Levantamento do Cedist/Dipes será publicado em 2021 e é um dos mais recentes estudos sobre um dos principais rios do Brasil (Foto: Comissão Pastoral da Terra)
Ao longo dos seus 2.830 km, o Rio São Francisco garante a subsistência de milhares de famílias, desde sua nascente na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até seu desaguar no Oceano Atlântico, entre os estados de Alagoas e Sergipe. Dentre as principais atividades econômicas, a pesca tem papel indispensável. O que nem sempre esteve em destaque foi a participação da mulher pescadora e sua dupla jornada de trabalho. Em 2021, a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) publicará em e-book a pesquisa “A pesca artesanal no Rio São Francisco: condições ambientais e de trabalho das mulheres pescadoras”, que traça um perfil sociocultural destas trabalhadoras.
Outras contribuições da pesquisa são um panorama atual sobre as populações ribeirinhas e a saúde do Velho Chico. A investigação foi promovida entre 2012 e 2016, pelo Centro de Estudos em Dinâmicas Sociais e Territoriais (Cedist), da Diretoria de Pesquisas Sociais (Dipes), da Fundaj. Assinam o levantamento, as pesquisadoras Izaura Fischer e Lígia Albuquerque Melo, que percorreram 23 municípios, nos estados de Pernambuco, Alagoas, Bahia, Sergipe e Minas Gerais. Diversos dados foram coletados e 131 pessoas entrevistadas, entre pescadoras e pescadores, técnicos de órgãos públicos, ONGs, professores e professoras.
Segundo Izaura Fischer, a mulher desde sempre teve papel fundamental no desenvolvimento da pesca. No entanto, a realidade de invisibilidade histórica só começou a mudar com o reconhecimento da categoria de trabalhadoras pelo setor. Desigualdade demarcada pelo gênero. “A história da pesca surge em um contexto patriarcal, em que essas mulheres não eram definidas como trabalhadoras. Mas elas estavam presentes”, reclama a pesquisadora, ao destacar a dura realidade de desvalorização do trabalho doméstico e a sobrecarga das mulheres. “Elas pescam e trabalham em casa. Acordam uma hora antes do maridos para cuidar da refeição, dos filhos e dos mais velhos.”
Dentre os relatos colhidos, estão os de filhas de pescadores e pescadoras, que desempenham a atividade desde crianças. Há mulheres que aprenderam a pescar aos 10 anos de idade, e outras que foram impedidas de desenvolver a habilidade quando solteiras e só adotaram a profissão após o casamento ou por uma necessidade familiar.
É verdade que hoje a mulher é também sujeito da pesca, concorda a pesquisadora, mas mesmo o justo reconhecimento não foi capaz de reduzir as discrepâncias. “Antes de sair para a pesca, ela precisa deixar tudo pronto: preparar o almoço, o que vai levar de lanche para comer no rio. Ao chegar em casa, o homem vai deitar e descansar, enquanto ela vai trabalhar sem limite definido, até não ter mais energia”, aponta Fischer, que enfatiza que o recorte da pesquisa está relacionado ao desempenho da atividade no Rio São Francisco. O relatório final conta com cerca de 180 páginas e colaboração de Solange Coutinho.
A pedido do Conselho Diretor (Condir), da Fundaj, cópias do material serão encaminhadas ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), além das secretarias estaduais de Meio Ambiente. Autora de títulos como “O trabalho feminino: efeitos da modernização agrícola” e “O protagonismo da mulher rural no contexto de dominação”, Izaura Fischer comemora. “Todo pesquisador deseja fazer ampla divulgação do seu trabalho para que ele subsidie políticas públicas que visem melhoria nas condições de vida da população e auxilie na redução das desigualdades sociais”, conclui.
Ameaças ao rio e à pesca
Além dos impactos da exploração hidrelétrica, o desmatamento das matas ciliares, que protegem os afluentes, e a poluição direta acendem o alerta vermelho sobre a saúde de um dos mais importantes rios do Brasil. “A construção das hidrelétricas no São Francisco tem efeito danoso para populações ribeirinhas que dependem da pesca e para o próprio rio”, observa o coordenador do Cedist, Neison Freire. Nas cidades cortadas pelo São Francisco, a poluição é provocada pelos esgotos domésticos e industriais. Sem as coberturas vegetais nativas, responsáveis pela proteção dos afluentes, o lixo e as substâncias tóxicas têm diminuído a quantidade de pescado.
A pesquisa é um dos relatórios mais recentes sobre aspectos ambientais envolvendo o Velho Chico. “É inédita a abrangência colocada nesse trabalho e a importância de mostrar que embora o progresso técnico na exploração do rio tenha trazido riqueza para grande parte da população no Nordeste, ele também tem um alto preço”, conclui Neison Freire, ao destacar a tradição da Fundaj em promover pesquisas sobre o semiárido e a bacia do São Francisco e denunciar que inúmeras famílias que vivem históricamente da pesca têm experimentado da vulnerabilidade social e econômica provocada pelo adoecimento do rio.
Assessoria de Comunicação Fundação Joaquim Nabuco/Fundaj
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