A cena contrasta com a euforia do dia 1º de novembro de 2018, quando o então juiz da Lava Jato desembarcou no condomínio de Bolsonaro na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, para largar 22 anos de magistratura –cinco deles à frente da maior investigação de corrupção do país– e aceitar emprestar seu nome e sua imagem ao governo recém-eleito.
A declaração de despedida, na última sexta-feira (24), durou 37 minutos e 55 segundos e foi seguida por uma salva de palmas de 44 segundos –mas não foi construída na véspera.
A decisão de sair do governo caso o presidente insistisse em interferir na Polícia Federal já estava tomada por Moro desde o fim de semana.
O ex-ministro da Justiça já havia avisado assessores e subordinados próximos, entre eles o próprio Maurício Valeixo, então diretor-geral da PF, que a interferência no órgão era uma linha intransponível e não aceitaria que o presidente a cruzasse.
No entanto, Moro já esperava que isso fosse acontecer.
Nas últimas semanas, em reação ao apoio do ex-juiz às medidas de isolamento social defendidas pelo então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, Bolsonaro havia voltado a cobrar insistentemente a saída de Valeixo.
A cobrança se tornou assunto monotemático do presidente nas reuniões semanais entre ele e Moro às quintas-feiras no Palácio do Planalto.
O último encontro ocorreu às 9h de quinta (23), no gabinete da Presidência da República. Bolsonaro comunicou que trocaria Valeixo até o final da semana e avisou que definiria o substituto.
Moro tentou indicar o nome do delegado Disney Rosseti, da Diretoria Executiva, cadeira número 2 na hierarquia da corporação. Bolsonaro rejeitou. A conversa durou menos de dez minutos e, ao final, Moro pediu demissão.
No caminho do Planalto para o Palácio da Justiça, onde comunicou aos auxiliares que estava fora do governo, o ministro avisou a esposa, a advogada Rosângela Moro, da decisão. Ela ficou em Curitiba na semana passada. De longe, tentou monitorar, dar forças e consolar o marido nas últimas horas no cargo.
Em texto publicado nas redes sociais da advogada –enviado pessoalmente ao ex-ministro por WhatsApp–, Rosângela recorreu ao poema "Ausências", de Vinícius de Moraes, para confortar Moro.
Os versos falam sobre o fim de um relacionamento. "Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces. Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto", começa o poema.
Em outro trecho, Moraes diz: "Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados. Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada".
O poema foi apagado das redes sociais de Rosângela logo após Moro fazer o pronunciamento em que anunciou os motivos da demissão. E foi justamente ao falar da família que o ministro embargou a voz uma única vez na saída do governo.
A última semana de Moro à frente do Ministério da Justiça foi marcada pelo autoisolamento.
O ex-ministro veio sozinho para Brasília. Nos últimos dias, andou mais calado e fechado do que de costume desde que entrou no governo.
Para alguns aliados, o comportamento dele nesses dias lembrou o do ex-juiz da Operação Lava Jato.
Um dos assessores que era da equipe da PF na época afirmou à reportagem que Moro estava tão tenso quanto no dia da condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em março de 2016.
Na terça-feira (21), já em Brasília, Moro foi informado de que Bolsonaro iria colocá-lo contra a parede sobre a mudança na PF. Ele voltou a avisar a equipe que, ocorrendo isso, estaria fora.
Nos dias seguintes, o ministro recorreu a aliados, amigos e assessores para avaliar os prós e contras de um pedido de demissão e os impactos a sua imagem. Moro tinha a preocupação de não passar a mensagem errada e a impressão de que estava abandonando o barco em meio à pandemia do novo coronavírus.
O ex-ministro queria ainda passar um recado sobre o seu futuro, deixando em aberto que poderia voltar a trabalhar pelo Brasil. Moro é, a todo momento, lembrado como um possível presidenciável em 2022, apesar de sempre negar a intenção de ser candidato.
Antes mesmo de formalizar a saída, na quinta-feira, o ex-ministro foi sondado por governadores e também pela iniciativa privada. Moro disse a interlocutores que, por ora, só queria voltar para casa em Curitiba e descansar ouvindo Fagner, seu cantor favorito.
Na véspera da demissão, o ex-ministro orientou assessores próximos que copiassem arquivos pessoais em seus computadores e em seus celulares funcionais. E deixou o prédio por volta das 19h após receber ministros militares do governo que tentaram dissuadi-lo da decisão.
Moro passou a noite de quinta-feira sozinho em casa acompanhando o noticiário e trocando impressões com assessores por telefone.
Ele também recebeu uma ligação de Maurício Valeixo confirmando que a sua exoneração sairia no dia seguinte.
A decisão de Bolsonaro pôs fim a uma relação marcada por altos e baixos.
O primeiro encontro entre os dois ocorreu em 2017 e, na verdade, foi um desencontro. Em março daquele ano, o então juiz ignorou Bolsonaro no aeroporto de Brasília.
O presidente, então deputado federal, bateu continência e tentou cumprimentá-lo. Moro acenou com a cabeça, falou "tudo bem" e virou as costas.
Em 2018, após a ida do juiz ao Rio de Janeiro, Bolsonaro por mais de uma vez declarou que o futuro ministro teria "total liberdade" para escolher o primeiro, o segundo e o terceiro escalões da pasta.
A promessa durou pouco. Em agosto de 2019, sem o conhecimento da cúpula da PF, Bolsonaro anunciou a troca do superintendente do órgão no Rio de Janeiro e houve reação na cúpula da corporação. Diante da resposta negativa, o presidente recuou, mas começou a pedir a cabeça de Valeixo.
O último capítulo da aliança aconteceu na sexta-feira.
Após ser chamado de mentiroso por Bolsonaro, Moro divulgou troca de mensagens entre os dois na qual mostra a tentativa do presidente de interferir na PF. (Renato Onofre)
Por: FolhaPress
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