O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid (Alexandre Cassiano/Agência O Globo/.)
A perícia realizada pela Polícia Federal em arquivos do telefone celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), revelou que um grupo de militares da reserva e da ativa defendeu um golpe de Estado após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição do ano passado.Parte das conversas rastreadas pelos investigadores está em um grupo de WhatsApp que reúne até oficiais do Exército, incluindo comandantes de unidades e até instrutores de escolas militares. Após a revelação do caso, o Exército afirmou que “opiniões e comentários pessoais não representam o pensamento da cadeia de comando do Exército Brasileiro e tampouco o posicionamento oficial da Força”.
“Durante análise do telefone de Mauro Cid, foi identificado um grupo denominado “...Dosssss!!!”. Alguns integrantes foram identificados como militares da ativa. Evidenciou-se que em diversos momentos dos diálogos foram tratados assuntos relacionados ao cenário político-eleitoral que sucedeu o segundo turno das eleições presidenciais”, destaca o relatório produzido pela Diretoria de Inteligência da Polícia Federal.
De acordo com participantes do grupo ouvidos pelo GLOBO, o espaço já chegou a ser ocupado por mais de 80 oficiais formados pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, no interior do Rio. No trecho analisado pela PF, entre 27 de novembro de 2022 e 4 de janeiro de 2023, 11 militares escrevem mensagens — nove foram localizados e contactados pela reportagem. Apesar de fazer parte, Mauro Cid não aparece interagindo nesse intervalo de tempo. Nem todas as manifestações que aparecem no relatório são em defesa da ruptura institucional.
Ao Globo, o Exército acrescentou que até o momento não recebeu o relatório da Polícia Federal: “Somente após ter conhecimento oficial acerca dos fatos citados será possível fazer uma avaliação da situação e a adoção de eventuais medidas administrativas que se façam necessárias”. “Ressalta-se que o Exército Brasileiro tem pautado sua conduta pela legalidade e transparência e vem contribuindo com as investigações em curso, sempre observando os princípios do contraditório e da ampla defesa”, disse, em nota.
A defesa de Cid afirmou que vai se manifestar no processo. Os advogados de Bolsonaro disseram que as mensagens mostram que ele “jamais participou de qualquer conversa sobre um suposto golpe de Estado”. O texto afirma que, por ser ajudante de ordens, Cid recebia as demandas que deveriam chegar ao mandatário e, por isso, o “celular por diversas ocasiões se transformou numa simples caixa de correspondência que registrava as mais diversas lamentações”
"Generais de Lula"
A primeira conversa interceptada nesse período foi iniciada pelo tenente-coronel Jorge Alexandre Oliveira de Medeiros de Souza, que trabalhou na 12ª Região Militar, em Manaus, Amazonas, e integrou o 1º Batalhão de Ações de Comando, em Goiânia. Às 7h26min de 27 de novembro, ele anexa um arquivo no grupo onde se lê: “Generais de Lula tomarão posse em dezembro”. Procurado, o militar afirmou não ter nada a declarar.
Cobrança por ação
Na sequência, após 45 minutos, o coronel Gian Dermário da Silva, comandante do Centro de Instrução de Operações Especiais, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, responde: “Tentativa de aproximações sucessivas e de aumentar a divisão da Força.”
Em seguida ele manda outras mensagens no grupo e afirma que o Exército poderia ter atuado “há muito tempo” nas áreas de Operações Especiais, Inteligência, Contra-Inteligência e Operações Psicológicas “dentro da legalidade” para “minimizar esses impactos”.
Questionado acerca do que pensava que poderia resolver a situação, Gian respondeu: “Uma ação por parte do PR e FA, que espero que ocorra nos próximos dias”, em alusão ao então presidente Jair Bolsonaro e às Forças Armadas. “Sim, sem volta, ou o PR/FA fazem algo, ou serem arrastados para o problema, o que é pior”, ele escreve, em outro momento.
Procurado, ele disse que as mensagens trocadas no grupo eram “só conjecturas, possibilidades, pois estudamos muito os vários tipos de conflitos atuais que ocorrem atualmente pelo mundo, em todos os aspectos”.
"Povo cansou"
Ex-comandante do Batalhão de Apoio às Operações Especiais, em Goiânia, o coronel Anderson Corrêa dos Santos também se manifesta no “...Dosssss!!!”. Às 17h20 de 27 de novembro, ele diz: “Olha eu posso estar errado, mas acho que estamos caminhando para uma crise interna muito forte. A ruptura institucional já ocorreu há muito tempo. Tudo que for feito agora, da parte do PR, FA e tudo mais, não vai parar a revolução do povo que cansou de tudo isso”.
Além de ter atuado no gabinete da intervenção federal do Rio, em 2018, Anderson participou do Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército, três anos depois. Procurado, o militar não retornou os contatos.
"Leões de Zap"
Atualmente lotado na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em Campinas, o coronel de cavalaria Rodrigo Lopes Bragança Silva também envia mensagens aos colegas pelo grupo de WhatsApp. Ele avisou sobre a circulação de um documento em que oficiais contestariam o resultado das eleições em que Bolsonaro perdeu e Lula ganhou.
Após o Gian supostamente anexar a carta, Rodrigo atiça os militares: “E aí, agora todos colocaremos o nome nessa rela aí, né?” Em seguida, ele afirma: “Ou seremos leões de Zap”. Procurado pelo Globo, o militar não retornou os contatos.
Ataque a Moraes
Major da ativa do Exército, Albemar Rodrigues de Lima possui especialização em Ciências Militares com ênfase em Doutrina Militar Terrestre. Após as provocações sobre uma eventual “tomada de poder”, ele questiona: “Vai ter careca arrastado por blindado em Brasília?”, escreveu, em referência a menções pejorativas usadas com frequência para se referir ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa é a única mensagem escrita pelo oficial no grupo entre 27 de novembro e 4 de janeiro. Procurado, ele não retornou os contatos.
"Sair do conforto"
Nessa época, também fazia parte do grupo o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, que atuou no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante o governo de Jair Bolsonaro e depois foi nomeado comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais, em Manaus.
No início da tarde de 29 de dezembro, o oficial, respondendo sobre uma carta assinada por militares, posta: “Ainda nem é possível avaliar o efeito de tudo isso na Força”. Em seguida, ele continua: “O foda é que ficou gostosinho demais sermos só isso. Salário garantido, guerreiro com absoluta certeza de não guerrear, uma escapada ou outra ganhando bem por aí... ficou bom demais para querermos sair desse conforto. Não vai rolar mesmo”. Procurado, o militar não retornou os contatos.
Artigo 142
Ex-comandante do 1º Batalhão de Logística de Selva, em Boa Vista, Roraima, o coronel Márcio Nunes de Resende Junior passou pelo Estado-Maior do Exército e atualmente integra a Comissão Permanente de Avaliação de Documentos Classificados (CPADC). Também no grupo de WhatsApp, ele escreveu, às 15h13 do dia 21 de dezembro do ano passado: “Se o Bolsonaro acionar o artigo 142, não haverá general que segure as tropas. Ou participa ou pede para sair!!!”. A mensagem faz referência ao artigo 142 da Constituição Federal, que, em uma interpretação deturpada por bolsonaristas, é usado para defender que as Forças Armadas seriam um poder moderador, o que já foi desmentido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Nas mesma sequência, Márcio pondera: “Se a gente não tem coragem de enfrentar o cabeça de ovo e uma fraude eleitoral, vamos enfrentar quem?” Procurado, ele disse que preferia não comentar o teor das mensagens.
"Bravateiros"
Formado na Aman em 1997, coronel Felipe Guimarães Rodrigues comandou o 63º Batalhão de Infantaria (63º BI) em Florianópolis, Santa Catarina, e atualmente atua como assessor parlamentar do Exército no Senado. Aos colegas, ele enviou pelo “...Dosssss!!!: “Outros bravateiros…não conseguiram deter uma fraude eleitoral clara dentro do território deles !!!”. Procurado, ele não retornou os contatos.
"Grupo de amigos"
Identificado como Bodão no telefone celular de Mauro Cid, André Luiz Pereira da Silva é major da reserva do Exército. Formado na turma de 1996 da Aman, ele chegou a ser assessor parlamentar do deputado Vítor Hugo na Câmara dos Deputados. Entre as datas analisadas pela PF das conversas de WhatsApp, ele envia somente duas mensagens com informações sobre um antivírus. Procurado pelo GLOBO, o militar afirmou que trata-se de um “grupo de amigos, onde se falava de tudo e tinha muita zoação entre os integrantes, bem como conversa em geral”.
Por Agência O Globo
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