A segunda pessoa imunizada no município foi o Indígena Entre Serras Pankararu José João da Silva. Foto: Assis Ramalho/BlogAR
O início da vacinação contra a Covid-19 no Brasil completa um ano na segunda-feira (17). Horas após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar o uso emergencial dos imunizantes CoronaVac e AstraZeneca, no dia 19 de janeiro de 2021, o município de Petrolândia começou a vacinar profissionais de saúde e indígenas.
A primeira a receber a vacina em Petrolândia foi a técnica em enfermagem Maria Ivete Gomes da Silva em evento realizado no Hospital Municipal Dr Francisco Simões de Lima.
As vacinas foram aplicadas pela Técnica de enfermagem Priscila.
Para celebrar um ano da vacina contra a Covid-19 no Brasil, a Fiocruz fez o seguinte relato: VEJA ABAIXO
Blog de Assis Ramalho
Com/Filipe Leonel (Ensp/Fiocruz)
O início da vacinação contra a Covid-19 no Brasil completa um ano na segunda-feira (17). Horas após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar o uso emergencial dos imunizantes CoronaVac e AstraZeneca, no dia 19 de janeiro de 2021, o município de Petrolândia começou a vacinar profissionais de saúde e indígenas.
A segunda pessoa imunizada no município foi o Indígena Entre Serras Pankararu José João da Silva, de 70 anos, também vacinado no mesmo evento de abertura de vacinação contra a Covid-19.
Para celebrar um ano da vacina contra a Covid-19 no Brasil, a Fiocruz fez o seguinte relato: VEJA ABAIXO
Há exatos doze meses, o Brasil iniciava a vacinação contra a Covid-19 com sua aplicação em uma profissional de Saúde no estado de São Paulo. O país chega, neste 17 de janeiro de 2022, com uma alta de casos de Covid-19 em virtude da rápida proliferação da variante Ômicron, entretanto, com a certeza da efetividade do imunizante na redução de casos mais graves da doença e da mortalidade. Apesar do avanço da cobertura ao longo desse período, especialistas reforçam a importância do passaporte vacinal como uma política pública de estímulo à vacinação e à proteção coletiva, além de enfatizarem ser fundamental a manutenção de outras medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras, higienização das mãos e distanciamento físico e social. E endossam: o elevado número de mortes e o colapso no sistema de saúde de 2021 poderiam ter sido evitados se o país tivesse se preparado corretamente e antecipado a aquisição das vacinas.
Em um ano, o Brasil registra 78,8% da população vacinada com a primeira dose e 68% totalmente imunizada (com duas doses ou dose única). Embora ainda não seja a cobertura suficiente em termos de saúde pública para um cenário de total segurança, a campanha pode ser considerada um sucesso.
“Por ter sido direcionada a adultos, a vacinação contra a Covid-19 é extremamente exitosa, pois nosso histórico de sucesso nas campanhas é muito maior em crianças. Quando convocamos adultos para vacinar, como no caso da influenza, tivemos números parecidos com os que temos agora na Covid-19, que foi o melhor que conseguimos apesar do posicionamento controverso de algumas autoridades”, reconhece o pesquisador Luiz Antônio Bastos Camacho, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fiocruz.
A epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, reforça. “Não resta dúvidas do grande avanço e da adesão importante, o que mostra que a população brasileira acredita nas vacinas e no PNI. E falamos de uma campanha com um ano de duração. Se tivéssemos vacinas num curto prazo, poderíamos ter alcançado - já há algum tempo - os indicadores de hoje, porque a população queria ser vacinada; faltaram, porém, doses em quantidade suficiente.”
Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, enalteceu a qualidade, a eficácia e a segurança das vacinas, uma vez que foram realizados diversos estudos de fase 3, cujos resultados mostraram o percentual de eficácia, quantas doses devem ser aplicadas, além da avaliação de eventuais reações adversas. “Tivemos um embate permanente na condução da pandemia. Até em relação às vacinas. O país foi local de desenvolvimento de estudos de fase 3 de grande qualidade, mas não compramos vacinas no momento certo. E isso gerou muitas cicatrizes e sequelas na nossa alma. Entramos em mais um ano de pandemia conseguindo vacinar um percentual importante da população no Brasil. Ainda não é o desejável, mas aprendemos muito”, disse a médica e primeira brasileira a se vacinar com a Astrazeneca, no dia 24 de janeiro.
A efetividade da vacina contra a Covid-19 vem sendo observada pelo Observatório Covid-19 da Fiocruz desde o início da campanha. As análises da plataforma mostraram impacto muito positivo na redução das internações e da mortalidade em idosos, os quais constituíam o grupo prioritário para a primeira e segunda doses naquele momento. Com a ampliação da vacinação para adultos, conforme revelou o coordenador Carlos Machado, houve redução do impacto, tanto no número de casos como nas internações e óbitos para esse público. A próxima avaliação contemplará os adolescentes. “Em primeiro lugar, a vacinação, como uma medida de saúde pública, foi fundamental na redução da transmissão e da evolução da doença para quadros críticos e óbitos. A estratégia da vacinação foi fundamental, e, se tivéssemos mais vacinas desde o início, certamente, a mortalidade seria menor e teríamos evitado um colapso no sistema de saúde como aquele que presenciamos entre março e julho do ano passado”, lembrou o pesquisador.
André Périssé, da Ensp/Fiocruz, também concorda que a aquisição antecipada das vacinas teria facilitado toda a logística de distribuição, principalmente pela experiência acumulada pelo PNI. “Se o governo tivesse adquirido antes, não teríamos presenciado aquela confusão dos seis meses iniciais. E isso teria feito a grande diferença, pois, com a estrutura montada do PNI, teríamos vacinado como na época do H1N1. A logística e o pessoal deram conta a partir do momento em que o país teve uma regularidade na vacina. Desse momento em diante, o SUS deu conta. Portanto, se tivéssemos um planejamento adequado, teríamos, sim, estrutura para avançar mais. E muitas mortes teriam sido evitadas.”
Efetividade
Um estudo conduzido pelo pesquisador Daniel Villela, coordenador do Programa de Computação Científica da Fiocruz (Procc/Fiocruz), comprovou o benefício da vacinação contra o vírus Sars-CoV-2 na prevenção de casos graves e óbitos por Covid-19. Ao analisar adultos com esquema completo de imunização, os valores estimados de efetividade da vacina AstraZeneca apontam que a prevenção de casos graves e óbitos está entre 80% e 90%. Em relação à vacina CoronaVac, também considerando o esquema completo de duas doses, para casos graves e óbitos, os valores de efetividade estão na faixa entre 70% e 90%, enquanto a efetividade da Pfizer é de 80% a 90% com imunização parcial, ou seja, primeira dose, para adultos jovens (20 até 39 anos e 40 até 59 anos).
“O efeito é amplamente positivo quando se observa estudos de efetividade, principalmente na comparação do número de casos e óbitos entre vacinados e não vacinados, como mostra o estudo. A vacinação é o meio mais efetivo de controle da Covid-19. Se formos pensar em grupos mais vulneráveis, incluindo os idosos, a imunização foi muito importante para evitar uma série de óbitos, ou seja, salvar vidas e reduzir internações”, reconhece o autor do estudo.
“Agora, um ano depois do início da vacinação, observamos, na prática, a redução das internações e da mortalidade. E isso é o estudo da vida real; não um estudo clínico. É o estudo da vida”, completou Périssé.
Fake news
Levantamento feito pelo aplicativo Eu Fiscalizo, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, entre 26 de março de 2020 e 31 de março de 2021, revelou que, entre as notícias falsas sobre a Covid-19 que circulam na internet, 19,8% eram sobre as vacinas. O aplicativo, desenvolvido para que usuários notifiquem conteúdos impróprios em veículos de comunicação, mídias sociais e whatsapp, mostrou ainda que o meio digital mais usado para a divulgação de conteúdo falso sobre as vacinas foi o Instagram (46%), seguido pelo WhatsApp (24%), Facebook (14%), sites 12% e Twitter (4%).
Esse tipo de desinformação vem dando fôlego ao movimento antivacina. O discurso dos adeptos baseia-se, principalmente, no negacionismo científico, com argumentos sem evidências concretas que utilizam informações falsas ou retiradas do contexto sobre a vacinação. A liberdade individual usada em defesa desse discurso foi analisada pelo pesquisador Sergio Rego, da Ensp/Fiocruz. Ele, que coordena o GT de Bioética da Abrasco, cita John Stuart Mill, um dos filósofos mais influentes em língua inglesa e um dos ícones do pensamento liberal mundial, no seu clássico livro On Liberty, que fez o seguinte questionamento: “Qual é, então, o limite correto para a soberania do indivíduo sobre si mesmo? Onde começa a autoridade da sociedade?”.
“Mill deixa claro, neste seu ensaio, que o limite aceitável à liberdade individual é quando as ações dela decorrentes provocarem danos a outras pessoas. Assim, de acordo com o liberalismo por ele defendido, um indivíduo não poderia simplesmente deixar de fazer algo, ou fazer algo, se isso afetar negativamente os interesses da sociedade”, disse Sergio - que completou. “Assim, considerando-se a questão da compulsoriedade (ou não) de se vacinar indivíduos através de recursos que comprovadamente têm demonstrado ter capacidade de prevenir e atenuar os efeitos nocivos para a saúde humana do vírus Sars-Cov-2, não me resta dúvidas de que todos que desejem viver em sociedade devem se submeter a uma regra que impeça danos a outros. Se fosse possível assegurar que os que se opõem à vacinação ficariam, voluntariamente e em defesa de sua liberdade, confinados em ambientes sem contato com outros humanos, talvez essa fosse uma opção a ser considerada. Mas essa possibilidade não existe”, completou o professor do Programa de Bioética da Fiocruz/UFRJ/UFF/Uerj.
As fake news e a avalanche de desinformações provocadas por esse fenômeno também atingiram populações vulneráveis como os indígenas. A ampla disseminação impactou diretamente a vacinação nessa população, principalmente pelo discurso de algumas autoridades. “As fake news tiveram rápida e ampla disseminação entre as populações indígenas. E pode ter sido um fator importante para as recusas que observamos em comunidades inteiras, pois elas enviaram cartas dizendo que aceitavam qualquer vacina, menos a da Covid-19. Esse é um dano muito grave, principalmente considerando que as falas questionando a imunização vieram de autoridades”, disse Ana Lúcia Pontes, pesquisadora da Ensp/Fiocruz e coordenadora do GT de Saúde Indígena da Abrasco.
Apesar do dano provocado pelas fake news e a lentidão na campanha, a pesquisadora ressalta a importância das mulheres e de toda rede de movimento indígena na produção de documentos reivindicando a vacinação. “O lugar das mulheres nessa questão foi essencial, porque elas tomaram a liderança para falar das vacinas assumindo todo o cuidado com seu povo, com as crianças e as futuras gerações. ”E completou. “Normalmente, as campanhas de vacinação, em áreas indígenas, são muito bem-sucedidas, até pelo histórico das doenças transmissíveis e das mortes provocadas. No caso da Covid-19, houve muita lentidão. Vimos essa marca de uma resposta mal programada, mal planejada, com grande lentidão e coberturas muito aquém do necessário em algumas regiões.”
Desafios
O país chega, neste primeiro ano de vacinação, celebrando a aprovação do registro do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), que possibilitará a produção e distribuição de uma vacina 100% nacional para a Covid-19 e iniciando a vacinação nas crianças de 5 a 11 anos para ampliação da cobertura. Para 2022, os pesquisadores destacam a necessidade da manutenção das medidas não farmacológicas de prevenção do vírus, além da exigência do passaporte vacinal e de diminuição da heterogeneidade na cobertura.
“O atual momento nos coloca a necessidade de combinar a imunização com outras medidas de proteção sociais e de saúde pública, como o passaporte de vacinas, evitar grandes eventos, privilegiar lugares ventilados e a exigência do uso de máscaras em locais públicos, além da higienização das mãos, manutenção do distanciamento físico e social e uma política de testagem que possibilite a distribuição gratuita do autoteste para a população. A vacinação tem papel fundamental, e o quadro seria outro, em termos de mortalidade, morbidade e impacto no sistema de saúde em sua totalidade. Ainda assim, deve ser combinada a outras medidas de proteção e saúde pública”, reforçou Carlos Machado.
A ex-coordenadora do PNI e o pesquisador Camacho cobraram mais ações governamentais para a ampliação da cobertura. “Quando nos debruçamos nos dados do final de 2021, identificamos que só 16% dos municípios tinham cobertura vacinal completa acima de 80%, o que mostra uma heterogeneidade muito grande. Apesar de avançarmos, ainda há iniquidade no acesso à vacina. E precisamos entender se essa diferença é pela falta de acesso à vacina ou se trata do resultado dos grupos antivacina se estabelecendo pelo país. O Ministério da Saúde deveria procurar saber o que está acontecendo e fortalecer a comunicação com a população, fazendo-a entender que estamos diante de uma vacina eficaz e segura”, cobrou Domingues.
“Temos um diferencial para Covid-19 que é o passaporte da vacina. Apesar de não ser comum em outras campanhas, é o caminho. Já esgotamos as alternativas de persuasão e, agora, temos que exercer outras formas de pressão, pois a situação é complicada. Não é tornar a vacinação obrigatória, mas cobrar o passaporte”, aconselha Camacho.
Em um ano, o Brasil registra 78,8% da população vacinada com a primeira dose e 68% totalmente imunizada (com duas doses ou dose única). Embora ainda não seja a cobertura suficiente em termos de saúde pública para um cenário de total segurança, a campanha pode ser considerada um sucesso.
“Por ter sido direcionada a adultos, a vacinação contra a Covid-19 é extremamente exitosa, pois nosso histórico de sucesso nas campanhas é muito maior em crianças. Quando convocamos adultos para vacinar, como no caso da influenza, tivemos números parecidos com os que temos agora na Covid-19, que foi o melhor que conseguimos apesar do posicionamento controverso de algumas autoridades”, reconhece o pesquisador Luiz Antônio Bastos Camacho, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fiocruz.
A epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, reforça. “Não resta dúvidas do grande avanço e da adesão importante, o que mostra que a população brasileira acredita nas vacinas e no PNI. E falamos de uma campanha com um ano de duração. Se tivéssemos vacinas num curto prazo, poderíamos ter alcançado - já há algum tempo - os indicadores de hoje, porque a população queria ser vacinada; faltaram, porém, doses em quantidade suficiente.”
Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, enalteceu a qualidade, a eficácia e a segurança das vacinas, uma vez que foram realizados diversos estudos de fase 3, cujos resultados mostraram o percentual de eficácia, quantas doses devem ser aplicadas, além da avaliação de eventuais reações adversas. “Tivemos um embate permanente na condução da pandemia. Até em relação às vacinas. O país foi local de desenvolvimento de estudos de fase 3 de grande qualidade, mas não compramos vacinas no momento certo. E isso gerou muitas cicatrizes e sequelas na nossa alma. Entramos em mais um ano de pandemia conseguindo vacinar um percentual importante da população no Brasil. Ainda não é o desejável, mas aprendemos muito”, disse a médica e primeira brasileira a se vacinar com a Astrazeneca, no dia 24 de janeiro.
A efetividade da vacina contra a Covid-19 vem sendo observada pelo Observatório Covid-19 da Fiocruz desde o início da campanha. As análises da plataforma mostraram impacto muito positivo na redução das internações e da mortalidade em idosos, os quais constituíam o grupo prioritário para a primeira e segunda doses naquele momento. Com a ampliação da vacinação para adultos, conforme revelou o coordenador Carlos Machado, houve redução do impacto, tanto no número de casos como nas internações e óbitos para esse público. A próxima avaliação contemplará os adolescentes. “Em primeiro lugar, a vacinação, como uma medida de saúde pública, foi fundamental na redução da transmissão e da evolução da doença para quadros críticos e óbitos. A estratégia da vacinação foi fundamental, e, se tivéssemos mais vacinas desde o início, certamente, a mortalidade seria menor e teríamos evitado um colapso no sistema de saúde como aquele que presenciamos entre março e julho do ano passado”, lembrou o pesquisador.
André Périssé, da Ensp/Fiocruz, também concorda que a aquisição antecipada das vacinas teria facilitado toda a logística de distribuição, principalmente pela experiência acumulada pelo PNI. “Se o governo tivesse adquirido antes, não teríamos presenciado aquela confusão dos seis meses iniciais. E isso teria feito a grande diferença, pois, com a estrutura montada do PNI, teríamos vacinado como na época do H1N1. A logística e o pessoal deram conta a partir do momento em que o país teve uma regularidade na vacina. Desse momento em diante, o SUS deu conta. Portanto, se tivéssemos um planejamento adequado, teríamos, sim, estrutura para avançar mais. E muitas mortes teriam sido evitadas.”
Efetividade
Um estudo conduzido pelo pesquisador Daniel Villela, coordenador do Programa de Computação Científica da Fiocruz (Procc/Fiocruz), comprovou o benefício da vacinação contra o vírus Sars-CoV-2 na prevenção de casos graves e óbitos por Covid-19. Ao analisar adultos com esquema completo de imunização, os valores estimados de efetividade da vacina AstraZeneca apontam que a prevenção de casos graves e óbitos está entre 80% e 90%. Em relação à vacina CoronaVac, também considerando o esquema completo de duas doses, para casos graves e óbitos, os valores de efetividade estão na faixa entre 70% e 90%, enquanto a efetividade da Pfizer é de 80% a 90% com imunização parcial, ou seja, primeira dose, para adultos jovens (20 até 39 anos e 40 até 59 anos).
“O efeito é amplamente positivo quando se observa estudos de efetividade, principalmente na comparação do número de casos e óbitos entre vacinados e não vacinados, como mostra o estudo. A vacinação é o meio mais efetivo de controle da Covid-19. Se formos pensar em grupos mais vulneráveis, incluindo os idosos, a imunização foi muito importante para evitar uma série de óbitos, ou seja, salvar vidas e reduzir internações”, reconhece o autor do estudo.
“Agora, um ano depois do início da vacinação, observamos, na prática, a redução das internações e da mortalidade. E isso é o estudo da vida real; não um estudo clínico. É o estudo da vida”, completou Périssé.
Fake news
Levantamento feito pelo aplicativo Eu Fiscalizo, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, entre 26 de março de 2020 e 31 de março de 2021, revelou que, entre as notícias falsas sobre a Covid-19 que circulam na internet, 19,8% eram sobre as vacinas. O aplicativo, desenvolvido para que usuários notifiquem conteúdos impróprios em veículos de comunicação, mídias sociais e whatsapp, mostrou ainda que o meio digital mais usado para a divulgação de conteúdo falso sobre as vacinas foi o Instagram (46%), seguido pelo WhatsApp (24%), Facebook (14%), sites 12% e Twitter (4%).
Esse tipo de desinformação vem dando fôlego ao movimento antivacina. O discurso dos adeptos baseia-se, principalmente, no negacionismo científico, com argumentos sem evidências concretas que utilizam informações falsas ou retiradas do contexto sobre a vacinação. A liberdade individual usada em defesa desse discurso foi analisada pelo pesquisador Sergio Rego, da Ensp/Fiocruz. Ele, que coordena o GT de Bioética da Abrasco, cita John Stuart Mill, um dos filósofos mais influentes em língua inglesa e um dos ícones do pensamento liberal mundial, no seu clássico livro On Liberty, que fez o seguinte questionamento: “Qual é, então, o limite correto para a soberania do indivíduo sobre si mesmo? Onde começa a autoridade da sociedade?”.
“Mill deixa claro, neste seu ensaio, que o limite aceitável à liberdade individual é quando as ações dela decorrentes provocarem danos a outras pessoas. Assim, de acordo com o liberalismo por ele defendido, um indivíduo não poderia simplesmente deixar de fazer algo, ou fazer algo, se isso afetar negativamente os interesses da sociedade”, disse Sergio - que completou. “Assim, considerando-se a questão da compulsoriedade (ou não) de se vacinar indivíduos através de recursos que comprovadamente têm demonstrado ter capacidade de prevenir e atenuar os efeitos nocivos para a saúde humana do vírus Sars-Cov-2, não me resta dúvidas de que todos que desejem viver em sociedade devem se submeter a uma regra que impeça danos a outros. Se fosse possível assegurar que os que se opõem à vacinação ficariam, voluntariamente e em defesa de sua liberdade, confinados em ambientes sem contato com outros humanos, talvez essa fosse uma opção a ser considerada. Mas essa possibilidade não existe”, completou o professor do Programa de Bioética da Fiocruz/UFRJ/UFF/Uerj.
As fake news e a avalanche de desinformações provocadas por esse fenômeno também atingiram populações vulneráveis como os indígenas. A ampla disseminação impactou diretamente a vacinação nessa população, principalmente pelo discurso de algumas autoridades. “As fake news tiveram rápida e ampla disseminação entre as populações indígenas. E pode ter sido um fator importante para as recusas que observamos em comunidades inteiras, pois elas enviaram cartas dizendo que aceitavam qualquer vacina, menos a da Covid-19. Esse é um dano muito grave, principalmente considerando que as falas questionando a imunização vieram de autoridades”, disse Ana Lúcia Pontes, pesquisadora da Ensp/Fiocruz e coordenadora do GT de Saúde Indígena da Abrasco.
Apesar do dano provocado pelas fake news e a lentidão na campanha, a pesquisadora ressalta a importância das mulheres e de toda rede de movimento indígena na produção de documentos reivindicando a vacinação. “O lugar das mulheres nessa questão foi essencial, porque elas tomaram a liderança para falar das vacinas assumindo todo o cuidado com seu povo, com as crianças e as futuras gerações. ”E completou. “Normalmente, as campanhas de vacinação, em áreas indígenas, são muito bem-sucedidas, até pelo histórico das doenças transmissíveis e das mortes provocadas. No caso da Covid-19, houve muita lentidão. Vimos essa marca de uma resposta mal programada, mal planejada, com grande lentidão e coberturas muito aquém do necessário em algumas regiões.”
Desafios
O país chega, neste primeiro ano de vacinação, celebrando a aprovação do registro do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), que possibilitará a produção e distribuição de uma vacina 100% nacional para a Covid-19 e iniciando a vacinação nas crianças de 5 a 11 anos para ampliação da cobertura. Para 2022, os pesquisadores destacam a necessidade da manutenção das medidas não farmacológicas de prevenção do vírus, além da exigência do passaporte vacinal e de diminuição da heterogeneidade na cobertura.
“O atual momento nos coloca a necessidade de combinar a imunização com outras medidas de proteção sociais e de saúde pública, como o passaporte de vacinas, evitar grandes eventos, privilegiar lugares ventilados e a exigência do uso de máscaras em locais públicos, além da higienização das mãos, manutenção do distanciamento físico e social e uma política de testagem que possibilite a distribuição gratuita do autoteste para a população. A vacinação tem papel fundamental, e o quadro seria outro, em termos de mortalidade, morbidade e impacto no sistema de saúde em sua totalidade. Ainda assim, deve ser combinada a outras medidas de proteção e saúde pública”, reforçou Carlos Machado.
A ex-coordenadora do PNI e o pesquisador Camacho cobraram mais ações governamentais para a ampliação da cobertura. “Quando nos debruçamos nos dados do final de 2021, identificamos que só 16% dos municípios tinham cobertura vacinal completa acima de 80%, o que mostra uma heterogeneidade muito grande. Apesar de avançarmos, ainda há iniquidade no acesso à vacina. E precisamos entender se essa diferença é pela falta de acesso à vacina ou se trata do resultado dos grupos antivacina se estabelecendo pelo país. O Ministério da Saúde deveria procurar saber o que está acontecendo e fortalecer a comunicação com a população, fazendo-a entender que estamos diante de uma vacina eficaz e segura”, cobrou Domingues.
“Temos um diferencial para Covid-19 que é o passaporte da vacina. Apesar de não ser comum em outras campanhas, é o caminho. Já esgotamos as alternativas de persuasão e, agora, temos que exercer outras formas de pressão, pois a situação é complicada. Não é tornar a vacinação obrigatória, mas cobrar o passaporte”, aconselha Camacho.
Com/Filipe Leonel (Ensp/Fiocruz)
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