"O Sepultamento de Cristo" (1603-4), de Caravaggio
Por Lúcia Xavier
Quase todo brasileiro com mais de 40 anos tem uma música de Roberto Carlos que marca algum momento feliz ou triste em sua vida. Há poucos dias, escutei uma velha canção do Roberto, tocada por algum vizinho saudosista e de bom gosto. A música era O Moço Velho, lançada por Roberto Carlos no LP de 1973, na distante fase em que interpretava composições de terceiros. O tom melancólico dessa canção tem um apelo capaz de tirar lágrimas de pedras, de fazer a tristeza ir de zero a cem em menos de um minuto. O Moço Velho é a minha canção do Roberto. Depois de escutá-la distante, nem sei se ouvida ou imaginada, e ficar com ela grudada na mente, resolvi pesquisar o nome do compositor.
Na Internet, me deparei com uma única referência, no site Século Diário, com o título 'Moço velho 2018' (https://www.seculodiario.com.br/colunas/moco-velho-2018). Descobri o autor da música. "O poeta e compositor paulista Sílvio César foi imortalizado por Roberto Carlos na música Moço Velho, de 1973". Confesso, no entanto, que foi surpresa saber que o poema fala sobre o Natal.
"A letra dessa canção retrata diretamente, mesmo sem fazer referência, os festejos de Natal. Traz uma profunda análise interior daqueles que se entristecem ou acham a data muito significativa interiormente. Acima de tudo, a letra mostra uma pessoa triste, mas consciente de sua existência e que, no fim, tudo que faz, tudo que fala, tudo que sente, é 'porque ainda crê no amor'. E o amor é a tônica do Natal", afirma o jornalista. Então "tá", afirmo eu. Não é por isso que a canção desembrulha minhas memórias, mas é válida a interpretação natalina do texto.
O Moço Velho era a canção favorita do meu primeiro namorado, fã de carteirinha de Roberto Carlos. Eu tinha catorze anos e nosso namoro durou somente as férias escolares de final de ano. Meus pais eram contra eu namorar antes de "me formar" nos estudos. Não tiro a razão deles, mas foi eterno enquanto durou nosso namoro de dois meses. Com cabelos loiros escuros, olhos curiosos e sorriso tímido, Marcelo era irmão de uma das minhas colegas de classe na escola. Aos 19 anos, ele já tinha parado de estudar e trabalhava em uma sapataria no centro do Recife. Naquele tempo era comum começar a trabalhar ainda na adolescência, aos 15, 16 anos, às vezes, até menos.
Naquele final de ano, Roberto Carlos lançou um dos últimos discos que considero bons, com as músicas Está Pra Chegar, As Baleias, Tudo Pára, Cama e Mesa e o clássico Emoções. Marcelo levou o novo disco de sua coleção para eu ver a capa. Era 1981 e então era Natal. Marcelo era romântico. Ganhei um perfume e um cartão com uma frase bonita e achei esquisita a palavra "amiúde" - anos se passaram até eu encontrar e reconhecer a frase em um poema de Vinícius de Moraes.
Poucos dias depois do Natal, namoro desfeito.Eu segui meus estudos, "me formei", comecei a trabalhar. Namorei outros. Marcelo seguiu sua vida, casou, teve um filho. Nós nos esquecemos, mas a canção dele eu nunca esqueci. Não pelo fato de termos sido namorados, mas por que a música representava a essência dele. Filho mais velho, interiormente revoltado com a violência doméstica imposta pelo pai à mãe, irmãos e irmãs, Marcelo era incapaz de intervir e isso lhe provocava grande sofrimento. Ele se sentia um moço velho.
Marcelo mudou-se para São Paulo alguns anos depois e foi lá que ele morreu, com cerca de 25 anos. Trabalhava como garçom e, na tentativa de separar uma briga, foi fatalmente esfaqueado. Assim como inúmeras vítimas da violência, Marcelo morreu por acreditar no amor e na conciliação.
E hoje, mais de quarenta depois, é novamente Natal e, seja ou não natalino o significado dessa música, é com ela que desejo a todos um Natal abençoado por Aquele que, nascido ou não em um 25 de dezembro, morreu por crer no Amor.
O MOÇO VELHO (Sílvio César)
Eu sou um livro aberto sem histórias
Um sonho incerto sem memórias
Do meu passado que ficou.
Eu sou um porto amigo sem navios
Um mar, abrigo a muitos rios
Eu sou apenas o que sou
Eu sou alguém livre
Não sou escravo e nunca fui senhor
Eu simplesmente sou um homem
Que ainda crê no amor
Eu sou um velho, um velho moço
Que não viveu cedo
Que não sofreu muito
Mas não morreu tudo
Eu sou alguém livre
Não sou escravo e nunca fui senhor
Eu simplesmente sou um homem
Que ainda crê no amor.
Redação do Blog de Assis Ramalho
É a minha música preferida do Roberto Carlos! E o Sylvio Cesar compôs pensando no próprio Roberto Carlos! Veja entrevista do Sylvio Cesar ao Canal Brasil falando sobre a música: https://youtu.be/jY7kQIxV0dY?si=7tt1Fr8t6ERhUap2
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