Passados oito meses da depredação em Brasília, uma operação da PF mirou, anteontem, o entorno de Bolsonaro para traçar o caminho de joias de luxo recebidas por ele enquanto chefiava o Executivo. Desta vez, nas horas seguintes à ação, uma única parlamentar ergueu a voz para dar suporte ao ex-presidente nas redes sociais: a deputada Bia Kicis (PL-DF).
Com ajuda de ferramentas de mapeamento, a reportagem vasculhou mais de 8 mil postagens dos 513 deputados federais e 81 senadores em seis ocasiões. Além do 8 de janeiro e do episódio mais recente, foram considerados outros quatro momentos em que personagens próximos ao ex-presidente viram o cerco se fechar: a ofensiva da PF que prendeu seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, em maio; a operação, em junho, sobre a reunião de cunho golpista entre o senador Marcos do Val (Podemos-ES), o ex-deputado federal Daniel Silveira e o ex-titular do Planalto; a prisão do hacker Wagner Delgatti, no último dia 2, quando também foi cumprido mandado de busca e apreensão no gabinete de Carla Zambelli (PL-SP); e, na quarta-feira passada, a prisão de Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), acusado de interferir no fluxo de eleitores no segundo turno das eleições.
Um dos nomes que atacou a operação sobre os bloqueios da PRF foi o deputado Capitão Alden (PL-BA). Ele chamou a decisão — proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), um dos alvos prediletos do bolsonarismo — de “sem pé nem cabeça” e chegou a publicar um palavrão. A postagem, porém, foi excluída.
Ordem de Valdemar
Na última sexta-feira, enquanto vinham à tona detalhes sobre as negociações envolvendo os presentes recebidos por Bolsonaro, a ordem para que correligionários mantivessem o silêncio partiu do presidente do PL, Valdemar Costa Neto. O próprio dirigente, que em outras ocasiões buscou blindar o principal nome do partido, não se manifestou nas redes.
Até os filhos do ex-presidente só falaram à noite, depois que os advogados do pai emitiram nota — o levantamento, no entanto, só considerou postagens feitas nas primeiras 12 horas após a ação ser desencadeada. “Mais uma vez a tentativa de assassinar a reputação de Bolsonaro salta aos olhos”, escreveu o senador Flávio (PL-RJ) no Twitter, passadas mais de 14 horas do momento em que os agentes da PF começaram a ir às ruas.
Até então, só Bia Kicis havia se manifestado, e mesmo assim sem citar diretamente o imbróglio mais recente a complicar Bolsonaro. Incluindo o ex-presidente na lista, ela compartilhou uma queixa sobre suposta perseguição a políticos de direita nas Américas.
Na avaliação de Letícia Capone, professora do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio, a falta de manifestações nas plataformas pode indicar que aliados estariam “aguardando instruções” do clã Bolsonaro sobre como se portar. Trata-se de um modus operandi comum no grupo em outras ocasiões, quando as diretrizes a serem seguidas partiram do núcleo duro bolsonarista.
— Existe uma tentativa de alinhamento de discurso antes de fazer um posicionamento e, a partir do momento em que a família (Bolsonaro) fica em silêncio, essa pode ser uma estratégia também para os demais — pontua Capone.
Perda de relevância
Um levantamento feito pela consultoria Bites a pedido do GLOBO também detecta uma perda de tração de Bolsonaro nas redes. Este ano, o pico de menções — positivas ou negativas — ao nome do ex-presidente no Twitter deu-se no 8 de janeiro, com quase 1,3 milhão. O número é ligeiramente maior do que as 1,2 milhão de citações em 30 de junho, quando ele foi declarado inelegível em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).Em outras passagens, como a descoberta de uma minuta golpista na casa do ex-ministro Anderson Torres, em janeiro, e a prisão de Mauro Cid, o patamar se aproximou de 1 milhão. Na última sexta-feira, no entanto, a nova operação sobre as joias rendeu apenas 307 mil menções ao ex-presidente — menos da metade do menor índice auferido em episódios marcantes até então, como no retorno dos Estados Unidos, quando 659 mil internautas citaram Bolsonaro no Twitter.
— Fica claro como Bolsonaro perdeu relevância em relação a momentos importantes anteriores, sem a mesma capacidade de mover o debate público que teve em outros eventos desde o início do ano — analisa André Eler, diretor-adjunto da Bites.
Na última sexta, entre as 50 postagens sobre Bolsonaro com maior repercussão no Twitter, apenas quatro eram de apoiadores do ex-presidente, ainda segundo a Bites. Além disso, somente uma delas, de uma influenciadora conservadora, fazia uma defesa efetivamente sobre as acusações envolvendo as transações das joias.
— Os bolsonaristas repercutiram mais outros temas, como críticas ao governo Lula, do que uma defesa estrita de Bolsonaro. Esse desguarnecimento se opõe ao que costumava acontecer em outras ocasiões. Embora ainda seja o maior nome da direita, Bolsonaro não vive um momento bom nas redes — resume ele.
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