Os últimos 30 segundos a bordo do navio Anna Karoline III foram de caos, gritos e terror. Depois, o silêncio tomou conta do Rio Jari, na madrugada do último sábado (29), região a 130 km de Macapá, no Amapá, local de difícil acesso e comunicação. Em relato à ÉPOCA, através de um telefone via satélite, Márcio Rodrigues dos Santos, de 46 anos, compartilhou detalhes da tragédia que deixou ao menos 22 mortos - entre eles, a mulher dele, a professora Alexandra Barbosa, de 45, e 13 amigos do casal. Dezenas de pessoas continuam desaparecidas.
De acordo com Márcio, por volta de 5h, ventava e chovia bastante. Pouco antes de a embarcação afundar, Marcione Cristina, outra passageira morta na tragédia, avisou a ele que havia algo de errado no navio. Instantes depois, gritos já podiam ser ouvidos vindo da parte mais baixa.
"Cheguei a pensar que essa movimentação poderia ser uma briga ou assaltos, que são muito comuns por essas águas, mas logo depois começou um corre-corre. Marcione voltou e avisou que o navio estava sendo inundado. Quando fui chamar a Alexandra, ela estava na cozinha e não na rede onde estava deitada antes”, contou Márcio.
O desencontro impediu que ele avisasse Alexandra sobre o acidente. "As pessoas estavam gritando e correndo para todo lado. Gritei muito por ela, mas rapidamente ouvi o barulho das coisas caindo e quebrando e outros gritos encobriram a minha voz. Nunca tive uma resposta dela. Com o navio tombando, começaram a cair uns sobre os outros. As janelas estavam fechadas, o que dificultou a fuga de quem estava naquele andar. Alguns dos vidros até quebraram com o impacto dos corpos", lamenta.
Márcio Rodrigues afirma que conseguiu sair do navio e esperou por cerca de dez minutos junto com outros sobreviventes dentro da água pelo socorro. Uma embarcação menor que estava próxima ao local começou a fazer o resgate por conta própria. Por volta das 7h, uma balsa maior chegou para auxiliar nas operações. "O comandante do navio nunca avisou que iríamos afundar, acredito que a maioria das pessoas morreu dormindo", contou
O casal estava acompanhado de um grupo de 18 amigos. Todos iam para uma festa de aniversário na cidade de Almeirim, no Pará. A viagem demoraria 36 horas. Apenas quatro pessoas sobreviveram - as outras 14 estão entre os mortos ou desaparecidos após o naufrágio.
A mãe de Alexandra, Maria Joventina Barbosa afirmou que ainda não consegue acreditar que a filha morreu. "É um sentimento absurdo, estamos desesperados. Ela deixa uma filha de 7 anos que ainda não sabe da morte da mãe, estava esperando ela voltar de viagem", emocionou-se.
Já a irmã da professora Ana Claudia Barbosa, lembra que essa não é a primeira vez que acidentes como esse acontecem. "A fiscalização aperta depois que essas tragédias acontecem mas tudo volta ao normal em seguida. Até quando isso vai acontecer? Como pode um navio sair do porto nessas condições?", questiona.
A narrativa de Márcio dos Santos corrobora a versão contada por outros sobreviventes à Polícia Civil . De acordo com os passageiros, havia água no convés antes mesmo de o navio sair do porto de Santana. O excesso de cargas também foi mencionado e centenas de fardos de açúcar aparecem no vídeo que será analisado durante o inquérito.
Em entrevista à ÉPOCA, Uberlândio Gomes, delegado da Polícia Civil responsável pelo caso, declarou que ainda são necessárias provas técnicas, mas que há "unanimidade" ao apontar que o material que aparece nas imagens estava mesmo embarcado no navio. Câmeras do circuito interno do porto também foram recolhidas para análise.
"Isso não foi uma fatalidade. A Capitania dos portos e a Marinha decretaram o óbito dessas vítimas no momento que eles autorizaram a saída dessa embarcação do porto. Isso se chama homicídio culposo, era uma tragédia anunciada", enfatizou Vanderjôse Barbosa Setubal, prima e advogada de Alexandra.
Em nota, a Marinha lamentou o ocorrido e informou que as buscas aos desaparecidos continuam. A corporação declarou ainda que incentiva a sociedade a "participar ativamente no esforço de fiscalização, informando qualquer situação que possa afetar a segurança da navegação, a salvaguarda da vida humana no mar e vias navegáveis ou que represente risco de poluição ao meio hídrico".
Por EPOCA
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