Mensagens inéditas obtidas com exclusividade pelo UOL indicam que Sergio Moro, quando ainda era juiz da 13ª Vara Federal em Curitiba, pressionou os procuradores da Operação Lava Jato para que pedissem a extradição de um executivo da Odebrecht considerado peça-chave na investigação e que havia sido preso na Suíça.
Moro, porém, teria concordado em atrasar o pedido para ajudar os investigadores brasileiros e suíços que trocavam informações e documentos por canais não oficiais, o que é irregular. A reportagem está sendo publicada em colaboração com a newsletter A Grande Guerra.
A intromissão do ex-magistrado e hoje senador pelo União Brasil faz parte da troca de mensagens informais de Orlando Martello, um dos procuradores envolvidos na operação, com colegas e autoridades suíças.
A prisão de Migliaccio foi considerada como um ponto chave no destino da Lava Jato ao conseguir identificar pagamentos da Odebrecht para políticos em diferentes países
Orlando Martello, procurador, em mensagem a autoridades de Berna em 17 de março de 2016.
"Vocês devem fazer um [pedido de] Assistência Mútua Legal para interrogá-lo na Suíça e ter acesso a todos os dados que apreendemos", sugeriu. "Discutiremos isso o mais rápido possível", pediu.
Stefan Lenz, procurador do Ministério Público da Suíça.
Isso é apenas parte das revelações que constam de um diálogo mantido por mais de três anos entre os procuradores dos dois países, no aplicativo de celular Telegram. As mensagens fazem parte do material apreendido pela Polícia Federal na operação Spoofing, que investigou o hackeamento das contas de Moro e dos procuradores da Lava Jato.
Procurada pelo UOL, a assessoria de imprensa de Moro informou que ele não comentaria. O procurador suíço Stefan Lenz não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Prisão é comemorada por procuradores
"Ele tentou retirar seus bens e esvaziar um cofre. Para nós, ele é um dos principais envolvidos nos pagamentos feitos pela Odebrecht por meio das contas mantidas no PKB Privat Bank! Estou realmente ansioso para conhecer esse cara! Manterei vocês atualizados", disse o suíço.
"Por meio do Marco, nós o informaremos oficialmente sobre a prisão. Vocês poderão então tomar as medidas necessárias para solicitar a extradição dele para o Brasil. O procedimento provavelmente levará algum tempo e poderemos discutir outras etapas. Como ele é brasileiro, podemos até discutir a transferência de sua investigação para o Brasil, e não apenas transferiríamos os documentos, mas também ele próprio", disse Lenz.
Naqueles minutos que sucederam o anúncio informal, o grupo iniciou um trabalho de troca de informações para combinar de que maneira seria realizado o procedimento de perguntas e como fazer para mantê-lo o maior tempo possível detido.
Mas, nesta mesma mensagem, as trocas de informações já eram explícitas, principalmente sobre sua ligação com a construtora.
Segundo Lenz, "Migliaccio pediu permissão à polícia para ligar para Maurice Ferro ou Monica Odebrecht para que eles arranjassem um advogado suíço. As ligações não foram (esperamos) permitidas (foi a polícia de Genebra que o prendeu em nosso nome)".
Neste momento, segundo as mensagens, Marco avisa que iria "preparar uma mensagem oficial", mas ela seria enviada através do equivalente ao Departamento de Justiça da Suíça. A movimentação visava promover uma espécie de aquecimento das conversas ilegais.
O fato de que o suspeito pediu para ligar para Monica Odebrecht também foi comemorado pelos procuradores brasileiros, já que confirmaria, segundo eles, a existência de uma relação entre o detido e a cúpula da empreiteira
Numa mensagem no grupo, um dos integrantes brasileiros identificado apenas como Paulo comemora.
Apenas dois dias depois é que a Lava Jato seria oficialmente informada sobre a prisão. No dia 19 de fevereiro, Orlando Martello escreveu.
Deltan pede que um outro procurador brasileiro, apenas identificado por Douglas, encaminhe, pelo chat do Telegram, os documentos aos suíços
Ao longo da conversa, fica evidenciado como Moro, ainda na condição de juiz, era citado como um fator de pressão.
Duas horas depois, o procurador brasileiro informa aos suíços que havia conversado com Moro e que ele estaria de acordo com a decisão dos investigadores em cancelar a ordem de extradição.
Outro lado
Procurado pela reportagem, o procurador Orlando Martello afirmou: "Não reconheço e também não me recordo das mensagens". "Registro que o juiz pode determinar de ofício (por iniciativa própria) a extradição das pessoas presas por sua ordem, bem como pode - e deve - zelar pelo cumprimento de sua execução, caso outro órgão tenha se encarregado de realizá-la. Esclareço ainda que a extradição pode demorar meses, de modo que, não raro, o MPF tem interesse em ouvir a pessoa presa no exterior para dar celeridade à sua investigação", declarou.mpid=copiaecola
Procurado pela reportagem, o procurador Orlando Martello afirmou: "Não reconheço e também não me recordo das mensagens".
"Registro que o juiz pode determinar de ofício (por iniciativa própria) a extradição das pessoas presas por sua ordem, bem como pode - e deve - zelar pelo cumprimento de sua execução, caso outro órgão tenha se encarregado de realizá-la. Esclareço ainda que a extradição pode demorar meses, de modo que, não raro, o MPF tem interesse em ouvir a pessoa presa no exterior para dar celeridade à sua investigação", declarou..
Martello declarou ainda que "a troca de informações com autoridades estrangeiras é comum, imprescindível e ocorre todos os dias, seja por telefone, e-mail ou qualquer outra forma expedita de comunicação, sobretudo quando os dois lados têm investigações em curso, inclusive com quebra de sigilo"
"Isso é incentivado pelos manuais de cooperação, tem respaldo legal e é essencial para tornar a investigação eficiente. Todas as provas utilizadas nas investigações, inquéritos e processos brasileiros, porém, foram transmitidas pelos canais oficiais.".
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