sábado, fevereiro 25, 2023

Cai sigilo de 100 anos: Pazuello avisou ao chefe do Exército que iria a ato com Bolsonaro

Processo sobre participação de Pazuello em ato político estava sob sigilo - Foto: André Borges/AFP


Alvo de processo disciplinar por infringir as regras do Exército, a participação do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello em um ato com o então presidente Jair Bolsonaro, no dia 23 de maio de 2021, foi previamente comunicada ao comandante da Força da época, general Paulo Sérgio Nogueira. A informação consta no procedimento interno aberto pelo Exércio, que havia ganhado sigilo de 100 anos na administração Bolsonaro, mas foi divulgado nesta sexta-feria por determinação da Controladoria-Geral da União (CGU).

Na ocasião, o ex-ministro participou de uma motociata ao lado de Bolsonaro no Rio de Janeiro. Depois, os dois discursaram em cima de um carro de som. Na época, Pazuello era general da ativa do Exército. O processo disciplinar foi aberto porque militares da ativa não podem se manifestar politicamente. O ex-ministro, contudo, não recebeu qualquer punição e, no ano passado, foi eleito deputado federal com a segunda maior votação no estado.

Em sua defesa no processo, só agora revelado, Pazuello afirma que informou "por telefone no sábado que iria ao passeio no domingo, a convite do presidente". O general disse ainda ter aceitado participar do evento devido aos "laços de respeito e camaradagem" que tem com Bolsonaro.
A participação em motociatas com apoiadores se tornou uma marca da campanha eleitoral de Bolsonaro, que não conseguiu se reeleger ao Palácio do Planalto, mas ajudou o PL, seu partido, a eleger a maior bancada da Câmara neste ano, incluindo Pazuello.

No discurso que contou com a presença de Pazuello, Bolsonaro fez referência à candidatura do então ministro da Infraestrutura e atual governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas, o que de fato ocorreu no ano seguinte. O então presidente também afirmou que era preciso "agradecer à nossa direita".

No documento, ao analisar o caso, o então comandante do Exército confirma ter recebido a comunicação prévia, embora não cite se houve ou não uma autorização formal para a participação do ex-ministro no ato. "Insta saliente, inicialmente, que o oficial-general em tela efetivamente comunicou a este comandante que se deslocaria à cidade do Rio de Janeiro, a fim de participar do passeio motociclístico, a convite do senhor Presidente da República", escreveu.



Trecho do procedimento aberto contra o ex-ministro Eduardo Pazuello em que o então comandante do Exército admite ter sido comunicado previamente — Foto: Reprodução

Ao justificar o arquivamento do processo, Nogueira afirmou ainda considerar que a participação de Pazuello no ato de Bolsonaro não teve "viés político-partidário", porque ele falou de "forma improvisada" e apenas "cumprimentou os presentes e enalteceu o passeio" realizado. Dez meses depois, Nogueira deixou o comando do Exército para ser ministro da Defesa de Bolsonaro.

"Da análise acurada dos fatos, bem como das alegações do referido oficial-general, depreende-se, de forma peremptória, não haver viés político-partidiário nas palavras proferidas, repisa-se, de improviso, pelo arrolado, naquele momento", afirmou Nogueira na manifestação que arquivou o processo.

O ex-ministro e deputado federal Eduardo Pazuello e o ex-comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira — Foto: Arquivo

General diz que foi 'surpreendido' por Bolsonaro

Na defesa apresentada, Pazuello afirmou que não tinha conhecimento de que haveria um carro de som no local e que também foi "surpreendido" pelo pedido de Bolsonaro para que ele discursasse.

"Cabe ressaltar que não tinha conhecimento prévio que haveria carro de som para os agradecimentos do presidente da República, tampouco tinha a intenção de me pronunciar no evento. Acrescento que fui surpreendido quando o presidente me chamou para ficar ao seu lado na lateral do caminhão. Fiquei mais surpreso, ainda, quando o presidente passou às minhas mãos o microfone para que me dirigisse ao público", escreveu.


Defesa apresentada pelo general Pazuello no procedimento aberto contra ele — Foto: Reprodução

O ex-ministro fez um relato da sua presença no passeio de moto. Inicialmente, ele tenta minimizar sua participação e afirma que optou por não ficar ao lado da comitiva de Bolsonaro e que, ao fim do trajeto, estacionou sua moto "afastada da multidão".

O ex-ministro conta, no entanto, que "em questão de minutos" foi reconhecido pelos presentes, apesar de estar utilizando máscara. "Fui assediado por dezenas de pessoas, o que causou alvoroço e empurra-empurra". Por isso, segundo ele, "o melhor lugar para ficar", com o "menor risco" para ele e as pessoas, "seria a área reservada onde estava a comitiva".

De novo, segundo ele, foi reconhecido "por um grande número de pessoas que também estavam na área reservada". Neste momento, ele foi convidado pelo ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, "por orientação do presidente", para subir no caminhão.

Sigilo de 100 anos

Ao impor sigilo ao processo administrativo contra Pazuello, o Exército alegou na época que "apenas cumpriu" o que determina a Lei de Acesso à Informação e a Constituição, restringindo o acesso ao conteúdo com o intuito de preservar informações de caráter pessoal do general. Os argumentos foram utilizados para negar o acesso em um pedido formulado pelo GLOBO.

A decisão do Exército de decretar o sigilo centenário, porém, ignorou entendimentos anteriores pela CGU, que já definiu que apuração disciplinar encerrada é de acesso público — tanto para militares quanto para civis.

Ao ser empossado na CGU, o novo ministro da pasta, Vinicius Marques de Carvalho, recebeu a missão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de revisar os segredos de até cem anos impostos durante o governo anterior.

Em entrevista ao GLOBO publicada em 20 de janeiro, o ministro havia dado sinais de que restabeleceria o entendimento do órgão pela publicidade de procedimentos disciplinares já julgados.

— Procedimentos disciplinares são sigilosos enquanto não há julgamento. Depois, eles se tornam públicos. Não impede que dentro dessa publicidade você tenha informações que possam ser tarjadas. Por isso, eu estou falando: eles (o governo Bolsonaro) fizeram essa confusão — disse o ministro, na ocasião.

Depois, em fevereiro, a CGU divulgou novas diretrizes de acesso à informação. Uma das medidas anunciadas determina que sindicâncias envolvendo militares ou civis "são passíveis de acesso público", desde que já tenham sido concluídas. É o caso do processo envolvendo Pazuello.

Procurados, o Exército e Nogueira não se manifestaram sobre a divulgação do procedimento envolvendo Pazuello. (Colaborou Jussara Soares)

Por Daniel Gullino e Patrik Camporez, O Globo — Brasília


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