“As cidades têm que se preparar, não para reverter, porque já está sinalizado em todas as cidades ribeirinhas o nível que a água pode atingir de acordo com a quantidade de vazão liberada. Então, o que precisa é que as cidades cumpram com as normas e não permitam construções ou ocupação da agricultura nessas áreas", ressalta Almacks Luiz Silva (Foto: Reservatório de Itaparica por Lúcia Xavier/Arquivo BlogAR)
Desde o final do ano de 2021, a intensidade das chuvas registradas em toda a bacia do São Francisco, de acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) esteve acima da média, resultando no atual cenário de cheia. O fenômeno natural que não se via há muito tempo é provocado pela combinação de diferentes fatores como a ocorrência da La Niña, o aumento da temperatura dos oceanos e a ocorrência da Zona de Convergência do Atlântico Sul.
A situação de cheia na bacia do São Francisco, bem-vinda para todos que dependem das águas do Velho Chico, emite ainda um alerta importante. De acordo com o secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Almacks Luiz Silva, essa cheia quebra um ciclo histórico de pelo menos quatro outros eventos naturais acontecidos exatamente em intervalos de 30 anos.
“Com essa cheia, já percebemos que o cenário mudou. Em 1919, 1949, 1979 e 2009 ocorreram as grandes cheias em toda a bacia, sem considerar o trecho incremental do rio. Por exemplo, no estado do Pernambuco, há uns 12 anos houve uma grande cheia no rio Ipanema, que nasce no Pernambuco e deságua em Alagoas. Quando ocorre cheia nos rios afluentes, como o Paracatu e outros que estão a jusante de Três Marias, pode também ocorrer nesse trecho incremental, mas não em todo rio. Os afluentes baianos, como o Carinhanha, o Grande e o Corrente podem contribuir com cheias para Sobradinho, mas não no rio todo. É por isso que separamos as grandes cheias das cheias incrementais, e é exatamente nesse aspecto que temos vivenciado uma mudança. Da última cheia, em 2009, para a atual, em 2022, passaram-se 13 anos apenas, muito menos do que os habituais 30 anos, e isso mostra uma tendência de que a bacia tenha, a partir de agora, períodos irregulares de cheia”, explicou.
De acordo com documento elaborado pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), em 1949, antes da construção da hidrelétrica de Sobradinho, o rio São Francisco atingiu uma vazão de 14.983m³/s e, em 1979, ano de inauguração da UHE Sobradinho, a maior cheia que ainda habita a memória de muitos ribeirinhos, atingiu o volume de 17.800 m³/s. A partir daí, com a possibilidade de controle de vazão realizada pela usina, a cheia de 2009 atingiu a vazão de 4.900m³/s.
Para o secretário as cidades devem se adaptar e se preparar para lidar com as mudanças climáticas. “As cidades têm que se preparar, não para reverter, porque já está sinalizado em todas as cidades ribeirinhas o nível que a água pode atingir de acordo com a quantidade de vazão liberada. Então, o que precisa é que as cidades cumpram com as normas e não permitam construções ou ocupação da agricultura nessas áreas. É preciso realizar educação ambiental de modo a conscientizar as pessoas de que as áreas inundáveis pertencem ao rio e quando ele enche, tudo volta a ser ocupado pelas águas”, pontuou.
No final do ano passado, o estudo “Avaliação de Secas na Bacia do Rio São Francisco por meio de Índices Terrestres e de Satélite”, publicado pelo periódico suíço Remote Sensig, mostrou que a bacia hidrográfica do Rio São Francisco já havia perdido, em 35 anos, mais de 30 mil hectares de superfície com água. O dado científico é perceptível para quem lida com o Velho Chico rotineiramente. É o caso do balseiro Ildeu Novais Pinto. Com 96 anos, navegou desde cedo com o pai pelo rio São Francisco e lembra que as chuvas que ocorriam com mais frequência, agora acontecem menos, mas com maior intensidade. “Dos meus tempos, quando navegava com meu pai com a barca de Paracatu a Pirapora, as chuvas eram constantes, mas elas se espaçaram muito, dando muito tempo ao sol para fazer o aquecimento da terra. As chuvas diminuíram muito e hoje há uma diferença extraordinária em relação a temperatura”.
Esforços das Nações sobre o clima
Eventos extremos têm acontecido em todo o planeta e, assim como se falava há exatamente meio século, mais problemas devem se consolidar no dia-a-dia da humanidade, que já convive com secas extremas, períodos intensos de chuva, aumento de temperatura, entre muitos outros eventos climáticos.
Depois do primeiro passo dado, outros eventos se seguiram. Em 1987, foi assinado o Protocolo de Montreal, sobre substâncias que destroem a camada de ozônio. Em 1992, a ONU organizou a Conferência das Nações Unidas (Rio 92 ou ECO 92), que discutiu sobre clima, água, transporte coletivo, turismo ecológico e reciclagem. Realizada na cidade do Rio de Janeiro, a conferência reuniu 172 países e reconheceu que os problemas, antes de abrangência local, passaram a se tornar globais. Neste momento foi criada a Agenda 21 que, entre outras propostas, estipulou a mudança nos padrões de consumo e o combate ao desflorestamento.
Já em 1997, foi assinado no Japão o Protocolo de Kyoto, que visava a redução das emissões de gases do efeito estufa. O Brasil foi um dos 175 países que assinaram e ratificaram o acordo que passou a valer a partir de 2004. Já em 2002, aconteceu na África do Sul a Rio +10, também conhecida como Cúpula de Joanesburgo ou Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, que destacou, entre outros aspectos, a promoção do acesso à água potável e melhoria do saneamento básico para atender as populações.
Vinte anos depois da Rio 92, aconteceu no Brasil, em 2012, a Rio +20, também conhecida como Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, reunindo 193 países-membros da ONU. Neste evento se originou o documento que ficou conhecido como “O futuro que queremos” e nele, entre outros aspectos, se propunha proteger os recursos naturais, mudar os modos de consumo e promover o crescimento econômico sustentável. Para o ambientalista Antônio Jackson Borges Lima, uma questão fundamental no processo de mudanças na bacia é também a preservação dos aquíferos. “Os aquíferos mantêm o rio vivo em tempo de seca. São eles que sustentam as nascentes e quando há uma exploração excessiva, aí temos, também, graves consequências para a bacia, como um todo”, alertou.
Em 2015, sucedendo o Protocolo de Kyoto, o Acordo de Paris teve o objetivo de propor a redução das emissões de gases de efeito estufa na camada de ozônio, e manter o aumento da temperatura do planeta abaixo de 2ºC. O acordo foi aprovado por 195 países em 2015, incluindo o Brasil. Mesmo mediante todos os esforços, a temperatura média do planeta no período entre 2021 e 2025 pode se tornar maior em relação ao período de 2016 a 2020, significando o mais quente da história desde a era pré-industrial, de acordo com relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que aponta ainda uma probabilidade de 80% de que a média dos próximos cinco anos seja superior à dos últimos cinco.
O meteorologista Humberto Barbosa ressalta que, globalmente, 2021 foi o sexto ano mais quente já registrado para temperaturas de superfície, de acordo com dados divulgados pela NASA e pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica em seu relatório anual sobre o clima global, em 13 de janeiro de 2022. “Além disso, as temperaturas do oceano estabeleceram um novo calor recorde em 2021. Os oceanos do mundo estão mais quentes do que nunca, e seu calor tem aumentado a cada década desde a década de 1960. Este aumento implacável é um indicador primário da mudança climática induzida pelo homem. À medida que os oceanos aquecem, seu calor sobrecarrega os sistemas climáticos, criando tempestades e furacões mais severos e chuvas mais intensas. Isso ameaça a vida humana e os meios de subsistência, bem como a vida marinha”, afirmou.
Assessoria de Comunicação CBHSF
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