O dinheiro que deveria servir para alimentar e atender às necessidades básicas dos que não têm outra fonte de renda durante a pandemia e que se expôs à chuva, ao sol e aos riscos da contaminação em filas sem fim nas portas dos bancos, chegou à conta, por exemplo, de 6.315 proprietários de carros considerados de luxo em Pernambuco. “Tomamos como base veículos que valem a partir de 60 mil”, conta Fábio Araújo, superintendente da CGU em Pernambuco. Assim, a controladoria descobriu, entre os beneficiados pelo auxílio emergencial no estado, donos de carros como Porsche, Land Rover, Toyota Hilux, Mitsubishi Pajero e BMW. “São carros cujos valores vão de R$ 200, 300 mil até mais de R$ 1 milhão”, explica o jornalista Silvio Menezes, especialista em veículos e apresentador do programa Carro Arretado, da TV Jornal. “Vai depender do modelo e do ano de cada um.”
Também na relação dos pagamentos indevidos estão donos de lanchas, veleiros e motos aquáticas: 811 no total - e, mais uma vez, números relativos apenas a Pernambuco. “Em regra, analisamos se o beneficiário tem patrimônio incompatível com alguém que necessita do auxílio, se tem sinais exteriores de riqueza”, explica Fábio Araújo. “Mas reforço que sempre investigamos se o nome da pessoa que solicitou o benefício está sendo usado indevidamente, se há qualquer esquema com laranjas.”
Na relação de irregularidades ainda se destacam os sócios de empresas como construtoras, hospitais e escritórios de advocacia. Um total de 4.324 delas têm mais de 10 empregados; outras 300 empregam mais de 50 pessoas. “Os sócios dessas empresas figuram como beneficiários de auxílio emergencial. Também aqui vale ressaltar que podemos ter gente que foi lesada, que é sócio fantasma de empresa, sem nem saber que é. E isso está sendo verificado.”
Outra curiosidade: entre os pernambucanos que receberam auxílio emergencial, oito deles doaram mais de R$ 10 mil a candidatos na última eleição. Um total de 750 não moram no país, vivem no exterior. Entre os brasileiros que requereram o benefício, 6 mil pessoas têm residência fixa em outros países.
Ainda receberam o auxílio 200 detentos que estão no sistema prisional de Pernambuco e já contam outro benefício, o auxílio reclusão.
Servidores Públicos
Dos 398 mil agentes remunerados pela administração pública de todo o Brasil que receberam o dinheiro para socorrer necessitados durante a pandemia, 17.500 trabalham em Pernambuco, com vínculo em quase 300 instituições, entre prefeituras, câmaras municipais e autarquias. Cerca de 2 mil estão ligados à gestão pública federal: 60% são militares; 40% civis. “O principal critério para receber o benefício é não ter emprego e renda formalizados. Então, o simples fato de ser servidor público já configura um recebimento absolutamente indevido”, reforça Araújo. Sobre os militares que receberam indevidamente, ele revela que o Ministério da Defesa foi notificado e se comprometeu a fazer desconto em folha, no caso de o militar não fazer a imediata devolução do dinheiro.
Cruzamento
Para chegar às irregularidades, a Controladoria Geral da União cruza um número incalculável de dados, como informações de cadastros de CPF, CNPJ, cadastro único e FGTS. Em relação aos servidores públicos de Pernambuco, o levantamento é resultado de trabalho realizado em parceria com Tribunal de Contas do Estado, e considerada “imprescindível”, segundo o superintendente Fábio Araújo. A partir do levantamento, as irregularidades são informadas ao Ministério da Cidadania para que haja a suspensão imediata do pagamento e seja encaminhado o processo de ressarcimento aos cofres públicos.
“Estipulamos que, aqui em Pernambuco, quem for notificado tem 10 dias para justificar o recebimento”, conta Araújo, que revela depender também do apoio das prefeituras para que notifiquem os agentes públicos.
“Toda a nossa atividade tem por premissa a aplicação correta dos recursos públicos. O programa de auxílio emergencial tem objetivo específico que foi frontalmente ferido: em regra, ele deve auxiliar pessoas que estão ou ficaram sem condições de sustento básico: alimentação, por exemplo”, lembra o superintendente da CGU. “Quando você se depara com gente usando dessa forma os recursos públicos, isso chega a ser aviltante.”
Jornal do Commercio
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