Por Marcelo Tognozzi*
Michel Temer vem de longe. Em 1987 desembarcou em Brasília como suplente de deputado num Congresso focado em escrever a futura Constituição. Enfrentou todo tipo de adversário. ACM o chamava de “mordomo de filme de terror” e o acusava sem provas de comandar esquemas no Porto de Santos. Renan Calheiros foi outro osso duro de roer. Na presidência, foi ferido pelas flechadas do ex-procurador-geral Rodrigo Janot. Quando deixou o Planalto, acabou preso numa operação injusta e mal explicada. Seu esforço e obstinação fizeram dele um dos políticos mais importantes da sua geração, 3 vezes eleito presidente da Câmara, vice-presidente e presidente da República. Chegou lá por mérito próprio.
Em todos esses anos nunca vi o presidente Temer xingar alguém em público ou cometer qualquer tipo de grosseria. Sua marca sempre foi a cortesia e o cavalheirismo. E também saber ouvir. É um mestre nessa arte. Ouviu segredos inimagináveis de muitos políticos e jamais cometeu uma indiscrição. Suas qualidades o credenciaram para estancar a sangria do 7 de setembro.
Bolsonaro faz política como um adolescente, cercado de gente imatura e carente de habilidades. Quando eu era criança ia com minha mãe no Largo da Carioca e sempre havia um camelô vendendo algum utensílio e repetindo o bordão de que “não requer prática ou habilidade, qualquer criança sabe manejar“. Bolsonaro acreditou –e fez com que muitos acreditassem– que tinha prática, habilidade e sabia manejar. O resultado é um só: tem queimado seu capital político com uma volúpia capaz de causar inveja ao Fernando Collor de 1992 ou à Dilma Rousseff de 2016.
O atual presidente está gradativamente perdendo o controle do governo e repercutindo cada vez menos expectativa de poder. Corre o sério risco de perder a condição de candidato viável no ano que vem. Tudo piora ainda mais com a péssima comunicação do Planalto. Já escrevi uma vez e repito: a história tem mostrado que são os presidentes que se tornam seus maiores inimigos, inviabilizam seus governos e deixam escapar o poder. Jânio Quadros, João Goulart, Fernando Collor e Dilma são os melhores exemplos.
No dia 7 de setembro Bolsonaro estava nos braços do povo e 2 dias depois as redes sociais do bolsonarismo exibiam uma decepção jamais vista, tipo meu mundo caiu. Hoje, pelo que se percebe do discurso de muitos líderes e formadores de opinião da direita conservadora, a confiança no presidente está profundamente abalada. Temos uma legião de viúvas do 7 de setembro que vivenciou um clima de vitória, de euforia total, incluindo compartilhamento de uma agenda de tomada de poder prevendo a instalação de um tribunal constitucional militar, deposição de juízes do Supremo, volta da prisão em 2ª instância e uma mudança na vida do país com o emparedamento da esquerda e dos “isentões”.
O presidente incendiou os ânimos falando em descumprimento de decisões judiciais e xingando o ministro Alexandre de Moraes de “canalha“. Noves fora, sobrou apenas blábláblá. Os caminhoneiros foram convidados pelo próprio Bolsonaro a saírem da Esplanada dos Ministérios com o rabo entre as pernas, levando ao delírio adversários como João Doria e Rodrigo Maia, que o chamaram de frouxo e covarde. Até o ministro Luís Roberto Barroso beliscou com um “farsante“.
Os que imaginavam mudar o Brasil no 7 de setembro acabaram voltando para casa com as bandeiras enroladas, a alma em pedaços e um gostinho amargo de traição na boca. Quem quiser conferir basta abrir as redes sociais. Esses caminhoneiros, militares, policiais ou militantes da classe média envolvidos nos debates pós carta do dia 9 estão indignados. Muitos já disseram tchau, querido!
Nos anos 1970, Richard Nixon também despedaçou milhões de almas republicanas ao ser obrigado a renunciar à presidência. Ele colocara em prática o que chamava de teoria do louco, a qual usava indiscriminadamente contra quaisquer adversários políticos. E explicou como ela funcionava para seus auxiliares mais próximos: “Quero que os vietcongues acreditem que eu chegaria ao ponto de fazer qualquer coisa para acabar com a guerra. Iremos somente dizer algumas palavras: pelo amor de Deus, vocês sabem que Nixon está obcecado com o comunismo. Não poderemos contê-lo quando ficar com raiva. Ele pode apertar o botão nuclear. Ho Chi Min estaria em Paris em dois dias implorando por paz“.
Não deu certo. Os Estados Unidos perderam a guerra e foram corridos do Vietnã. Pouco depois, Nixon perdeu o poder e teve de sair de cena para sempre. A teoria do louco não passava de coisa de maluco.
*Texto publicado originalmente no Poder360.
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