Segundo levantamento do G1, utilizando dados do IBGE e do TSE, o número de cidades que possuem mais eleitores que habitantes cresceu 60% desde as últimas eleições, em 2018. Atualmente, são 493 municípios brasileiros com essa situação. Há dois anos, eram 308.
A cidade com a maior diferença proporcional é Severiano Melo (RN), que tem 6.482 eleitores registrados no TSE e 2.088 habitantes, segundo estimativa do IBGE. O número de pessoas aptas a votar no município é mais de três vezes maior do que a quantidade de habitantes.
Outras três cidades de Pernambuco também estão na lista de municípios com mais eleitores que habitantes. São elas: Brejinho e Calumbi, no Sertão, e Sairé, no Agreste.
Em Brejinho, a população estimada é de 7.488 pessoas, segundo o IBGE. Dados do TSE apontam que o município tem 7.722 eleitores.
Em Calumbi, são 5.747 moradores e 6.154 eleitores. Já em Sairé, moram 9.764 pessoas e 10.683 podem votar.
Cumaru
Cumaru possui a maior diferença, em números absolutos, de eleitores a mais do que moradores, entre todas as cidades brasileiras. Ela é de 5.143 pessoas ou 150,46% o total da população.
A prefeita de Cumaru, Mariana Medeiros (PP), contesta os dados. Para ela, o problema começou com a realização de um censo, em 2000, que apontou uma quantidade muito maior de moradores do que "existiria na realidade, na época".
O levantamento feito no ano 2000 mostrou que a cidade tinha 27.489 pessoas. Dez anos depois, no entanto, censo apresentou uma queda populacional. Em 2010, segundo IBGE, Cumaru, tinha 17.103 habitantes.
Desde 2010, a contagem populacional não é refeita de forma oficial na cidade nem em todo o país. O que existem são estimativas. É justamente esse levantamento feito pelo IBGE que é questionado pela gestora.
Segundo Medeiros, os números não representavam a realidade, em 2000. “Eu sou daqui, sempre morei aqui e a cidade nunca teve essa quantidade de habitantes, como disseram na época”, afirma.
Mariana Medeiros acredita que os números do censo de 2010 são os mais corretos. A diferença de mais de 10 mil habitantes, segundo ela, teria criado uma "tendência de queda na população do município", o que ela diz não existir.
“Eu procurei os responsáveis pelo IBGE. Sou daqui, sempre morei aqui. A cidade só cresceu. A zona rural da cidade aumentou”, diz. “Se há 20 anos tinha mais gente que agora, onde estão as casas abandonadas?”, questiona.
Mariana acredita que não houve interesse em corrigir o "erro cometido" em 2000. “Naquela época, não tinha prestação de contas, internet, portal da transparência. Mal tinha telefone aqui”, completa.
“A cidade está pagando um preço alto por ter recebido um dinheiro que não merecia nos anos 2000. Hoje vivemos com metade do dinheiro”, diz, se referindo ao percentual de recursos repassados pelo governo federal aos municípios, que varia de acordo com a população e outros índices.
Para a gestora, a cidade tem muito mais que os 10 mil habitantes estimados pelo IBGE. “Menos de 16 mil pessoas eu não tenho. Só no sistema de saúde nós temos 15.880 pessoas cadastradas”, alega.
“Temos seis mil casas na cidade. Se morassem três pessoas por casa, já seriam 18 mil e moram muito mais que três pessoas em algumas casas”, completa.
A prefeita de Cumaru diz que há vários processos na Justiça para revisão da população. Porém, ela estima que só vai conseguir uma mudança com o próximo censo, previsto para 2022.
Razões da diferença
De acordo com o diretor-geral do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), Orson Lemos, a diferença acontece por causa da metodologia empregada na estimativa da população pelo IBGE e no cadastramento eleitoral feito pelos cartórios eleitorais, principalmente em cidades com menos de 10 mil habitantes.
Segundo ele, deve ser levado em conta o fator de pessoas que moram em cidades maiores da região para trabalhar ou estudar, mas voltam para seus municípios de origem para votar.
“O censo do IBGE acontece a cada dez anos e vai usando uma ferramenta de estimativa de população, que pode ficar defasada em relação às políticas públicas da cidade. Nosso cadastro eleitoral utiliza comprovante de residência atualizado”, afirma Orson.
Para ele, o eleitorado é um retrato mais fiel dos movimentos populacionais do que os dados registrados pelo IBGE. "O IBGE faz o levantamento por amostragem”, completa.
Ainda de acordo com Orson Lemos, os vínculos familiares também explicam essa diferença. O diretor-geral do tribunal diz que, mesmo morando em outra cidade, pessoas preferem voltar para seus locais de origem para escolher os candidatos, por causa de afinidade.
“A afinidade até o 3º grau de parentesco permite que o eleitor escolha onde quer votar. Muita gente aproveita as eleições para votar e visitar os avós, por exemplo. Eles têm direito. A lei permite”, declara.
Para a cientista política Tereza Vasconcelos, a falta de atualização dos dados do censo é um grande problema para atualizar pesquisas em diversas áreas, como segurança pública e saúde.
“Os dados discrepantes e esse aumento das cidades com maior número de eleitores do que moradores no Brasil, tem relação com isso”, comenta. “Não deixa de ser perigoso, porque na hora de fiscalizar, as fraudes podem passar despercebidas devido a falta de segurança dos dados”, completa.
Para a especialista, existe também um fator histórico na diferença entre quem mora na cidade e quem vota nela.
“Aqui em Pernambuco, além da falta de atualização do censo e das diferenças entre endereço civil e eleitoral, notei que todas essas cidades eram distritos, até a década de 1960. As pessoas nessas regiões trabalham nos municípios vizinhos e voltam para cidade apenas em no período eleitoral”, avalia Tereza.
Datas
Este ano, o calendário das eleições foi adiado por causa da pandemia provocada pelo novo coronavírus: o primeiro turno acontece em 15 de novembro; e o segundo, em 29 de novembro, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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