quinta-feira, julho 04, 2019

Petrolândia: A mulher e as sacolas - Por: Fernando Batista



Pelas ruas da cidade, o cotidiano é prenhe de simbologias e haverá sempre um púlpito erigido de onde a existência nos alerta diuturnamente.

Eu a observei de longe. Seus olhos fitavam o pequeno relógio atado em seu pulso como se desejasse lhe transportar para estar com os seus. A cena posta. A mulher e o tempo. Nela eu também me reconheço. Eu e minhas sacolas cheias de desejos, esperas do que da vida anseio, o que da vida promovo. Mas a experiência nos ensina que nem sempre é possível viver conforme o desiderato.

A mulher e suas sacolas plásticas. Em frente á loja de conveniências, eu com as minhas; ela, com as dela. A poética do mundo está no delicado da cena. Em breve a mãe reencontrará a vida que ama, a família que espera o indulto das horas que os congregarão e o conteúdo da sacola encontrará o calor do fogo. O poder sobrenatural do alimento. A mesa se desdobra em altar para uma liturgia que o amor sugere. A dificuldade será esquecida, ainda que por breves momentos. a vida será bonita e valerá a pena em paredes que meus olhos não alcançarão.

O corpo daquela mulher precisa administrar os deslocamentos de muitos. Mesmo assim, parecia saber administrar o tempo. Diferente de mim, não estava afeita às pressas, agendas, compromissos. Sua alma estava absorta, voltada para os próprios pensamentos.

Nós estamos mergulhados nas estruturas deste mundo líquido, neste movimento de dias cuja metáfora é o fluir das águas que entre os nossos dedos escapa. Tenho encontrado muita gente sofrendo do mesmo mal das pressas e urgências que nos cercam. O pêndulo das horas tende em bater certo na consciência. O dia deveria ter quarenta e oito horas. Não dei conta de bater minha meta, de levar meu filho para a escola, de abraçar quem me faz sentinela após longa jornada laboral, de olhar nos olhos de quem por mim espera. Carrego minhas sacolas sem notar aqueles que carregam fardos.

As interpelações são muitas. Discrepância de uma realidade que reconheço me definir como pessoa. Haverá sempre alguém estabelecendo o embate contra o tempo. Gente que precisa articular as pressas do mundo com os desejos da alma. Mas hoje eu encontrei o sentido da vida. Uma alegria me visitou através da mulher e suas sacolas.

Por: Fernando Batista
           

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