O ex-presidente Jair Bolsonaro PL) confirmou, em depoimento, no dia 5 de abril, ao qual a TV Globo teve acesso com exclusividade, que conversou pessoalmente com o ex-chefe da Receita Federal Júlio César Vieira Gomes sobre as joias enviadas pela Arábia Saudita e retidas com a comitiva presidencial no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, em outubro de 2021.
A TV Globo teve acesso aos cerca de dez depoimentos feitos de forma remota à Polícia Federal em São Paulo, incluindo o do ex-presidente.
"O declarante [Bolsonaro] solicitou ao ajudante de ordens, coronel Cid, que obtivesse informações a cerca de tais fatos; que o ajudante de ordens oficiou a Receita Federal para obter informações; que neste interim o declarante estabeleceu contato com o então chefe da Receita Federal, Júlio, cujo sobrenome não se recorda, e salvo engano, determinou que estabelecesse contato direto com o ajudante de ordem; que as conversas foram pessoalmente, pelo o que se recorda", diz um dos trechos.
No depoimento, o ex-presidente se contradisse sobre ter tentado resgatar as joias, avaliadas em R$ 16,5 milhões, no fim de seu mandato. Primeiro, Bolsonaro diz que "a intenção de que as joias fossem retiradas na Alfândega antes do declarante viajar para os Estados Unidos era para não deixar qualquer pendência para o próximo governo e evitar um vexame diplomático" e que esse 'vexame' seria "em razão de aparentar descaso com o presente de uma nação amiga, permitindo seu leilão".
Depois, ao ser questionado sobre "o motivo pelo qual Mauro Cid, Julio Cesar e José de Assis se empenharam tanto para tentar retirar as joias pela Alfândega no dia 29/12/2022, inclusive com ligação pessoal do Julio Cesar para o integrante da Ajudância de Ordens que foi retirar as joias (Jairo), mesmo sabendo que não estava pronta a documentação necessária, o declarante afirma não ter ideia de tal possível empenho. Que, em razão do tumulto que foram seus últimos dias de governo, sequer teve cabeça para se preocupar com o assunto em questão."
Á época, o próprio Bolsonaro enviou um ofício para a Receita pedindo a devolução dos bens, mas não obteve sucesso.
O ex-presidente também informou que foi avisado sobre a existência das joias sauditas entre o final de novembro e o começo de dezembro de 2022. Ele disse não se lembrar quem o avisou sobre os itens, mas que é possível que tenha sido alguém ligado ao Ministério de Minas e Energia.
As joias foram recebidas pela comitiva do então ministro Bento Albuquerque. À época em que Bolsonaro alega ter tomado conhecimento dos itens, Albuquerque já não integrava mais o governo. Bolsonaro afirmou nunca ter falado com o ex-ministro sobre o assunto.
O ex-presidente também afirmou que "nunca decidia ou era consultado, ou mesmo opinou, quanto à classificação, entre o acervo público ou privado de interesse público".
Também em depoimento à PF a que a TV Globo teve acesso, Jairo Moreira da Silva, primeiro-sargento da Marinha que atuava em uma equipe subordinada ao coronel Mauro Cid, e que aparece em vídeo de 29 de dezembro tentando retirar as joias no aeroporto, afirmou ter sido "informado pelo coordenador da Ajudância de Ordens, o tenente-coronel Cleiton, que precisaria ir até o aeroporto de Guarulhos buscar alguns presentes que estavam retidos na Alfândega".
Ele também disse que recebeu um ofício com os bens a retirar, mas que não foi informado quem deveria procurar e que pegou um voo para retirar os objetos, mas que um funcionário da Receita esclareceu que não seria possível retirá-los.
O inquérito foi aberto em março e é conduzido pelo delegado Adalto Ismael Rodrigues Machado, da delegacia de Repressão a Crimes Fazendários da Polícia Federal de São Paulo.
Veja mais trechos do depoimento:
Bolsonaro disse em depoimento que "não recebeu nenhum presente de forma direta enquanto presidente da República" e que todos os presentes são entregues via ajudante de ordens ou através do Itamaraty.
O ex-presidente frisou que não "coloca a mão" em qualquer presente, principalmente recebido dentro do Brasil.
Bolsonaro afirmou ainda que não conversou diretamente com o ex-ministro Bento Albuquerque, até porque ele não era mais ministro na ocasião.
O ex-presidente disse que solicitou ao ajudante de ordens, coronel Mauro Cid, que obtivesse informações sobre os fatos.
Também afirmou que fez contato com o então chefe da Receita Federal e determinou que ele entrasse em contato com Cid.
Disse que não ficou pessoalmente com as joias, já que seu acervo pessoal ficou num galpão emprestado pelo ex-piloto Nelson Piquet. Segundo Bolsonaro, ele não levou as joias para os EUA na viagem feita em 30 de dezembro de 2022.
O ex-presidente afirmou que não teve nenhum contato com as joias.
Bolsonaro disse que, em novembro ou dezembro de 2022, soube pelo ex-chefe da Receita que, se ninguém reclama o bem depois de 30 ou 90 dias, as joias poderiam sem leiloadas.
O ex-presidente falou ainda que não foi ele quem decidiu que as joias retidas pela Receita deveriam ser incorporadas ao acervo da Presidência.
Ele afirmou que, pelo que entende, não havia o que ser feito para retirar as joias.
O ex-presidente disse à Polícia Federal que não ficou cobrando de ninguém que as joias fossem recuperadas.
Ao ser questionado sobre a indicação do ex-chefe da Receita Júlio César Vieira como adido na Embaixada do Brasil em Paris, disse que isso é comum e que a decisão foi do Ministério da Economia, nada tendo a ver com o empenho do ex-chefe da Receita para liberar as joias.
Entenda o caso
O governo Jair Bolsonaro tentou trazer ao Brasil de forma irregular, em outubro de 2021, joias avaliadas em R$ 16,5 milhões.
A informação foi revelada pelo jornal "O Estado de S. Paulo" e confirmada pela TV Globo. As joias eram presentes do governo da Arábia Saudita para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Os itens foram encontrados na mala de um assessor do Ministério de Minas e Energia e não foram declarados à Receita como item pessoal, o que obrigaria o pagamento de imposto, e acabaram apreendidos.
As joias poderiam ter entrado no Brasil sem pagar imposto, desde que fossem declaradas como presente para o Estado brasileiro, mas, neste caso, ficariam com a União, não com Michelle.
Além da ex-primeira-dama, o caso envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro, ministros e funcionários do então governo.
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