Cinco dias após seu desencontro com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou por telefone com seu par russo, Vladimir Putin. Lula disse ter reiterado a disposição brasileira de mediar, junto com China, Índia e Indonésia, conversas "em busca da paz" na Ucrânia, mas recusou um convite para participar do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, afirmando que não pode ir à Rússia "neste momento".
"Conversei agora por telefone com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Agradeci a um convite para ir ao Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, e respondi que não posso ir a Rússia nesse momento, mas reiterei a disposição do Brasil, junto com a Índia, Indonésia e China, de conversar com ambos os lados do conflito em busca da paz", escreveu Lula nas redes sociais.
Lula ainda não havia conversado com Putin diretamente desde sua posse, em 1º de janeiro — o último telefonema entre os dois foi em 20 de dezembro do ano passado, quando o petista era presidente eleito e disse que buscava "diálogo com todos". Putin comentou a conversa com o par brasileiro em uma reunião com a organização russa de empresários Delovaya Rossiya, afirmando que o encontro foi interrompido para que o telefonema pudesse acontecer.
— Tive uma conversa com o presidente do Brasil e, com a autorização dele, quero transmitir a todos os participantes da nossa reunião de hoje e também a toda a comunidade empresarial da Rússia os melhores votos, os votos de êxito e prosperidade nos negócios — afirmou Putin, segundo vídeo difundido pela agência Sputnik.
O petista havia sido convidado para participar do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, que neste ano ocorrerá entre os dias 14 e 17 junho, pelo chanceler russo, Sergei Lavrov, durante uma visita à Brasília em abril. Na ocasião, gerou controvérsia ao afirmar que Brasil e Rússia "têm visões similares".
Segundo o serviço de imprensa do Kremlin, os mandatários tiveram uma conversa "construtiva e informativa" nesta sexta sobre a cooperação no âmbito dos Brics, grupo que reúne também Índia, China e África do Sul e cuja cúpula está marcada para agosto, e em outros organismos multilaterais. De acordo com a agência de notícias estatal RIA, Putin disse estar aberto para diálogos sobre a Ucrânia.
Desencontro com Zelensky
A conversa ocorreu cinco dias após a visita do presidente brasileiro ao Japão para participar como convidado da reunião do Grupo dos Sete (G7). No encontro, o Lula condenou a violação da integridade territorial da Ucrânia, mas afirmou que os dois países não estavam dispostos a falar de trégua neste momento, promovendo seu plano de um "clube da paz" para intermediar o fim do imbróglio.
As iniciativas do presidente, que tem a tentativa de mediar o conflito como uma das bandeiras de sua cruzada para reposicionar a política externa, no entanto, foram ofuscadas por seu desencontro com Zelensky. O presidente ucraniano confirmou de última hora sua presença na reunião em Hiroshima, solicitando uma reunião com o chefe de Estado brasileiro.
O encontro, entretanto, acabou não ocorrendo após um vaivém de versões. Segundo informações apuradas pelo GLOBO, o governo brasileiro havia sido informado pelo menos duas vezes desde 10 de maio que Zelensky poderia ir à reunião do G7, que reúne sete das economias mais industrializadas do planeta — ou seja, que o encontro não foi necessariamente uma surpresa.
Segundo o governo brasileiro, a comitiva brasileira apresentou horários possíveis para Lula, que não eram bons para Zelensky. Após algumas idas e vindas, haviam chegado a um consenso, mas a equipe ucraniana pediu para alterá-lo três vezes e, no final, parou de responder as mensagens.
Indagado se estava decepcionado pela falta do encontro, o ucraniano minimizou afirmando achar "que ele [Lula] ficou desapontado". O petista, por sua vez, afirmou que não estava decepcionado, mas "chateado" e que "Zelensky é maior de idade, sabe o que faz".
Um dia após conversar com Xi
Além do Brasil, o plano de paz de Lula colocaria sobre a mesa de negociações indianos, indonésios e chineses — todos países do Sul Global que defendem uma reforma na governança global e um mundo multipolar. Também são todos países que adotam uma posição de neutralidade na guerra, posturas que no caso da Índia e da China se aproximam de um apoio retórico.
A confusão com Zelensky seguiu uma série de declarações controversas de Lula na volta de sua viagem à China, quando equiparou as responsabilidades russas e ucranianas pela guerra e acusou o Ocidente de prolongar o conflito. Os posicionamentos geraram repúdio da União Europeia, da Ucrânia e de Washington, que afirmou ver "repetição da propaganda russa e chinesa".
O conflito também foi abordado pelo presidente na quinta durante uma conversa por telefone com seu par chinês, Xi Jinping, com quem já havia se reunido quando esteve em Pequim. Pelo Twitter na quinta, Lula disse que conversou com o presidente chinês e que a guerra da Ucrânia também foi um dos pontos abordados.
No 1º aniversário da guerra, em fevereiro deste ano, Pequim anunciou um plano de paz de 12 pontos que pede um cessar-fogo, declara a defesa da integridade territorial — sem esclarecer como — e oferece benefícios à Rússia. Zelensky, por sua vez, põe como pré-condição para se sentar à mesa a retirada total das forças russas, posição reiterada por seus aliados ocidentais.
Do lado brasileiro, o principal articulador da ideia de um clube da paz é o assessor especial da Presidência, Celso Amorim. O diplomata, que foi chanceler nos dois primeiros mandatos de Lula, esteve em Kiev no último dia 10, quando foi recebido por Zelensky e outras figuras do governo. No mês anterior havia ido a Moscou, onde se encontrou com Putin.
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