sábado, junho 13, 2020

Vereador preso no RJ por fraude na compra de respiradores já era investigado por associação criminosa

Vereador Davi Perini Vermelho ao receber a Medalha Tiradentes, em 4 de dezembro de 2017 — Foto: Divulgação/Câmara Municipal de São João de Meriti
Casa de Didê em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio — Foto: Reprodução

Em maio, as polícias do Rio e de Santa Catarina apreenderam R$ 300 mil na casa de Davi Vernelho, o Didê, em Vargem Grande — Foto: Reprodução

Antes de ser preso acusado de fraudar a compra de respiradores pulmonares para enfrentamento da Covid-19, o político Davi Perini Vermelho, o Didê (DEM), de 40 anos, já enfrentava problemas na Justiça Federal e no Tribunal de Contas do estado (TCE), além de ser citado em uma investigação que apura uma associação criminosa em São João de Meriti, onde ele preside a Câmara dos Vereadores.

A vida pública de Didê começou em 2012, quando, pela primeira vez, o bombeiro reformado foi eleito vereador de São João de Meriti, município da Baixada Fluminense. Quatro anos depois, foi reeleito, demonstrando força ao passar a presidir a Casa dos parlamentares de São João.

De uma eleição para o outra, Didê saiu de "nada declarado", em 2012, para bens que, juntos, somavam R$ 120 mil. Conforme declarado ao Tribunal Superior Eleitoral, o patrimônio de Didê, em 2016, consistia em R$ 40 mil em dinheiro e um caminhão avaliado em R$ 80 mil.

Na primeira fase da Operação Oxigênio, deflagrada em maio, policiais e promotores apreenderam R$ 300 mil em dinheiro na casa de luxo que fica em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio. Embora atue na Baixada, onde tem domicílio eleitoral, o político optou por viver na capital fluminense, dentro de um condomínio de alto padrão.

Na representação que pediu a prisão de Didê, o Ministério Público de Santa Catarina sustentou que "dinheiro para ele [Didê] não é problema". O próprio vereador contou, em depoimento, que reservou lugar em um monomotor por R$ 12 mil para ir depor em Florianópolis.

TV clandestina

Os problemas de Didê com a Justiça Federal começaram em 2010, quando policiais federais "estouraram" uma central clandestina de distribuição de sinal de televisão ligada ao então militar do Corpo de Bombeiros.

Em Engenheiro Pedreira, Japeri, também na Baixada Fluminense, os agentes apreenderam folhetos com números de telefone no nome do bombeiro e smartcards – cartões com chip inteligente de uma operadora de TV por assinatura – cuja titularidade era de Didê.

Convocado para prestar esclarecimentos, Didê atribuiu as linhas telefônicas a outra pessoa, mas depois voltou atrás na versão. A Justiça desconsiderou as alegações e acabou condenando o homem a dois anos de detenção e pagamento de multa.

Com base no flagrante da Polícia Federal, o Ministério Público Federal (MPF), em 2015, denunciou Didê, que virou réu no ano seguinte. Mais um ano se passou, e o vereador foi condenado pela 3ª Vara Federal de São João de Meriti por manter, de forma clandestina, a central ilegal de televisão à cabo.

Homenagem

Mesmo depois de ter sido denunciado pelo MPF, Didê foi homenageado, em abril de 2016, com uma "moção de congratulações e aplausos" na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) pelo trabalho que, até então, vinha desenvolvendo em São João de Meriti.

O autor do tributo foi o deputado Marcos Muller (PHS). A justificativa para que o vereador recebesse a maior honraria no estado registrou: "pelos relevantes serviços prestados ao município de São João de Meriti e consequentemente ao Estado do Rio de Janeiro, pela valorização do Poder Legislativo local, por sua atuação ética e transparente na gestão da Câmara Municipal".

Atualmente, Marcos Muller e Didê teriam rompido relações políticas por divergências em indicações para a prefeitura de São João de Meriti.

Associação criminosa

Do âmbito federal para o estadual, o G1 apurou que Didê é investigado em inquérito no Rio de Janeiro por suposta associação criminosa numa quadrilha que disputa o domínio de comércios em São João de Meriti.

A investigação foi aberta depois que policiais flagraram o funcionamento de um depósito de gás clandestino no bairro Vila Tiradentes, em agosto de 2018. O local pertencia a Luiz Fernando Bastos de Souza, o Lorde, traficante do Comando Vermelho, que na época estava preso.

O depósito era vigiado com câmeras de segurança e, assim, mesmo preso, Lorde soube do flagrante e ligou para "funcionários" que estavam no local pedindo para falar com os policiais que participaram da ação.

O traficante disse aos agentes que queria fazer uma "denúncia". Contou a eles que vereadores de São João de Meriti estavam tentando controlar o comércio de gás da cidade e o serviço de mototáxi. Um dos parlamentares, segundo apurado pela equipe de reportagem, seria Didê.

Omissão de relatório fiscal

Em fevereiro deste ano, Didê foi multado, pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) em R$ 51.993,51 por não apresentar à Corte o relatório de gestão fiscal da Câmara de São João referente ao 3º quadrimestre de 2018.

Ao não entregar o documento, os conselheiros do TCE entenderam que Didê violou as leis de finanças públicas e determinaram que o parlamentar deveria ser punido.

No artigo em que foi enquadrado, é especificado que o valor da multa aplicada a Didê deveria equivaler a 30% dos vencimentos do vereador no ano anterior. Em 2017, o parlamentar recebeu R$ 156 mil como vereador de São João de Meriti – R$ 12 mil por mês, mais o 13º salário.

Fraude na venda de respiradores


Didê foi preso no dia 6 deste mês durante uma operação contra fraudes na compra de respiradores pulmonares pelo Governo de Santa Catarina. Ele é apontado na investigação como dono da empresa responsável pela venda dos equipamentos.

A Operação Oxigênio descobriu que houve superfaturamento de R$ 33 milhões, pagos de forma antecipada pelo governo daquele estado. Dos 200 respiradores previstos, 100 foram entregues. De acordo com o Ministério Público do estado, 50 aparelhos são considerados "imprestáveis".

O vereador passou, então, a responder pelos crimes de peculato, organização criminosa, lavagem de dinheiro e ocultação de provas. Em troca de mensagens com a namorada, Luana, o vereador contou a ela que apagou conversas que tinha em seu aparelho.

Para os investigadores, nas conversas acabam as dúvidas de que Didê é representante da empresa Veigamed, responsável pelo contrato com o governo catarinense.

Ele não aparece como sócio nos documentos formais, mas os investigadores afirmam que, na prática, ele era o responsável pelos negócios do grupo, que atua em contratos públicos pelo Brasil.

Na decisão que determinou a prisão do vereador, o juiz Elleston Caneli afirmou que "nem as restrições de voo foram empecilho para a prática criminosa, já que [Didê] negociou tudo por telefone e causou um prejuízo de R$ 33 milhões".

Vereador está infectado, diz advogado

Atualmente, Didê está preso no Quartel Central do Corpo de Bombeiros, no Centro do Rio. O advogado Luiz Carlos da Silva Neto, que defende o vereador, entrou com um pedido de soltura do cliente no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O advogado também solicitou à Justiça de Santa Catarina que Didê cumpra prisão domiciliar. Em entrevista ao G1 na noite de sexta-feira (12), Neto afirmou que um exame médico comprovou que o vereador está com Covid-19.

"Primeiro, não há nenhuma acusação formal do Ministério Público contra o vereador. O que há é uma investigação e, com base nesta investigação, houve um requerimento de decreto de prisão, onde o MP assevera que, até aquele momento da prisão, não havia absolutamente nada contra o vereador", sustentou o advogado.

Neto complementou afirmando que a Justiça de SC entendeu que Didê teria participação no esquema por ele ter apagado mensagens trocadas por um aplicativo de conversas.

"A meu ver, não há absolutamente crime algum porque eles estão numa luta atroz para trazer os respiradores pra cá. Já trouxemos duas remessas. Estamos lutando para trazer o restante. Então, onde está o crime?", questionou.

Por Marco Antônio Martins e Nicolás Satriano, G1 Rio

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