segunda-feira, outubro 18, 2021

Petrolândia: Banco de Horas: O Projeto, a polêmica e a recuada



Por Daniel Filho

O projeto de lei apresentado pelo prefeito de Petrolândia, sertão de Pernambuco, Fabiano Marques (REPUBLICANOS), buscou implantar para o serviço público o que é próprio da iniciativa privada: o banco de horas. Do que tratava o projeto? Quem levaria vantagem? Quem perderia? Qual o papel do cidadão, sindicato e dos vereadores nessa discussão? Se a ideia era boa, porque o recuo?

A seguir tentamos elucidar essas questões ponto a ponto.

PROJETO DE LEI

A princípio soa vantajoso ao trabalhador que, por vezes, pode ficar no local de trabalho com tempo ocioso (seja por falta de demanda, de matéria prima) e, em vez de apenas “cumprir horário” converter esse tempo em horas que poderão ser convertidos em mais tempo de folga para descanso físico e mental. É, inclusive, essa justificativa que o projeto apresenta no formato “copia e cola” da plataforma “Ponto tel” (você pode conferir e comparar clicando no link ao final desse artigo) que aponta apenas os benefícios para essa modalidade.

O problema inicia aqui. Primeiro em confundir os conceitos e finalidades da gestão do que é público e privado. Simplificando, a finalidade da iniciativa privada é a busca do lucro, da gestão pública é gerir os recursos para ofertar o melhor serviço a todos sem discriminação, especialmente aos que não podem pagar pelo serviço privado. Segundo por simplesmente copiar um argumento sem adequar à realidade do município, dos seus servidores, da população.

O projeto, escrito para grandes empresas e indústrias, deixa aberturas graves para precarização do serviço, fim do pagamento de horas extras (muitas vezes a única forma do servidor aumentar minimamente sua renda), assédio moral, fim ou redução drástica de vagas para concursos públicos.

O QUE SÃO OS BANCOS DE HORAS?

Uma possibilidade para além do pagamento de hora extra surgiu com a lei 9.601/98, governo Fernando Henrique Cardoso, num cenário de grande recessão onde tal flexibilização visava impedir demissões em massa, mesmo assim essa flexibilização previa que fosse feita através de acordo coletivo e negociada com o sindicato da categoria para que ninguém fosse lesado e, juridicamente, empregador e empregado estivessem acobertados.

Com uma flexibilização ainda maior vinda na reforma trabalhista de 2017, governo Michel Temer, a situação se agravou, pois permitia que o acordo fosse feito diretamente entre empregador e empregado, não exigindo mais da empresa que haja acordo coletivo ou negociação com sindicato.

COMO SERIA EM PETROLÂNDIA PARA OS SERVIDORES PÚBLICOS

O texto que seria enviado para aprovação já na próxima segunda-feira (18) continha retrocessos graves e diversas aberturas para excessos e assédio moral aos servidores concursados e contratados.

Citando alguns:

O art.4 daria abertura para a convocação de trabalhadores em qualquer horário e dia sob a perspectiva de se substituir essas horas a mais por horas de folga. Em pouco tempo a prática facilmente se converteria em excessos e desgaste físico e mental do trabalhador que não teria mais sequer o direito de planejar seu descanso. Leia-se:

“Art. 4º - O instituto da compensação de jornada consiste na ampliação, na redução ou na supressão da jornada (...)em decorrência da conveniência ou da necessidade do serviço público ou do servidor.”

E continua ainda pior no quarto parágrafo:

“§ 4º - Ocorrendo necessidade imperiosa, poderá a duração do trabalho exceder do limite legal ou convencionado(...)para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis”.

O que se considerasse “serviço inadiável” fica aberto, podendo, mais uma vez, haver excessos dos chefes imediatos que o próprio projeto especifica: “chefes imediatos os servidores municipais formalmente responsáveis pelas unidades administrativas, seus substitutos ou interinos, ou ainda os servidores que receberam essa delegação”.

O QUE NÃO TEM NADA DE BOM AINDA PODE PIORAR

Compreende-se “acordo entre servidor e chefe” brecha para assédio moral. Em tempos de desemprego, que contratado ousa discutir uma imposição (ainda que velada) para que se trabalhe em um sábado ou feriado, ou mesmo trabalhar duas horas a mais do expediente atrapalhando planejamentos familiares ou mesmo seu momento de descanso, por exemplo? O artigo 16 deixa claro o desrespeito ao princípio de quando o banco de horas foi criado, onde deveria haver acordo coletivo e discussão com sindicato troca-se por relação direta entre chefe e subordinado:

Art. 16 - As horas-folgas poderão ser concedidas mediante solicitação prévia e escrita pelo servidor, após autorização expressa da chefia imediata.

Na prática trabalhadores do setor de limpeza urbana, saneamento, motoristas seriam os mais prejudicados. Ouvimos relato de um servidor que prefere manter o anonimato:

“Antigamente a gente fazia muita hora extra e funcionava quase como que gratificação. Era um dinheiro que a gente podia contar para melhorar a renda da família. Agora reduziu muito, trabalho aumentou mais e as condições diminuíram. Quando entope uma rede de esgoto, não tem dia e hora certa pra gente, você é convocado e tem que ir independente da hora e dia. Já cheguei a trabalhar no sábado à noite e não ver incluso nem adicional noturno. É 50% da hora e pronto. Aí agora querem vir com essa conversa de trabalhar para trocar por folga? É da vez que boto pra denunciar tudo que acontece de errado com a gente.” Declarou o servidor... Se a lei fosse aprovada na próxima reunião “legalizaria” e acobertaria os abusos que gestões anteriores traziam e que a atual mantém acirrando ainda mais.

OUTROS DETALHES

Quando grandes empresas e indústrias, via acordos coletivos, implementam o banco de horas, junto vem a modernização do ponto para que a computação dessas horas seja disposta de forma transparente a empregadores, empregados e sindicatos. O projeto não prevê essa modernização dificultando a fiscalização da aplicação do direito.

Outro ponto se trata da ampliação de jornada “sempre que o serviço público exigir”. Petrolândia há anos não realiza concurso público e sempre conseguiu justificar por sempre estar acima do limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que limita o gasto com salário de servidor público. Com esse trecho da lei haverá mais trabalho para cada vez menos pessoas realizarem, consequentemente menos postos de trabalhos que deveriam ser preenchidos exclusivamente via concurso público.

CÂMARA DE VEREADORES: O QUE PODERIAM FAZER?


A Câmara recebeu esse projeto para ser apreciado ontem (15). Estudar e debater o documento significa perceber falhas no texto, propor emendas que corrija desigualdades, vetar excertos ou mesmo a proposta por completo, sempre ouvindo a base, servidores, sindicatos e população.

Sobre esse projeto de lei específico, de extrema importância para os rumos da gestão e da vida da população em geral, participaram apenas três vereadores da reunião de apreciação para ouvir os técnicos e sindicato sobre seu teor. Dois de oposição: Técio (PSB) e Said (PODEMOS) e um da situação que, segundo fontes, se ausentou na metade da reunião, Fabrício Cavalcanti (PTB). Com o recuo do prefeito já se pode ler e ouvir declarações de vereadores dizendo que “iriam votar contra”. Claramente evitando indisposição com parte da base de eleitores, mas a ausência na apreciação mostra que não seria bem assim. Foi a polêmica impulsionada pelas redes sociais e o clamor popular que forçaram o recuo. Mais uma vez o poder legislativo não agiu como deveria (independente de ser, estar na oposição ou situação).

RECUADA

A repercussão negativa, o alvoroço em se aprovar algo polêmico de forma rápida sem tempo para debate ou reivindicações gerou polêmica e descontentamento, principalmente entre muitos dos servidores que foram eleitores e apoiadores do prefeito fizeram Fabiano recuar.

No ato de inauguração da praça da Quadra 5 aproveitou para acalmar os ânimos das servidoras e servidores, fazendo questão de especificar algumas das categorias que seriam mais prejudicadas, afirmando, em vídeo, que retiraria o projeto de lei da pauta e “daria mais tempo” para adequá-lo (assista ao vídeo):


Sindicatos e servidores “conquistaram” apenas não retroceder ainda mais no que se refere a direitos trabalhistas, muito mais inflamado pelas redes sociais do que pelas ações coletivas e manifestações de rua e redes que pede o movimento sindical. É preciso estar atentos e cobrando transparência dos poderes executivo e legislativo, para que em algum outro momento no futuro, no fechar das portas e apagar das luzes, seus direitos não sejam banidos sem tempo para “retirada”.

Por Daniel Filho

O Blog e Canal Gota D’Água estão abertos para pronunciamento de todos os citados no artigo de opinião.

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