A Polícia Federal identificou que o ex-presidente da República Jair Bolsonaro encaminhou ao empresário Meyer Nigri, fundador da construtora Tecnisa, ao longo do ano passado ao menos 18 mensagens contendo ataques ao Judiciário e mentiras sobre urnas eletrônicas e vacinas contra a covid-19. As mensagens eram repassadas depois a outros empresários.
Uma das mensagens enviadas pelo então presidente da República cita "sangue" e "guerra civil" no caso de derrota nas eleições do ano passado. Bolsonaro foi intimado pela Polícia Federal para prestar depoimento sobre o assunto após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes ter prorrogado a investigação.
O UOL obteve acesso, com exclusividade, aos relatórios produzidos pela PF sobre o conteúdo do celular de Meyer Nigri, que foi alvo de busca e apreensão em agosto do ano passado. Ele entrou na mira da PF após uma reportagem do site "Metrópoles", naquele mês, mostrar o envio de mensagens de teor golpista a um grupo de empresários.
A PF identificou, com o avanço da investigação, que as mensagens falsas disseminadas por Meyer Nigri tinham como origem o então presidente Jair Bolsonaro.
Depois que Bolsonaro lhe enviava as mensagens, Nigri reencaminhava para diversos grupos e contatos de WhatsApp. As conversas ocorreram no período entre fevereiro e agosto de 2022. Por esses elementos, a PF chegou a classificar Bolsonaro como um "difusor de mensagens com conteúdo de notícias não lastreadas ou conhecidamente falsas".
O terminal identificado como utilizado pelo presidente da República Jair Bolsonaro encaminhou diversas mensagens contendo ataques às instituições, especialmente o Supremo Tribunal Federal, ao sistema eletrônico de votação e às vacinas desenvolvidas para combate à covid-19. Após receber o conteúdo, Meyer Nigri realizou a disseminação de tais mensagens para diversos grupos e chats privados de WhatsApp. Resumidamente, os fatos apontam para a atuação do presidente da República Jair Bolsonaro como difusor inicial das mensagens Relatório da Polícia Federal
Fundador da construtora Tecnisa em 1977 (a empresa é negociada em bolsa desde 2007), Nigri foi um dos primeiros empresários a abraçar a pretensão presidencial do capitão.
No começo de 2018, quando a candidatura ainda não era levada a sério, Nigri realizou jantares para apresentar Bolsonaro a outros empresários e a membros da comunidade judaica em São Paulo.
Um dos episódios da campanha daquele ano, atribuído ao entorno familiar de Nigri, foi um áudio de WhatsApp em que uma voz dizia que Geraldo Alckmin (então candidato do PSDB) fecharia com o PT no segundo turno. A mensagem, que circulou entre empresários de SP, ajudou a desidratar o apoio ao ex-governador, segundo pessoas próximas a ele.
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Quando Bolsonaro chegou ao Planalto, Nigri já era um dos empresários mais próximos do novo presidente.
'Guerra civil'
Nos relatórios produzidos pela investigação, a PF apresentou detalhes sobre duas mensagens encaminhadas por Bolsonaro que abordavam uma possível "guerra civil" contra o resultado das eleições. Esse estímulo feito no ano passado, na avaliação de investigadores, pode também vincular o ex-presidente aos atos golpistas do dia 8 de janeiro.
Uma das mensagens é de 21 de junho de 2022, com teor claramente golpista. De acordo com a PF, Bolsonaro enviou a Meyer Nigri um vídeo no qual, inicialmente, o ministro Alexandre de Moraes atesta a confiabilidade da urna eletrônica. Em seguida, uma pessoa desconhecida relata um suposto "esquema para fraudar as eleições".
A PF reproduziu uma imagem do vídeo, que contém a seguinte frase, com letras em caixa alta e caixa baixa: "A ESTRATÉGIA, O PODER, A QUALQUER CUSTO. O POVO TÁ ESPERTO. Compartilhem. PF precisa ver isso. TEREMOS SANGUE!!! GUERRA CIVIL".
O então presidente da República encerrou o diálogo com a seguinte frase: "Eis o enredo das eleições 2022. Você confia nos 3 min do TSE/STF?".
A PF identificou que o empresário Meyer Nigri encaminhou o vídeo e a frase para dois grupos de WhatsApp, além de contatos em privado.
Meses depois, no dia 8 de agosto de 2022, Bolsonaro encaminhou a Meyer Nigri um texto que circulava nas redes com o seguinte título: "O STF será o responsável por uma guerra civil no Brasil". O documento continha uma série de informações falsas sobre o STF e as eleições. O empresário também encaminhou o texto para seus contatos.
Notícias falsas de fraudes nas urnas
Jair Bolsonaro encaminhou diversas mensagens falsas sobre supostas fraudes nas urnas eletrônicas e falhas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao recebê-las, Meyer Nigri as replicava em grupos de WhatsApp e para contatos privados.
Uma das mensagens, enviada por Bolsonaro em 1º de maio de 2022, dizia: "Hackers impediram Bolsonaro de ganhar as eleições de 2018 no 1º turno. Mas não agiram da mesma forma no 2º turno porque o PT não lhes pagou a metade do prometido logo após o 1º turno". A informação é falsa. O TSE chegou a determinar a Bolsonaro que apresentasse provas de fraudes na eleição de 2018, e ele nunca as apresentou.
Em 21 de julho de 2022, Bolsonaro encaminhou a Nigri uma imagem de uma publicação em rede social com ilações sobre possíveis fraudes no sistema eletrônico de votação, afirmando que a fraude supostamente ocorreria no momento de transmissão da totalização de votos por estado.
Vacina da covid-19
O ex-presidente também encaminhou ao empresário Meyer Nigri, ao menos quatro vezes, notícias falsas sobre as vacinas da covid-19. Todas diziam que as vacinas não eram seguras e apresentavam efeitos colaterais nunca comprovados.
O ex-presidente também encaminhou ao empresário Meyer Nigri, ao menos quatro vezes, notícias falsas sobre as vacinas da covid-19. Todas diziam que as vacinas não eram seguras e apresentavam efeitos colaterais nunca comprovados.
A PF considerou esse fato relevante porque Bolsonaro já foi alvo de uma outra investigação sobre a divulgação de notícias falsas da vacina. Apesar de a Polícia Federal ter apontado a prática de crime de Bolsonaro no episódio, a Procuradoria-Geral da República solicitou o arquivamento do caso.
Com essas novas mensagens, a PF pediu o compartilhamento de provas para o inquérito que apura o delito de incitação ao crime por parte de Bolsonaro na pandemia da covid e pode reforçar aquela investigação.
Bolsonaro também disseminou notícias comprovadamente falsas, de acordo com a PF, sobre o então candidato do PT à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva e até mesmo sobre políticas de desarmamento.
A mensagem encaminhada em 22 de maio de 2022 dizia que Lula "permitiu que a Bolívia nacionalizasse uma refinaria da Petrobras" e que isso estava provocando problemas de abastecimento de gás no Brasil. A informação é falsa.
Em 9 de fevereiro de 2022, Bolsonaro encaminhou uma notícia falsa sobre um episódio de violência contra policiais no Chile e que atribuía o fato a uma suposta política de desarmamento no país.
OUTRO LADO
Procurado, o advogado Marcelo Bessa, que defende Jair Bolsonaro neste caso, afirmou que não iria se manifestar sobre a investigação.
Procurado, o advogado Marcelo Bessa, que defende Jair Bolsonaro neste caso, afirmou que não iria se manifestar sobre a investigação.
Em nota, o advogado Alberto Toron, que defende Meyer Nigri, afirmou que ele "jamais foi disseminador de notícias falsas, mas apenas, de forma eventual e particular, encaminhou mensagens de terceiros no aplicativo WhatsApp para fomentar o legítimo debate de ideias. Inclusive, sequer possui contas em redes sociais como Twitter, Facebook, Instagram, nem em qualquer outra plataforma de disseminação em massa. Por fim, com serenidade e respeito, reforça confiar na Justiça e ter plena certeza de que ficará devidamente demonstrado que não praticou crime algum".
Colunista do UOL
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