Uma ação coordenada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para derrubar grupos bolsonaristas no Telegram desalojou dezenas de milhares de apoiadores de Jair Bolsonaro em meio às manifestações golpistas em vários estados do Brasil.
Desde a última terça-feira, o TSE derrubou uma série de chats que serviam de palco para a disseminação de convocações antidemocráticas, além de fake news, através de decisões mantidas sob sigilo. Além de desmobilizar a base radical do presidente derrotado nas urnas, a medida cria uma situação inédita e insólita para os seus apoiadores.
Isso porque uma série de grupos pró-Bolsonaro foi derrubada de uma só vez, o que prejudicou uma articulação para despistar a Justiça Eleitoral com novos grupos. Exatamente por esse motivo, deixaram muitos bolsonaristas desorientados no momento em que estes chats fervilhavam com os atos a favor de uma intervenção militar em rodovias e quartéis pelo país.
Quatro grupos monitorados pela equipe da coluna há um ano foram derrubados. Ao acessá-los, o Telegram exibe a mensagem “Esta comunidade foi bloqueada no Brasil por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)” ou “Este grupo não pode ser exibido porque violou as leis locais”.
O maior deles, intitulado “Super Grupo B-38 Oficial”, tem 59 mil participantes e era o maior grupo bolsonarista público do Telegram. O grupo quase triplicou de tamanho desde que começou a ser monitorado pela equipe, em 2021 - graças à mobilização da militância radical para pautas como o voto impresso e as manifestações do 7 de setembro nos últimos dois anos.
Procurado, o TSE não informou quantos grupos foram retirados do ar.
Apartados da mobilização digital, apoiadores do presidente sentiram o baque. Silvio Grimaldo, um dos discípulos mais próximos do falecido guru bolsonaristas Olavo de Carvalho, usou o Twitter para atacar a Justiça. “Vejam o TSE! (A) Eleição já foi… Mas a censura ficou”, diz a publicação, que recebeu 25,5 mil curtidas e foi reproduzida mais de 6,5 mil vezes na rede social.
Também entraram na mira perfis oficiais como o da deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL-SP), como também mostramos nesta matéria do blog. O “apagão” lembra o banimento do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após a invasão do Capitólio por seus apoiadores em uma tentativa de impedir a confirmação da vitória do democrata Joe Biden pelo Congresso.
Diferentemente do “case” brasileiro, a medida foi tomada pelas próprias redes sociais, mas ajudou a cessar o clima golpista no país e se estendeu a grupos de teorias conspiratórias extremistas como o QAnon.
Desde a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno, estes grupos foram inundados por apelos por uma intervenção militar. Como mostramos ainda no último domingo, poucas horas após a proclamação do resultado, já havia mensagens de ímpeto golpista em diferentes grupos no Telegram.
Por enquanto, parte da desorientação se explica pela ausência de uma alternativa óbvia. O Telegram, de origem russa, já havia se tornado um refúgio bolsonarista depois que o WhatsApp adotou medidas contundentes contra a desinformação no aplicativo, como limitar a quantidade de vezes que uma mensagem pode ser replicada e detectar com maior precisão a ação de robôs, em 2021.
Além disso, o Telegram tinha uma vantagem estratégica para os bolsonaristas: diferentemente do concorrente WhatsApp, que limita o número de participantes de grupos a 257 membros, não há qualquer restrição na plataforma russa. Por isso, há grupos gigantescos que superam a população de 70% dos municípios brasileiros.
Por esse motivo, o Telegram entrou no centro das atenções - e preocupações - nos meses que antecederam a eleição deste ano. De início, a empresa se recusou a colaborar com as autoridades brasileiras.
Tudo mudou quando, após ameaças de bloqueio nacional pela Justiça, o aplicativo decidiu sentar à mesa com o TSE e aderir ao programa de enfrentamento à desinformação do tribunal.
Desde então, o Telegram atendeu a decisões pontuais do TSE. O próprio B-38 chegou a ser bloqueado em maio, após publicações que levantavam teorias infundadas sobre o sistema eleitoral brasileiro.
Alternativas adotadas pela extrema-direita em países como os EUA, as redes sociais Parler, Gettr e Truth Social se tornaram populares pela ausência de regulação sobre o conteúdo, mas nunca engataram no Brasil, além de não terem o mesmo perfil dos chats de mensagem - estão mais próximas do Twitter, por exemplo.
No Twitter e em grupos do Telegram, bolsonaristas chegaram a convocar seus pares a baixarem o ICQ, chat que fez sucesso no fim dos anos 90 e no início dos anos 2000, hoje remodelado e similar ao WhatsApp. Já há canais pró-Bolsonaro com cerca de 2 mil seguidores, mas camuflados, sem levar o nome do presidente - como “Avengers Brasil”, em referência à saga Os Vingadores, da Marvel.
Os grupos bolsonaristas que não foram derrubados pelo TSE acabaram invadidos por opositores do atual presidente, que passaram a disparar memes em massa, sempre ironizando Bolsonaro, inviabilizando os grupos diante da avalanche de conteúdos. Por esse motivo, alguns chats, como “O Sul do Brasil”, foram fechados pelos administradores até que os novos membros fossem identificados e removidos.
“Gente, marquem os petistas nos grupos. Eu removo todos… EEles estão invadindo os grupos e colocando besteira”, escreveu um moderador.
Ardorosos críticos da Justiça Eleitoral e da política contra desinformação adotada pelas plataformas, Jair Bolsonaro e seus filhos se mantiveram em silêncio sobre a derrubada dos grupos até a publicação deste texto. O assunto sequer foi mencionado nas suas listas oficiais no Telegram. Entre aliados, somente mensagens de desagravo a Carla Zambelli, que viajou aos Estados Unidos para, supostamente, reverter o que chama de censura.
O Globo
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