Segundo o titular da Saúde, o médico da rede municipal disse que a criança tinha "pelve de 13 anos" e que, por isso, podia parir: "Coisa horrorosa"
O secretário estadual da Saúde do Espírito Santo, Nésio Fernandes, um dos profissionais que tentaram autorização para o aborto para a menina de 10 anos estuprada pelo tio, afirmou que a vítima teve que passar por cima da “religiosidade” de integrantes do Conselho Tutelar e de médicos para conseguir efetuar o procedimento com 22 semanas de gestação.
Segundo ele, grande parte dos profissionais que atenderam a criança tentaram convencê-la a não interromper a gravidez, por a considerarem tendo “estrutura” para parir.
“Recebi a avaliação do obstetra do município dizendo que a criança tem pelve de 13 anos e que, por isso, podia parir. Coisa horrorosa. Naquele momento, determinei que a Superintendência Regional de Saúde providenciasse a imediata transferência da criança para a referência estadual do Hospital das Clínicas, o que ocorreu na sexta-feira e, no sábado, ela foi avaliada. Com a negativa da realização do procedimento, a gente conseguiu que o serviço em Pernambuco a atendesse no dia seguinte”, relatou, em entrevista à Folha de S. Paulo.
“Ela foi muito determinada, ela e a avó tiveram o tempo inteiro que se determinar a essa decisão para poder garantir o respeito à decisão delas”, prosseguiu.
Para ele, a maior dificuldade enfrentada pela menina foi a religiosidade e pouca tolerância dos envolvidos. “É muito comum que a abordagem no Conselho Tutelar, nos serviços ambulatoriais municipais, e as condutas sejam conservadoras”, disse.
“O Estado vai ser mais justo quando a gente puder superar a hipocrisia de que crianças pobres precisam suportar a dor e a marca da violência ao longo de suas vidas, enquanto vítimas das classes média e alta conseguem ter acesso a serviços e a reparações”, opinou. Além de médico, Nésio é evangélico da Igreja Batista, mas alega que valores moralistas não podem ser um impeditivo de acesso aos direitos.
Apesar da recusa do hospital do Espírito Santo, o secretário defendeu que ainda não há a estrutura adequada para tal procedimento e, caso a criança tivesse abortado no estado, ela poderia ter sido colocada em risco.
“Se ela tivesse feito o aborto no Hospital das Clínicas de Vitória sem o devido protocolo, sem equipe preparada, sem capacidade de fazer todas as etapas da indução, da antecipação de parto com mais de 22 semanas, poderia ter incrementado o risco à criança”, defendeu.
“A opção de transferi-la para Pernambuco foi o que garantiu a ela a melhor opção terapêutica. Então, a tradução da recusa do Hospital das Clínicas precisa ser muito bem cuidada para a gente não cometer injustiça, porque, se tivessem realizado o aborto no hospital, talvez não teria tido o mesmo desfecho, porque existem etapas do processo de antecipação do parto que não teriam sido realizadas e poderiam gerar uma polêmica muito maior”, explicou, ao dizer que ainda não há especialistas em medicina fetal na rede pública e privada do Espírito Santo.
Metrópoles
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