História de: Dona Deta
Autor: Paula Rubens
IGH Petrolândia
SINOPSE
Em sucessivos recomeços ela aprendeu a ser a dona de seu destino. Apesar da aparência frágil arregaçou as mangas e trabalhou duro. Junto com os filhos e com o apoio da irmã, superou, e muito, o esperado para uma sertaneja viúva que tinha pela frente a missão de criar nove filhos sozinha.
HISTÓRIA COMPLETA
Filha de Afonsina e Miguel Pereira, a mais nova das mulheres recebeu o nome da avó materna MARIA JOSEFA DA SILVA quando nasceu aos 02.01.1938. Sua irmã mais velha já era “Maria”, assim lhe apelidaram de MARIETA. O apelido grande acabou simplificado para DETA. Tão aprovado foi que acabou adotado pelos filhos como nome de família, embora não oficial.
De origem simples, seus pais viviam do trabalho na terra e da criação de animais na propriedade que possuía no Sítio dos Barros, no municipio de Petrolândia. As dificuldades eram muitas numa comunidade de apenas meia dúzia de casas, distantes da cidade. A distância até a feira, escola e médico mais próximos, no Núcleo Colonial de Barreiras, precisava ser vencida à cavalo ou burro e muitas vezes à pé.
A casa de barro, pequena, era iluminada por candeeiro, luz elétrica não havia. A água era transportada do rio, no lombo do jumento em potes de barro e latas, ou do açude existente na propriedade da família, quando cheio pela chuva. Todos precisavam ajudar, havia muito a fazer. Seja na lavoura, cuidando dos animais, ou da casa, as crianças participavam da ajuda. Deta era uma delas. Desde cedo ajudava limpando mato, plantando sementes, indo buscar água e realizando outras tarefas leves em auxílio aos adultos.
A única diversão era brincar com seus sete irmãos maternos e com Dorinha, filha do primeiro casamento do pai, criada por suas tias, que freqüentemente os vinha visitar. Outras crianças não havia no vilarejo. Festa só nas novenas de São Pedro, na comunidade de Várzea Redonda, uma vez por ano. Nessas ocasiões vestiam a melhor roupa e iam participar da reza e dos comes e bebe do festejo, o único que conheciam. Na volta o piso da charrete era forrado com panos e a criançada cansada voltava dormindo.
No dia a dia o cardápio era resumido. De manhã, a primeira refeição do dia, servida muito cedo, resumia-se ao pirão de café torrado e pisado no pilão de madeira. Mas os pais criavam gado e cabras e do que a terra dava tinha-se com fartura. Não faltavam o leite fresquinho para comer com cuscuz feito do milho moído na hora, queijo assado na brasa, manteiga caseira e a carne seca com feijão e arroz vermelho, pirão de bode, pirão de gergelim, batata doce, macaxeira, amendoim, abóbora, coentro. Enriquecia-se o cardápio com melancia, amendoim, batata doce, abóbora, coentro, banha de porco entre outros. Por sorte, seu família, alem das terras do Sitio dos Pereira, tinha terras na Várzea Redonda, na margem do rio e também na serra próximo a Tacaratu. Na vazante rio plantavam batata, arroz e mandioca, Nas terras úmidas e férteis da serra, milho, feijão, legumes e frutas como banana, manga e pinha. Assim, sempre tinha para o consumo e para vender.
Foi assim, que a custa de muito trabalho, com ajuda da mulher e dos filhos, que o pai a conseguiu construir uma grande casa de alvenaria, mobiliada com cristaleira, mesa de madeira e fogão a lenha. Um luxo para quem era da roça! Também mandou fazer grandes caixas de madeira para armazenar farinha e silos de flandres, onde o feijão depois de acondicionado tinha sua entrada hermeticamente fechada com cera de abelha a fim de evitar o contato do cereal com o ar e podia passar anos sem se estragar. Agora a família tinha condições de acolher com prazer e fartura os viajantes, conhecidos e parentes, que vinham vender bode nos dias de feira.
A partir dos 11 anos, Deta começou a freqüentar a Escolas Reunidas Núcleo Colonial do São Francisco de Barreiras. Por ser muito distante ia de jumento ou a pé, acompanhada por Ana, sua irmã mais velha. No bornal levavam pedaços de rapadura para o lanche que era consumido no caminho de volta para casa, depois da aula, quando a fome não podia esperar o longo percurso até o almoço. Gostava da escola, logo conseguiu ler e escrever, mas o grande destaque era sua habilidade em matemática, motivo de orgulho e prenuncio da empreendedora que um dia viria a ser. Cursou até a 3ª série do Ensino Fundamental, concluindo o que era ofertado na época, o aperfeiçoamento foi adquirindo com a vida.
Depois de mocinha ajudava nos afazeres de casa e onde mais fosse preciso. Por volta dos quatorze anos, aprendeu a fiar o algodão, para fazer redes, um item importante na casa, utilizado por todos, já ainda não possuíam camas. O processo de fiação começava por apanhar o algodão do pé, depois limpá-lo catando as sementes. Uma vez limpo, o algodão ia sendo aberto de modo a formar uma espécie de tecido fino, que era enrolado à mão em forma de cordão e depois introduzido em um fuso madeira para reduzir sua espessura e dar uniformidade ao fio. Com uma mão ia se introduzindo o cordão, com a outra puxando fio e enrolando os novelos que depois eram encaminhados ao tear de Dona Dardô, filha de Né Bento, para a confecção das redes.
Entre outras tarefas, Deta cuidava da roupa da casa que a cada quinze dias juntava,colocava num saco e ,com sua irmã Maria, seguia de jumento em um percurso de aproximadamente uma hora e meia, para lavá-las no Rio São Francisco. Lá encontravam outras mulheres fazendo mesmo. Enquanto a roupa quarava, davam uma pausa para comer a carne seca e a rapadura que levavam de casa, e aproveitavam para se divertir tomando banho de rio, num raro momento de lazer. Depois de lavadas as roupas eram usadas sem que se precisasse passar, apenas as de sair eram engomadas e passadas a ferro de brasa ( artefato de ferro em formato semelhante aos atuais ferros elétricos, com pegador de madeira, aquecido por carvão incandescente depositado no seu interior ).
Moça feita, vendo sua vizinha “Tonha” costurar, Deta despertou seu interesse e pediu para que a ensinasse. Recebendo as peças já cortadas, começou a costurar peças simples e recebendo orientações. Com o decorrer do tempo passou a costurar para toda a família e vizinhos, aumentando assim as possibilidades de renda.
Mas a melhor de todas as tarefas era a farinhada, segundo Deta. Levavam a mandioca para a casa de farinha de Seu Marcolino, a quem pagavam com um percentual da produção. As mulheres ajudavam raspando, colhendo a goma e preparando beijus, enquanto os homens moíam a mandioca e torravam a farinha. Todos juntos, homens, mulheres e crianças passavam a noite nessa tarefa, trabalhando, cantando e comendo beiju quentinho com café. Uma festa! Na falta de dança e festas no Sitio dos Pereiras, a diversão dos banhos de rios e das farinhadas representavam uma feliz trégua na pesada rotina.
Mas, foi em uma das festas de São Pedro que conheceu Zé. Após 2 anos de namoro, com 17 anos e meio, casaram em 01 de junho de 1955. O Sítio dos Nunes ficou em festa . Durante três dias festejaram com muita alegria, com direito a sanfoneiro, forró, cachaça e muito churrasco.
Na mesma comunidade onde nasceu e se criou, Deta passou a morar em casa própria, de alvenaria, mobiliada com mesa e quatro tamboretes e candeeiro. Agora possuía cama de mola, um rádio minúsculo a pilha, vestuário diversificado e passou a frequentar outras comunidades. Embora ainda a jumento, o casal, vez ou outra, visitava os parentes.
Um ano após o casório, festejavam a chegada do primeiro filho Luiz. Passados dois anos, veio a segunda filha Raimunda. Aos 21 anos chega o terceiro filho, Raimundo. Ainda na mesma comunidade nasce o quarto filho, Renato e 20 dias depois Miguel Pereira, seu pai, vem a falecer.
Passados cinco meses a família muda-se para o então segundo Projeto da SUVALE. Era o ano de 1960, a última etapa do projeto iniciado em Barreiras em 1945. Diferente dos primeiros colonos que recebiam o terreno com casa, água, luz e equipamento de irrigação, eles receberam apenas terra e água. Tudo estava por fazer. Inicia-se o desmatamento e plantação da área conquistada.
Em casa, ainda no Sitio dos Pereira, a família aguarda a estruturação da propriedade. Limpo o terreno, uma pequena casa de taipa foi construída, mudam-se para o lote. Vida simples, porém em melhores condições de trabalho.
Dois anos depois colhem a primeira lavoura. Para facilitar o acesso dos filhos à escola, em 1965, o marido aluga casa na “ruinha”, pequena rua de residências e comércio na comunidade Barreiras. Deta retoma a atividade de costura, chegando a produzir vestidos para noivas da comunidade, para ajudar nas despesas. Enquanto isso, o marido e os filhos mais velhos cuidavam do trabalho agrícola, sustento, de fato, da família. Mas, posteriormente, inaugura-se uma escola no Centro Comunitário, próximo das granjas, então a família retorna a morar o lote, ainda na casinha de taipa. Nessa época nasceram Liduina, Edna e Ivonete.
Por volta de 1972 a SUVALE entrega a casa do Lote. Casa de tijolos aparentes, com água encanada, energia e banheiro, quanto evolução! Nascem Ricardo e Gracinha. Quatro meses depois Deta fica viúva e assume toda responsabilidade com a educação e sustento dos filhos e mais a manutenção do Lote. Não foi fácil, mas pelos filhos precisou ser forte. Na ocasião o apoio da família e dos amigos foi de fundamental importância. Seu irmão Alfredo, funcionário da CODEVASF, tutelou os sobrinhos como dependentes para receber “abono família”. Sua irmã Maria passou a morar com ela e dedicou sua vida aos cuidados dos sobrinhos, permitindo, assim, que Deta pudesse se dedicar a roça e ao comércio da produção nas feiras de Barreiras e Petrolândia, em determinado tempo também na “Cidade Livre” e Tacaratu. Dr. Cruz, administrador da CODEVASF, responsável pelo projeto, concedeu um financiamento para a implantação de um galinheiro.
Assim, passou a criar frango de corte e galinha de postura, além de cuidar das vacas leiteiras e dos pastos, sempre contando com ajuda dos filhos. Enquanto isso, as filhas continuavam se dedicando aos estudos, As mais velhas cursam faculdade em Caruaru e Arcoverde e passam a trabalhar como professoras. Nessa época , alguns dos filhos já começam a construir novas famílias. Chega o primeiro neto, Luiz Henrique, para a alegria de todos, especialmente Deta.
A vida seguia de modo simples e com muito trabalho. Da necessidade, nasceu a Deta empreendedora. Atenta , não deixava passar nenhuma oportunidade. Aproveitava até a passagem dos romeiros para o Juazeiro. Quando eles paravam em Barreiras para se abastecer de água nos tanques da distribuição, lá estava ela vendendo lanche, frutas e biscoitos para os esfomeados romeiros, que compravam tudo.Quando começaram a instalar o canteiro de obras ela foi lá e fechou contrato para fornecer frango à cozinha da empresa Mendes Júnior. De madrugada, panela de água quente no fogo, acordava os filhos para ajudar a matar e depenar, na mão, quilos e mais quilos de frango. Ninguém reclamava. Todos tinham consciência da importância desse dinheiro certo ao final de cada mês.
Assim foram progredindo. Mas eis que, aos 51 anos, quando pensou que a vida havia entrado nos eixos, tomou consciência de que nova mudança estava por vir. A barragem inundaria toda a área da sua propriedade , a família teria que sair de lá. Diante do descaso do poder público em resolver de que modo isso iria acontecer, Deta juntou-se aos demais agricultores da área para cobrar uma atitude do sindicato e junto com eles, como o apoio da igreja, não hesitou em participar da invasão do canteiro de obras da Usina da Chesf para exigir providencias urgentes e justas.
Assim foi que, indenizadas as benfeitorias, recebeu novo terreno no Projeto Apolônio Sales. Ela e os filhos precisaram desmatar para começar um pequeno plantio e construir a casa de morar. Já com água da inundação chegando perto de casa, mudou para lá com a família.
Foi um novo recomeço. O desafio era grande. A primeira dificuldade foi a falta de água para produzir, que foi sanada com a iniciativa dos filhos adquirindo bomba e construindo a própria rede de irrigação. Apesar dos transtornos iniciais, a mudança trouxe novas oportunidades, que a família, acostumada com o trabalho, soube muito bem aproveitar. Enquanto alguns trabalhavam na agricultura e avicultura, outros estudavam ou trabalham com outras atividades, como empreenderes ou no serviço público.
Satisfeita com o progresso dos filhos, Deta se permitiu diminuir o ritmo de trabalho para curtir a chegada de novos netos e netas, que aumentavam a família. Aos setenta anos ganha um mini game dos filhos e não sossega até “zerar” o jogo passar para o próximo desafio. Ela, que quando jovem não tinha tempo nem para escutar a novela no minúsculo radinho de pilha na casa do Sítio dos Pereiras, agora pode viajar à passeio com a família e gastar horas em divertidas competições no vídeo games com as filhas.
Dona Deta, aos 80 anos ainda trabalha na roça de forma leve e por prazer: colhe limão, acompanha os cuidados de produção e coleta de mangas e bananas. Agora, participa mais das atividades sociais. É componente do grupo Reviver, da terceira idade de Petrolândia, comandado por Bezinha. Com a turma reza, dança ciranda, quadrilha no São João e faz muitas viagens.
Em 2018 foi homenageada pela CEVASF/Revista Movimento como uma das trinta mulheres fortes que contribuem e fazem a diferença na microrregião do Sertão de Itaparica. Em 2019, surpreendeu inclusive aos filhos, quando de última hora, sem avisar a ninguém, entrou portando uma faixa com os dizeres “ Nós somos Petrolândia” a pedido da diretora da peça “ Petrolândia, uma cidade inundada”, apresentada no auditório do Centro Cultural.
Mais jovial do que nunca agora frequenta regularmente as aulas de Pilates e Hidroginástica. Utiliza com muita habilidade o whatsapp. Os joguinhos? Agora utiliza tablete e celular de ultima geração. Diante de alguma dificuldade pede ajuda as netas, sempre prontas a ajudar, orgulhosas das habilidades da vó “moderninha”.
A família continua a crescer, nasceram Lara e Gabriel, dando origem a geração dos bisnetos e a mais uma neta Eloyse. Nasce também o bisneto, Igor Gabriel, primeiro neto de Ricardo, seu filho. Por último o mais novo bisneto, José Luiz, filho de Gracinha, sua filha mais nova, trazendo alegria e a certeza de que a vida se renova a cada instante.
Ao lado da família, que aos domingos lota a casa para desfrutar do seu doce de leite com ovos (ambrosia), Dona Deta, diz-se muito grata à Deus, que segundo suas palavras, “foi ajeitando as coisas pra que tudo desse certo”. Por isso, diz ela, não guarda mágoas nem grandes saudades do que viveu, guarda apenas gratidão.
Autor: Paula Rubens
IGH Petrolândia
SINOPSE
Em sucessivos recomeços ela aprendeu a ser a dona de seu destino. Apesar da aparência frágil arregaçou as mangas e trabalhou duro. Junto com os filhos e com o apoio da irmã, superou, e muito, o esperado para uma sertaneja viúva que tinha pela frente a missão de criar nove filhos sozinha.
HISTÓRIA COMPLETA
Filha de Afonsina e Miguel Pereira, a mais nova das mulheres recebeu o nome da avó materna MARIA JOSEFA DA SILVA quando nasceu aos 02.01.1938. Sua irmã mais velha já era “Maria”, assim lhe apelidaram de MARIETA. O apelido grande acabou simplificado para DETA. Tão aprovado foi que acabou adotado pelos filhos como nome de família, embora não oficial.
De origem simples, seus pais viviam do trabalho na terra e da criação de animais na propriedade que possuía no Sítio dos Barros, no municipio de Petrolândia. As dificuldades eram muitas numa comunidade de apenas meia dúzia de casas, distantes da cidade. A distância até a feira, escola e médico mais próximos, no Núcleo Colonial de Barreiras, precisava ser vencida à cavalo ou burro e muitas vezes à pé.
A casa de barro, pequena, era iluminada por candeeiro, luz elétrica não havia. A água era transportada do rio, no lombo do jumento em potes de barro e latas, ou do açude existente na propriedade da família, quando cheio pela chuva. Todos precisavam ajudar, havia muito a fazer. Seja na lavoura, cuidando dos animais, ou da casa, as crianças participavam da ajuda. Deta era uma delas. Desde cedo ajudava limpando mato, plantando sementes, indo buscar água e realizando outras tarefas leves em auxílio aos adultos.
A única diversão era brincar com seus sete irmãos maternos e com Dorinha, filha do primeiro casamento do pai, criada por suas tias, que freqüentemente os vinha visitar. Outras crianças não havia no vilarejo. Festa só nas novenas de São Pedro, na comunidade de Várzea Redonda, uma vez por ano. Nessas ocasiões vestiam a melhor roupa e iam participar da reza e dos comes e bebe do festejo, o único que conheciam. Na volta o piso da charrete era forrado com panos e a criançada cansada voltava dormindo.
No dia a dia o cardápio era resumido. De manhã, a primeira refeição do dia, servida muito cedo, resumia-se ao pirão de café torrado e pisado no pilão de madeira. Mas os pais criavam gado e cabras e do que a terra dava tinha-se com fartura. Não faltavam o leite fresquinho para comer com cuscuz feito do milho moído na hora, queijo assado na brasa, manteiga caseira e a carne seca com feijão e arroz vermelho, pirão de bode, pirão de gergelim, batata doce, macaxeira, amendoim, abóbora, coentro. Enriquecia-se o cardápio com melancia, amendoim, batata doce, abóbora, coentro, banha de porco entre outros. Por sorte, seu família, alem das terras do Sitio dos Pereira, tinha terras na Várzea Redonda, na margem do rio e também na serra próximo a Tacaratu. Na vazante rio plantavam batata, arroz e mandioca, Nas terras úmidas e férteis da serra, milho, feijão, legumes e frutas como banana, manga e pinha. Assim, sempre tinha para o consumo e para vender.
Foi assim, que a custa de muito trabalho, com ajuda da mulher e dos filhos, que o pai a conseguiu construir uma grande casa de alvenaria, mobiliada com cristaleira, mesa de madeira e fogão a lenha. Um luxo para quem era da roça! Também mandou fazer grandes caixas de madeira para armazenar farinha e silos de flandres, onde o feijão depois de acondicionado tinha sua entrada hermeticamente fechada com cera de abelha a fim de evitar o contato do cereal com o ar e podia passar anos sem se estragar. Agora a família tinha condições de acolher com prazer e fartura os viajantes, conhecidos e parentes, que vinham vender bode nos dias de feira.
A partir dos 11 anos, Deta começou a freqüentar a Escolas Reunidas Núcleo Colonial do São Francisco de Barreiras. Por ser muito distante ia de jumento ou a pé, acompanhada por Ana, sua irmã mais velha. No bornal levavam pedaços de rapadura para o lanche que era consumido no caminho de volta para casa, depois da aula, quando a fome não podia esperar o longo percurso até o almoço. Gostava da escola, logo conseguiu ler e escrever, mas o grande destaque era sua habilidade em matemática, motivo de orgulho e prenuncio da empreendedora que um dia viria a ser. Cursou até a 3ª série do Ensino Fundamental, concluindo o que era ofertado na época, o aperfeiçoamento foi adquirindo com a vida.
Depois de mocinha ajudava nos afazeres de casa e onde mais fosse preciso. Por volta dos quatorze anos, aprendeu a fiar o algodão, para fazer redes, um item importante na casa, utilizado por todos, já ainda não possuíam camas. O processo de fiação começava por apanhar o algodão do pé, depois limpá-lo catando as sementes. Uma vez limpo, o algodão ia sendo aberto de modo a formar uma espécie de tecido fino, que era enrolado à mão em forma de cordão e depois introduzido em um fuso madeira para reduzir sua espessura e dar uniformidade ao fio. Com uma mão ia se introduzindo o cordão, com a outra puxando fio e enrolando os novelos que depois eram encaminhados ao tear de Dona Dardô, filha de Né Bento, para a confecção das redes.
Entre outras tarefas, Deta cuidava da roupa da casa que a cada quinze dias juntava,colocava num saco e ,com sua irmã Maria, seguia de jumento em um percurso de aproximadamente uma hora e meia, para lavá-las no Rio São Francisco. Lá encontravam outras mulheres fazendo mesmo. Enquanto a roupa quarava, davam uma pausa para comer a carne seca e a rapadura que levavam de casa, e aproveitavam para se divertir tomando banho de rio, num raro momento de lazer. Depois de lavadas as roupas eram usadas sem que se precisasse passar, apenas as de sair eram engomadas e passadas a ferro de brasa ( artefato de ferro em formato semelhante aos atuais ferros elétricos, com pegador de madeira, aquecido por carvão incandescente depositado no seu interior ).
Moça feita, vendo sua vizinha “Tonha” costurar, Deta despertou seu interesse e pediu para que a ensinasse. Recebendo as peças já cortadas, começou a costurar peças simples e recebendo orientações. Com o decorrer do tempo passou a costurar para toda a família e vizinhos, aumentando assim as possibilidades de renda.
Mas a melhor de todas as tarefas era a farinhada, segundo Deta. Levavam a mandioca para a casa de farinha de Seu Marcolino, a quem pagavam com um percentual da produção. As mulheres ajudavam raspando, colhendo a goma e preparando beijus, enquanto os homens moíam a mandioca e torravam a farinha. Todos juntos, homens, mulheres e crianças passavam a noite nessa tarefa, trabalhando, cantando e comendo beiju quentinho com café. Uma festa! Na falta de dança e festas no Sitio dos Pereiras, a diversão dos banhos de rios e das farinhadas representavam uma feliz trégua na pesada rotina.
Mas, foi em uma das festas de São Pedro que conheceu Zé. Após 2 anos de namoro, com 17 anos e meio, casaram em 01 de junho de 1955. O Sítio dos Nunes ficou em festa . Durante três dias festejaram com muita alegria, com direito a sanfoneiro, forró, cachaça e muito churrasco.
Na mesma comunidade onde nasceu e se criou, Deta passou a morar em casa própria, de alvenaria, mobiliada com mesa e quatro tamboretes e candeeiro. Agora possuía cama de mola, um rádio minúsculo a pilha, vestuário diversificado e passou a frequentar outras comunidades. Embora ainda a jumento, o casal, vez ou outra, visitava os parentes.
Um ano após o casório, festejavam a chegada do primeiro filho Luiz. Passados dois anos, veio a segunda filha Raimunda. Aos 21 anos chega o terceiro filho, Raimundo. Ainda na mesma comunidade nasce o quarto filho, Renato e 20 dias depois Miguel Pereira, seu pai, vem a falecer.
Passados cinco meses a família muda-se para o então segundo Projeto da SUVALE. Era o ano de 1960, a última etapa do projeto iniciado em Barreiras em 1945. Diferente dos primeiros colonos que recebiam o terreno com casa, água, luz e equipamento de irrigação, eles receberam apenas terra e água. Tudo estava por fazer. Inicia-se o desmatamento e plantação da área conquistada.
Em casa, ainda no Sitio dos Pereira, a família aguarda a estruturação da propriedade. Limpo o terreno, uma pequena casa de taipa foi construída, mudam-se para o lote. Vida simples, porém em melhores condições de trabalho.
Dois anos depois colhem a primeira lavoura. Para facilitar o acesso dos filhos à escola, em 1965, o marido aluga casa na “ruinha”, pequena rua de residências e comércio na comunidade Barreiras. Deta retoma a atividade de costura, chegando a produzir vestidos para noivas da comunidade, para ajudar nas despesas. Enquanto isso, o marido e os filhos mais velhos cuidavam do trabalho agrícola, sustento, de fato, da família. Mas, posteriormente, inaugura-se uma escola no Centro Comunitário, próximo das granjas, então a família retorna a morar o lote, ainda na casinha de taipa. Nessa época nasceram Liduina, Edna e Ivonete.
Por volta de 1972 a SUVALE entrega a casa do Lote. Casa de tijolos aparentes, com água encanada, energia e banheiro, quanto evolução! Nascem Ricardo e Gracinha. Quatro meses depois Deta fica viúva e assume toda responsabilidade com a educação e sustento dos filhos e mais a manutenção do Lote. Não foi fácil, mas pelos filhos precisou ser forte. Na ocasião o apoio da família e dos amigos foi de fundamental importância. Seu irmão Alfredo, funcionário da CODEVASF, tutelou os sobrinhos como dependentes para receber “abono família”. Sua irmã Maria passou a morar com ela e dedicou sua vida aos cuidados dos sobrinhos, permitindo, assim, que Deta pudesse se dedicar a roça e ao comércio da produção nas feiras de Barreiras e Petrolândia, em determinado tempo também na “Cidade Livre” e Tacaratu. Dr. Cruz, administrador da CODEVASF, responsável pelo projeto, concedeu um financiamento para a implantação de um galinheiro.
Assim, passou a criar frango de corte e galinha de postura, além de cuidar das vacas leiteiras e dos pastos, sempre contando com ajuda dos filhos. Enquanto isso, as filhas continuavam se dedicando aos estudos, As mais velhas cursam faculdade em Caruaru e Arcoverde e passam a trabalhar como professoras. Nessa época , alguns dos filhos já começam a construir novas famílias. Chega o primeiro neto, Luiz Henrique, para a alegria de todos, especialmente Deta.
A vida seguia de modo simples e com muito trabalho. Da necessidade, nasceu a Deta empreendedora. Atenta , não deixava passar nenhuma oportunidade. Aproveitava até a passagem dos romeiros para o Juazeiro. Quando eles paravam em Barreiras para se abastecer de água nos tanques da distribuição, lá estava ela vendendo lanche, frutas e biscoitos para os esfomeados romeiros, que compravam tudo.Quando começaram a instalar o canteiro de obras ela foi lá e fechou contrato para fornecer frango à cozinha da empresa Mendes Júnior. De madrugada, panela de água quente no fogo, acordava os filhos para ajudar a matar e depenar, na mão, quilos e mais quilos de frango. Ninguém reclamava. Todos tinham consciência da importância desse dinheiro certo ao final de cada mês.
Assim foram progredindo. Mas eis que, aos 51 anos, quando pensou que a vida havia entrado nos eixos, tomou consciência de que nova mudança estava por vir. A barragem inundaria toda a área da sua propriedade , a família teria que sair de lá. Diante do descaso do poder público em resolver de que modo isso iria acontecer, Deta juntou-se aos demais agricultores da área para cobrar uma atitude do sindicato e junto com eles, como o apoio da igreja, não hesitou em participar da invasão do canteiro de obras da Usina da Chesf para exigir providencias urgentes e justas.
Assim foi que, indenizadas as benfeitorias, recebeu novo terreno no Projeto Apolônio Sales. Ela e os filhos precisaram desmatar para começar um pequeno plantio e construir a casa de morar. Já com água da inundação chegando perto de casa, mudou para lá com a família.
Foi um novo recomeço. O desafio era grande. A primeira dificuldade foi a falta de água para produzir, que foi sanada com a iniciativa dos filhos adquirindo bomba e construindo a própria rede de irrigação. Apesar dos transtornos iniciais, a mudança trouxe novas oportunidades, que a família, acostumada com o trabalho, soube muito bem aproveitar. Enquanto alguns trabalhavam na agricultura e avicultura, outros estudavam ou trabalham com outras atividades, como empreenderes ou no serviço público.
Satisfeita com o progresso dos filhos, Deta se permitiu diminuir o ritmo de trabalho para curtir a chegada de novos netos e netas, que aumentavam a família. Aos setenta anos ganha um mini game dos filhos e não sossega até “zerar” o jogo passar para o próximo desafio. Ela, que quando jovem não tinha tempo nem para escutar a novela no minúsculo radinho de pilha na casa do Sítio dos Pereiras, agora pode viajar à passeio com a família e gastar horas em divertidas competições no vídeo games com as filhas.
Dona Deta, aos 80 anos ainda trabalha na roça de forma leve e por prazer: colhe limão, acompanha os cuidados de produção e coleta de mangas e bananas. Agora, participa mais das atividades sociais. É componente do grupo Reviver, da terceira idade de Petrolândia, comandado por Bezinha. Com a turma reza, dança ciranda, quadrilha no São João e faz muitas viagens.
Em 2018 foi homenageada pela CEVASF/Revista Movimento como uma das trinta mulheres fortes que contribuem e fazem a diferença na microrregião do Sertão de Itaparica. Em 2019, surpreendeu inclusive aos filhos, quando de última hora, sem avisar a ninguém, entrou portando uma faixa com os dizeres “ Nós somos Petrolândia” a pedido da diretora da peça “ Petrolândia, uma cidade inundada”, apresentada no auditório do Centro Cultural.
Mais jovial do que nunca agora frequenta regularmente as aulas de Pilates e Hidroginástica. Utiliza com muita habilidade o whatsapp. Os joguinhos? Agora utiliza tablete e celular de ultima geração. Diante de alguma dificuldade pede ajuda as netas, sempre prontas a ajudar, orgulhosas das habilidades da vó “moderninha”.
A família continua a crescer, nasceram Lara e Gabriel, dando origem a geração dos bisnetos e a mais uma neta Eloyse. Nasce também o bisneto, Igor Gabriel, primeiro neto de Ricardo, seu filho. Por último o mais novo bisneto, José Luiz, filho de Gracinha, sua filha mais nova, trazendo alegria e a certeza de que a vida se renova a cada instante.
Ao lado da família, que aos domingos lota a casa para desfrutar do seu doce de leite com ovos (ambrosia), Dona Deta, diz-se muito grata à Deus, que segundo suas palavras, “foi ajeitando as coisas pra que tudo desse certo”. Por isso, diz ela, não guarda mágoas nem grandes saudades do que viveu, guarda apenas gratidão.
IGH Petrolândia
O IGHPETROLÂNDIA, fundado em 09.07.2016, é uma organização voltada para o estudo e pesquisa da história e geografia de Petrolândia , de modo a oferecer, de forma gratuita , ao poder público, estudantes , professores e ao publico em geral, uma fonte confiável de conhecimento sobre o município, além de garantir a preservação de documentos relacionados à história da região e do Brasil.
OBJETIVO : Preservar a memória e promover estudos para o desenvolvimento e difusão do conhecimento da História, Geografia e ciências a fins, especialmente do município de Petrolândia, assim como atuar em defesa do meio ambiente, da cultura e o seu patrimônio.
Dentre esses três anos de existência, o IGH tem realizado pesquisas que resultaram em vários trabalhos , tais como:
PROJETOS realizados:
Lançamento do Site IGH Petrolândia - Onde estão disponíveis fotos, mapas, publicações e documentos sobre a história de Petrolândia.
Resgate do Pastoril - Pesquisa que resultou na criação do Grupo PASTORIL ESPERANÇA, formado por crianças do Bairro Nova Esperança, local de população carente e desassistida por políticas públicas.
PROJETOS PERMANENTES:
MUSEU DA PESSOA - Registro da história de moradores de Petrolândia na internet através da plataforma do site WWW.museudapessoa.net, onde relatos , fotos, áudios e vídeos são preservados , de modo que a história da cidade vai sendo contada através da história das pessoas.
Veja também
Petrolândia 110 anos: IGPH, palestrante Edson Mendes e Cia de Teatro Telma Rodrigues falam sobre aula espetáculo desta sexta (05)
Veja também
Por: Instituto Geográfico Histórico de Petrolândia-IGPH
Da Redação do Blog de Assis Ramalho
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