Para conhecer as circunstâncias do acesso ao direito à educação dos integrantes das comunidades quilombolas de Mirandiba (Sertão Central), o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) realizou, na tarde de ontem (13), uma reunião virtual com a participação de lideranças quilombolas, profissionais da educação, representantes do poder público local. Pelo MPPE estiveram presentes o promotor de Justiça de Mirandiba, Jouberty de Sousa, Centro de Apoio às Promotorias de Justiça de Defesa da Educação (Caop Educação) e o Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo Institucional (GT Racismo).
Na abertura do encontro, uma das coordenadoras do GT Racismo, promotora de Justiça Irene Cardoso, ressaltou que a temática da educação nas comunidades quilombolas de Mirandiba já vem sendo acompanhada pela Promotoria de Justiça local com o suporte do Caop Educação. Ela também explanou aos presentes sobre o funcionamento do Ministério Público e como os cidadãos podem demandar o órgão para acompanhar as suas demandas.
Logo em seguida, o coordenador do Caop Educação, Sérgio Souto, pontuou que está em contato com promotor de Mirandiba, Jouberty de Sousa, para avaliar a criação de um plano de atuação específico para as necessidades dos estudantes locais. Ele também mencionou a plataforma MP na Escola, cujo papel é levantar informações sobre as atividades letivas durante a suspensão das aulas presenciais.
Por meio da videochamada, os moradores das comunidades quilombolas e profissionais da educação traçaram um panorama pouco animador do sistema de ensino, com relatos de instalações desestruturadas, transporte escolar insatisfatório e inadequação às necessidades específicas do ensino quilombola.
"Eu estudei em uma escola que não tinha banheiro nem cozinha para a merendeira trabalhar. A falta de transporte também complicava o acesso dos estudantes. É triste ver que, depois de tanto tempo reclamando, a situação da escola ainda não mudou", relatou Vitória Érika, de 19 anos, estudante do curso técnico em Agropecuária que foi aluna de uma escola rural de Mirandiba.
A mesma dificuldade é relatada pela professora Gilvaneide Andrade, que trabalha com educação de jovens e adultos. Segundo ela, a falta de espaço para as turmas de uma escola quilombola obrigou a desativação de uma creche vizinha, para receber o excedente de alunos. "E como não tem a creche, que deveria funcionar para ajudar as mães que trabalham, as crianças da educação infantil precisam ir para a sede do município. O ideal é permitir que os estudantes tenham aula nas suas comunidades, porque isso ajuda muito no desenvolvimento deles", acrescentou.
Outro ponto debatido na reunião foi a necessidade de incluir, nos currículos escolares, a formação adequada à realidade dos alunos quilombolas. Esse ponto foi defendido por Ângela Maria, da comunidade Pau de Leite. Segundo ela, a falta de um conteúdo que se aproxime à realidade local e a política de fechamento de escolas rurais acabam distanciando os jovens das suas comunidades e excluindo-os do processo pedagógico.
"Aqui em Mirandiba 80% da população é de origem negra, são 15 comunidades quilombolas reconhecidas e outras seis em processo de reconhecimento. O processo de discussão da educação quilombola, no entanto, somente se iniciou na cidade com a chegada do projeto Diretrizes da Educação Quilombola", apontou.
O projeto, que é desenvolvido no município pelo Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) com apoio do Fundo Malala, busca articular os atores da área de educação para estruturar, no município, as bases de uma educação quilombola. Dentre as propostas já trazidas no âmbito do grupo de trabalho estabelecido estão o encaminhamento para a categorização das escolas como quilombolas e a articulação com o Legislativo local para tentar criar o cargo específico de professor quilombola, para futuros concursos.
"O objetivo do GT é promover uma formação mais ampla de lideranças sobre o racismo e o papel da educação na luta antirracista. Essas questões são trabalhadas com a comunidade, mas também precisam ser abraçadas pelo poder público", afirmou Liz Ramos, do CCLF.
Esse ponto de vista também foi defendido pelo promotor de Justiça de Mirandiba, Jouberty de Sousa. Segundo ele, ao retirar os alunos quilombolas do seu espaço de convivência, o poder público precisa se responsabilizar por uma exposição das crianças e adolescentes a situações de vulnerabilidade.
"O melhor a se fazer é prover acesso à educação de qualidade na própria comunidade e, para que isso ocorra, é necessário sentar com a gestão municipal, buscar o compromisso de implementar as mudanças. Mesmo com as limitações de orçamento, é importante ter a vontade política", defendeu.
A representante da Secretaria Estadual de Educação, Claudia Abreu, afirmou que o Estado vai registrar as demandas das comunidades nos aspectos estrutural e pedagógico para providenciar as adequações nas unidades da rede estadual. Ela também disse que o Estado vem construindo um currículo para a educação escolar quilombola e que manterá um diálogo com as comunidades para fortalecer esse instrumento.
E a secretária de Educação de Mirandiba, Elisângela Rosa, destacou que os professores da zona rural já passam pela mesma capacitação dos da zona urbana. Ela admitiu, porém, que "a questão do conteúdo quilombola é uma novidade" e que estão buscando se adaptar para implementar uma atuação mais direcionada. Nesse aspecto, ela explicou que seria realizada uma seleção de professores, que acabou sendo inviabilizada pela pandemia; e que pretende repassar a informação sobre a necessidade de contratação de professores quilombolas para a próxima gestão municipal.
Ministério Público de Pernambuco (MPPE)
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