Alexandre de Moraes durante primeiro dia de julgamento de Bolsonaro no TSE: ministro reiterou, há um ano, que fake news sobre urnas levariam à cassação - Foto EVARISTO SA/AFP
Quando o então presidente Jair Bolsonaro reuniu-se com embaixadores para fazer ataques infundados ao sistema eleitoral, em julho do ano passado, ele já havia recebido diversos alertas de que poderia ser punido por esse tipo de declaração. O ex-titular do Palácio do Planalto já era investigado, há um ano, por afirmações semelhantes, e havia visto um aliado perder o mandato pelo mesmo motivo. Entre julho de 2021 e agosto de 2022, pouco depois do encontro, foram ao menos 31 recados — um a cada duas semanas, em média.
O levantamento, feito pelo GLOBO com base em declarações e decisões judiciais, demonstra que integrantes do Poder Judiciário, principalmente ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), tornaram público, em diversos momentos, que o entendimento da Justiça Eleitoral no pleito de 2022 consideraria a propagação de desinformação sobre as urnas eletrônicas como um ataque à democracia e, portanto, passível de punição.
Agora, a reunião feita com embaixadores, quando o ex-presidente reincidiu na disseminação de informações sem provas contra as eleições no Brasil, pode tornar Bolsonaro inelegível até 2030. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve concluir nesta semana o julgamento de uma ação em que o PDT acusa o ex-presidente de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Mesmo aliados do antigo ocupante do Planalto admitem que a condenação é quase inevitável.
Bolsonaro já levantava suspeitas sobre a Justiça Eleitoral desde 2018, mas os ataques subiram de patamar em julho de 2021, quando fez uma transmissão ao vivo para demonstrar que uma suposta fraude o impediu de ter sido eleito no 1º turno — ele admitiu na ocasião que não havia provas.
Bolsonaro passou então a ser investigado pelo TSE e foi incluído no inquérito das fake news, no Supremo. Depois, virou alvo de outra apuração no STF, por vazar investigação sigilosa da Polícia Federal — utilizada para colocar a lisura do sistema eleitoral em xeque.
Ainda em 2021, o TSE começou a estabelecer uma jurisprudência para lidar com ataques às urnas. Em outubro, a Corte cassou o deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini, que havia denunciado uma suposta fraude. Neste julgamento, os ministros estabeleceram o precedente de que ataques infundados ao sistema eleitoral configuram abuso de poder político e, por isso, podem levar à inelegibilidade ou cassação.
Em dezembro, os ministros aprovaram uma resolução com diversas regras para as eleições. Um dos artigos determina que “é vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”.
Jurisprudência
Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, o caso Francischini inaugurou a argumentação de que ataques às urnas a partir de fatos inverídicos levariam à cassação, reforçada quando o TSE fez a resolução incorporando esse entendimento. Desta forma, avaliam, Bolsonaro estava com “risco exposto e pagou para ver.”
O professor Emilio Peluso, da UFMG, conta que o TSE construiu ao longo dos últimos anos o entendimento de que iniciativas eram necessárias para conter a erosão institucional, inclusive consolidando a jurisprudência:
— Não se trata de uma ação ou uma decisão em uma lógica alheia à que o TSE vem adotando em relação à divulgação de informações falsas sobre as urnas. O sinal que coroa esse posicionamento é o julgamento da chapa Bolsonaro-Mourão, em que apesar de não cassar a chapa, o tribunal dá um sinal muito claro de que não iria tolerar fake news.
Em outubro de 2021, um ano antes das eleições, o então corregedor do Tribunal Superior Eleitoral, Luis Felipe Salomão, afirmou que “quem, sem provas, ataca esse sistema (urnas eletrônicas) está a atacar a democracia”. Em fevereiro de 2022, meses antes da reunião com os embaixadores, o ministro Edson Fachin, do STF, reforçou que desacreditar o sistema eleitoral sem provas ia além do mero discurso político e entrava no campo da tentativa de questionar a realização das eleições:
— Se houver ofensas injustificadas à Justiça Eleitoral, nós vamos responder e seremos mesmo implacáveis.
Em junho de 2022, um mês antes da reunião entre Bolsonaro e embaixadores, Moraes reiterou a posição da Corte:
— Quem se utilizar de fake news, quem falar de fraude nas urnas, terá seu registro cassado, independentemente de candidato a qual cargo for.
Freio na desinformação
Além de mensagens diretas sobre punições decorrentes de ataques à confiabilidade do processo eleitoral, o TSE impôs um freio sobre os mecanismos de disparos de mensagem em massa. Em 2021, a Corte arquivou dois pedidos de cassação de Bolsonaro, que alegavam que a sua campanha em 2018 utilizou o mecanismo. Os ministros consideraram que não houve provas de que o resultado foi afetado. Entretanto, definiram uma tese segundo a qual disparos em massa contendo desinformação podem configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação.
— Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado. As pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as eleições e a democracia — disse Moraes no julgamento.
A defesa de Bolsonaro disse que o encontro com diplomatas pelo qual ele está sendo julgado foi “uma singela reunião com embaixadores, de viés diplomático, institucional, bem antes das eleições e sem conexão com os fatos que habitam o entorno da política”:
— Tribunais julgam conforme o Direito posto e pressuposto. Fora disso, não é Justiça, mas justiçamento.
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