leilão um dos kits recebidos na Arábia Saudita com relógio e joias masculinas.

Segundo o inquérito, a mensagem foi enviada por Mauro Cid ao assessor especial de Jair Bolsonaro Marcelo Câmara.

No documento da PF também consta e-mails encaminhados à CPI dos Atos Golpistas que estavam na caixa de entrada de Cleiton Holzschuk, um dos subordinados diretos de Cid. A mensagem foi enviada para uma secretária da Ajudância de Ordens, e reencaminhada diretamente para Holzschuk.

Mauro Cesar Lorena Cid, general do Exército e pai de Mauro Cid

Mauro César Lorena Cid é general do Exército e foi colega de Jair Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), nos anos 1970.

Durante o governo Bolsonaro, o militar ocupou cargo federal em Miami ligado à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

De acordo com a investigação, o general era o responsável por negociar as joias e os demais bens nos EUA – inclusive, recebia os valores em sua conta bancária.

A PF descobriu que, já em junho de 2022, Mauro Lourena Cid vinha negociando presentes oficiais recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro. Naquele momento, segundo a investigação, o pai do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Barbosa Cid recebeu um depósito de US$ 68 mil da Precision Watches pela venda de um Rolex e um Patek Philippe – ambas, marcas de relógios de luxo.

O rosto do general foi identificado pela Polícia Federal no reflexo de uma foto usada para negociar, nos Estados Unidos, esculturas recebidas pelo governo como presente oficial.
Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro

O relatório da PF mostra que o advogado de Jair Bolsonaro Frederick Wassef e o ex-ajudante de ordens Mauro Barbosa Cid empreenderam uma "operação de resgate" para devolver joias, já vendidas, ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Em 15 de março, o TCU definiu prazo de cinco dias úteis para que Bolsonaro entregasse ao tribunal um kit com joias suíças da marca Chopard, em ouro branco, recebidas como presente do governo da Arábia Saudita em viagem oficial de 2019.

A entrega ao TCU era necessária porque itens de alto valor recebidos como presente oficial devem integrar o acervo da Presidência da República, ou seja, não são de titularidade do presidente que recebe.

Esses itens, segundo a investigação, já tinham sido vendidos em duas lojas diferentes nos Estados Unidos. Wassef foi o homem escalado para recomprar o Rolex vendido pelos auxiliares de Bolsonaro. Wassef teve de pagar um valor maior do que aquele obtido na venda.

Segundo a PF, a "operação de resgate" foi dividida em duas etapas:

* o relógio Rolex Day-Date, vendido para a empresa Precision Watches, foi recuperado por Frederick 

*Wassef em 14 de março, véspera da decisão do TCU, e "repatriado" em 29 de março;

* e o restante das joias foi recuperado por Mauro Barbosa Cid em 27 de março, em uma loja em Miami.

Ainda segundo a PF, as duas partes do kit foram entregues a Osmar Crivelatti.

Osmar Crivelatti, tenente do Exército e ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro

Osmar Crivelatti é uma figura muito ligada ao ex-comandante do Exército, Villas-Bôas Corrêa, considerado o autor intelectual da volta dos militares ao cenário político do Brasil, depois da ressaca de 30 anos da ditadura.

Alvo da operação desta sexta, Crivelatti foi uma das pessoas que visitaram Mauro Cid na prisão e que continuou recebendo do GSI informações sobre viagens do presidente Lula. A partir da prisão de Mauro Cid, tornou-se o mais próximo assessor do ex-presidente Bolsonaro.

O tenente começou a trabalhar na presidência da República em 2019. A indicação do nome foi atribuída a Villas-Bôas, a quem Bolsonaro já agradeceu por fazer parte de sua caminhada ao Palácio do Planalto.

É Crivelatti quem cuida das armas pessoais de Bolsonaro, por exemplo. Quando Bolsonaro perdeu a eleição, Crivelatti foi aos Estados Unidos preparar a chegada do chefe. Em 1º de janeiro de 2023 foi nomeado integrante da equipe de apoio a Bolsonaro, mesmo sendo um militar da ativa.

Quem são os citados no documento da PF

Fábio Wajngarten – um dos advogados de Bolsonaro, ele conversou com Mauro Cid sobre a "contaminação" da operação no dia 15 de março de 2023. A mensagem foi enviada depois que o Tribunal de Contas da União (TCU) começou a analisar o caso. Em dado momento, chegou a afirmar que essa operação "foi contaminada por Fred", que seria Frederick Wassef. Procurado, Wajgarten disse ter olhado seu telefone e não ter encontrado conversas sobre o assunto.

Jair Bolsonaro – mensagens de celular obtidas pela PF mostram assessores do então presidente Bolsonaro conversando sobre a venda ilegal de presentes oficiais dados por delegações estrangeiras.

Michelle Bolsonaro – em algumas dessas mensagens obtidas pela PF, assessores dão a entender que o Bolsonaro chegou a conversar sobre o valor de mercado das peças – e que um dos itens já tinha "sumido com a Dona Michelle", em referência à então primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Marcelo Câmara – ex-assessor especial de Bolsonaro, ele aparece em várias das mensagens. Áudios obtidos pela PF mostram Câmara e Mauro Cid debatendo a legalidade da venda dos itens. Em mensagem de voz enviada em 1º de março de 2023, Câmara explicou a Mauro Cid o motivo de "o ex-presidente Jair Bolsonaro não ter pego as esculturas quando se encontrou com o general Lourena Cid em Miami".

Quais são os objetos investigados

Estátuas de palmeira e um barco folheados a ouro, recebidas por Bolsonaro no exercício da Presidência da República em visita ao Bahrein, em 2019.

Joias presenteadas pelo governo da Arábia Saudita – "Os dados analisados demonstram que o conjunto de itens masculinos da marca Chopard contendo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe ("masbaha") e um relógio recebido pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após viagem a Arábia Saudita, em outubro de 2021, após ser desviado, de forma ilegal, do acervo privado do ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO", diz a PF no relatório. O Tribunal de Contas da União (TCU) ordenou que o kit fosse devolvido ao governo meses depois.

Relógio de US$ 51 mil vendido ilegalmente por Mauro Cid –Segundo os investigadores, "há fortes indícios de que o relógio Patek Phillippe (...) teria sido presenteado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, em novembro de 2021, por autoridades do Reino do Bahrein e posteriormente vendido". Essa peça não chegou a ser registrada oficialmente no acervo do governo federal.

Conversas e negociação de objetos

Os áudios de Mauro Cid:

Um dos áudios obtidos pela PF na investigação da venda ilegal de presentes oficiais recebidos pelo governo Jair Bolsonaro mostra o ex-ajudante de ordens Mauro Barbosa Cid tratando de três temas que comprometem os investigados:

citação a US$ 25 mil supostamente endereçados ao ex-presidente Jair Bolsonaro;

tratativas para a venda de estátuas de palmeira e um barco folheados a ouro, recebidos pela comitiva brasileira durante visita oficial ao Bahrein em 2019;

negociações para levar a leilão um dos kits recebidos na Arábia Saudita com relógio e joias masculinas.

Na mensagem, Mauro Cid afirma que o pai, o general Mauro Lourena Cid, estaria com US$ 25 mil – "possivelmente pertencentes a Jair Bolsonaro", segundo a PF.

"Tem US$ 25 mil com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro levar em 'cash' aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aÍ falar com o presidente (...) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (...). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor né? (...)."

Marcelo Câmara responde, em mensagem de texto, sobre esse assunto. Diz: "Melhor trazer em cachê". Em seguida, manda uma outra mensagem: "Ok ciente".

Em seguida, Cid relata a Câmara que não conseguiu vender, nos Estados Unidos, as esculturas douradas em formato de palmeira e de barco, recebidas por Bolsonaro em visita ao Bahrein. O ex-ajudante de ordens diz que a operação não foi concluída porque as peças não são de ouro maciço – e que ainda tentava negociar com outro homem, não identificado.

"(...) aquelas duas peças que eu trouxe do Brasil: aquele navio e aquela árvore; elas não são de ouro. Elas têm partes de ouro, mas não são todas de ouro (...) Então eu não estou conseguindo vender. Tem um cara aqui que pediu para dar uma olhada mais detalhada para ver o quanto pode ofertar (...) eu preciso deixar a peça lá (...) pra ele poder dar o orçamento. Então eu vou fazer isso, vou deixar a peça com ele hoje (...)."

Ainda no áudio, Cid compartilha com Câmara informações sobre um "kit", contendo um relógio, que iria a leilão no dia 7 de fevereiro de 2023.

O ex-ajudante de ordens da Presidência da República não detalha o kit – mas a PF identificou que esse era o kit de joias masculinas recebido por Jair Bolsonaro na Arábia Saudita, e que o TCU ordenou que fosse devolvido ao governo meses depois.

"(...) o relógio aquele outro kit lá vai, vai, vai pro dia sete de fevereiro, vai pra leilão. Aí vamos ver quanto que vão dar(...)", diz Mauro Cid.

Os áudios de Marcelo Câmara:

Em áudio enviado em 1º de março de 2023, Câmara explica a Cid o motivo de "o ex-presidente Jair Bolsonaro não ter pego as esculturas quando se encontrou com o general Lourena Cid em Miami":

"Não. Ele [Bolsonaro] não pegou porque não valia nada. Então tem (...) tem aqueles dois maiores: não valem nada. É, é... não é nem banhado, é latão. Então meu pai vai, vai levar pro Brasil na mudança (...)".

Os áudios também mostram Câmara e Cid debatendo a legalidade da venda dos itens. O ex-ajudante de ordens pediu que Câmara ligasse para uma pessoa chamada Marcelo para tratar do tema. Segundo a PF, trata-se de Marcelo da Silva Vieira, ex-chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência da República.

"Mas, liga pra ele. Ele tinha me falado, ele me garantiu que poderia, que o presidente poderia fazer o que quisesse porque isso são itens personalíssimos (...)", disse Cid.

Câmara respondeu: "Eu falei com ele [Bolsonaro] sobre isso, Cid. Aí ele me falou que tem esse entendimento sim. Mas que o pessoal questiona porque ele pode dar, pode fazer o que ele quiser. Mas tem que lançar na comissão, memória, entendeu? (...)".

'Sumiço' de item para Michelle

Logo após falar dessas possíveis restrições para a venda do kit de presentes oficiais, Marcelo Câmara seguiu no assunto – e citou que algum presente teria "sumido" com Michelle Bolsonaro, ex-primeira-dama.

"O que já foi, já foi. Mas se esse aqui tiver ainda a gente certinho pra não dar problema. Porque já sumiu um que foi com a Dona Michelle; então pra não ter problema", diz Câmara.

Por g1

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