domingo, janeiro 03, 2021

País tem 1.600 servidores suspeitos de se candidatar só para tirar licença


Pelo menos 95 servidores tiraram licença remunerada de seus cargos para se candidatar a vereador em 2020 e não obtiveram um voto sequer. Ou seja, nem eles mesmos votaram em suas candidaturas no pleito municipal.

Por lei, funcionários públicos precisam se afastar do serviço quando decidem disputar uma eleição e têm direito de continuar recebendo seus salários enquanto fazem campanha.

Para investigadores públicos, o fato de servidores licenciados terem obtido zero votos aponta que eles provavelmente foram "candidatos fictícios". Se candidataram para, na verdade, gozar de um descanso remunerado durante o período eleitoral ou para apoiar candidaturas de aliados em suas cidades.

"É difícil acreditar que um servidor que se candidatou e que sequer votou nele mesmo estava realmente levando sua candidatura a sério", afirmou o promotor Leonardo Dumke Busatto, do MP-PR (Ministério Público do Paraná), que investiga esse tipo de fraudes no estado.

No Paraná, pelo menos três servidores que se candidataram a vereador, em três cidades diferentes, tiveram zero votos. De acordo com levantamento realizado pelo UOL, 85 municípios brasileiros, de 19 estados, tiveram ao menos um servidor candidato a vereador com zero votos.

Professores têm candidatura suspeita no Maranhão

Em Bom Jesus das Selvas (MA), foram três os servidores municipais que se licenciaram para se candidatar a vereador e não votaram em si. Todos eram filiados ao PRTB. Dois eram professores. Um deles é Gildasio Soares, 38 anos.

Gildasio se filiou ao PRTB em 2015, mas disputou sua primeira eleição em 2020. Ele é professor concursado da Prefeitura de Bom Jesus e recebe um pagamento bruto mensal de mais de R$ 5 mil. Em setembro, ele se licenciou do trabalho, mas manteve salário.

Gildasio não investiu nenhum real em sua campanha, segundo dados que ele enviou à Justiça Eleitoral. Em seu perfil no Facebook, ele pediu votos a outro candidato a vereador da cidade, de outro partido, e fez propaganda para uma candidata a prefeita derrotada na eleição.

Ele obteve zero votos. O UOL procurou o professor e seu partido três vezes desde o último dia 16. Nem ele nem a legenda responderam à reportagem.

A Prefeitura de Bom Jesus informou que as candidaturas de pelo menos 13 servidores municipais, incluindo Gildasio, levantaram suspeitas. O município informou que já encaminhou dados sobre os servidores candidatos ao MP-MA (Ministério Público do Maranhão).

Procurado, o MP-MA não se pronunciou sobre eventuais medidas tomadas para apuração do caso.

Servidores da Bahia repetem candidatura fracassada

Já em Ibicaraí (BA), pelo menos dois funcionários municipais disputaram a última eleição e não votaram em si mesmo: a professora Sandy de Jesus Silveira Matos, 42, e o agente administrativo Fabrício Oliveira Costa, 43. Os dois concorreram filiados ao PSDB. Receberam pelo menos R$ 1 mil por mês da prefeitura enquanto estiveram licenciados.

Esta eleição, aliás, não foi a primeira em que eles se licenciaram para se candidatar a vereador e tiveram resultados pífios nas urnas, não sendo eleitos.

A professora Sandy também foi candidata a vereadora em 2012 e 2016. Na primeira vez, ela estava filiada ao antigo PMDB, investiu R$ 20 na campanha e obteve um único voto. Já em 2016, ela estava no PTN, não gastou nada em sua campanha e obteve dois votos.

Fabrício também já tentou ser vereador por três vezes, por três partidos diferentes, usando três nomes distintos. Em 2012, "Fabrício" estava no PTC e teve sua candidatura indeferida. Em 2016, "Bricete" era do PPS e obteve um voto. Já em 2020, Fabrício foi "Fabricete".

O UOL tentou contato com Sandy e Fabrício por meio do PSDB e da Prefeitura de Ibicaraí. O partido informou que avisaria os servidores sobre a reportagem a respeito de suas candidaturas e que os dois entrariam em contato, se assim desejassem. Não entraram. Já a prefeitura não repassou nenhuma informação sobre seus funcionários nem quis comentar a candidatura deles.
Procurado, o MP-BA não respondeu se apura irregularidades em candidaturas de servidores no estado.

Candidaturas suspeitas reúnem 1.642 servidores

Foi usando dados públicos divulgados pela Justiça Eleitoral que o UOL levantou dados sobre candidatos que se declaram servidores municipais, estaduais ou federais —os quais têm direito a licença remunerada na eleição— que tiveram zero votos.

O MP-PR elaborou uma metodologia mais ampla para identificar candidaturas com indícios de irregularidades. Segundo o órgão, candidatos que se declararam servidores, tiveram menos de dez votos, gastaram menos de R$ 100 em suas campanhas e não informaram páginas ou perfis de divulgação à Justiça Eleitoral têm candidaturas que merecem ser verificadas.

Usando esse método, o MP-PR identificou 80 candidaturas suspeitas no estado, em 60 municípios. Isso representa 2,5% de todos os 3.171 servidores que se candidataram a algum cargo eletivo no Paraná em 2020.

O UOL aplicou a metodologia do MP-PR em dados de todo país. Por esses critérios, campanhas de 1.642 servidores, em 1.088 municípios, são suspeitas.

Esquema pode ser crime eleitoral ou até estelionato

Segundo o promotor Bussato, do MP-PR, servidores que se candidataram "no papel" só para gozar de licença remunerada podem responder uma ação judicial por improbidade e até pelo crime de estelionato. "Afinal, ele induziu um órgão público a lhe conceder uma vantagem dizendo que era candidato, mas de fato não era", resumiu o promotor.

Bussato afirmou que fraudes envolvendo candidaturas de servidores não são novas. Ele disse que, além de vantagem própria, alguns funcionários públicos acabam se candidatando para, na verdade, ter tempo livre para fazer campanha a aliados em busca de promoções.

"Um servidor se afasta do trabalho para, em vez de fazer campanha para ele mesmo, fazer campanha para um determinado candidato a prefeito", exemplificou. "Se o candidato vence a eleição, o servidor ganha um cargo comissionado na nova gestão, por exemplo."

O promotor também afirmou que é comum servidoras se candidatarem para que um determinado partido cumpra cotas de gênero. "Nesses casos, isso pode ser uma fraude eleitoral.".

Por: Vinicius Konchinski
Colaboração para o UOL, em Curitiba

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