terça-feira, março 05, 2019

Cresce número de ‘nem-nem’ maduros, pessoas que não trabalham e não estão aposentadas


A reforma da Previdência , que começou a tramitar no Congresso com a proposta de idade mínima de 62 (mulher) e 65 anos (homem) para a aposentadoria e aumento de 15 para 20 anos no tempo mínimo de contribuição, vai obrigar o brasileiro a ficar mais tempo no mercado de trabalho se for aprovada. Esse desafio será ainda maior para um segmento da população que não para de crescer: pessoas entre 50 e 64 anos que não trabalham nem estão aposentadas. São os chamados “nem-nem” maduros. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esse contingente dobrou nas duas últimas décadas, chegando a 7,3 milhões de brasileiros em 2017, dado mais recente. Em comum, têm a baixa escolaridade, que dificulta o acesso ao emprego formal.

De acordo com a autora do estudo, a pesquisadora do Ipea Ana Amélia Camarano, essa condição vem crescendo de forma mais expressiva entre os homens, embora eles sejam minoria no grupo. São 1,7 milhão de homens entre os “nem-nem” maduros, alta de 282% desde 1999. Já o crescimento entre as mulheres é menos acelerado, com uma taxa de 75% na mesma comparação. Em 2017, elas eram 5,6 milhões “nem-nem” maduras.

Segundo a pesquisadora, os homens são mais vulneráveis à pobreza porque, geralmente, as mulheres sem trabalho e sem aposentadoria nessa faixa etária estão inseridas em arranjos familiares de apoio. Contam com a renda do marido ou têm maior assistência de filhos e outros parentes. Os homens sem trabalho e sem escolaridade nessa faixa etária são responsáveis pela renda da família ou vivem sozinhos.

José Santos Oliveira, de 59 anos, e Carlos dos Santos, 61, têm perfis típicos desse grupo. Moradores de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, ambos nasceram no interior da Bahia. Migraram já adultos em busca de trabalho, mas as dificuldades para conseguir emprego sempre os acompanharam por causa da pouca instrução.

Oliveira estudou até a sétima série do ensino fundamental. Santos abandou a escola ainda mais cedo, mas pelo mesmo motivo: teve que começar a trabalhar ainda na infância para ajudar a família. No Rio, eles tiveram ocupações como pedreiro, vigilante, porteiro e auxiliar de serviços gerais, mas a maior parte delas sem carteira assinada. Assim, não têm tempo de contribuição suficiente para se aposentar.

Com o avançar dos anos, os obstáculos só aumentaram. O peso da idade, problemas de saúde e o sumiço das vagas com a crise econômica iniciada em 2014 tiraram os dois de vez do mercado. Moram sozinhos, em barracos construídos por eles mesmos em uma comunidade de Santa Cruz e praticamente não têm renda fixa. Oliveira faz bicos como ajudante de pedreiro, cada vez mais raros. Santos junta latas e outros materiais recicláveis pelas ruas para vender. Para comer, muitas vezes contam com doações de vizinhos.

— Se eu pudesse me aposentar e ganhar ao menos um salário mínimo, poderia voltar para a Bahia — sonha Oliveira, que deixou para trás mulher e filhos em Jacobina, onde nasceu, há duas décadas.

4,5 milhões de beneficiários

Santos, que tem problemas de memória e limitações motoras decorrentes de um acidente vascular cerebral, tem sonho mais modesto:

— Queria pelo menos ter dinheiro para comprar pés de galinha, que gosto de comer.

Ambos dizem desconhecer o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que tende a ser a saída para quem envelhece na pobreza como eles, sem emprego e sem contribuição mínima para se aposentar. Atualmente, idosos nessa situação em famílias de baixa renda têm direito a um salário mínimo (R$ 998) a partir dos 65 anos, pois se enquadram em uma das categorias que têm direito ao BPC.

A reforma prevê que o BPC seja antecipado para os 60 anos, o que poderia beneficiar gente como Oliveira e Santos com uma renda fixa mais cedo, mas valor seria menor: R$ 400. Pela proposta enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso, só quando o beneficiário completar 70 anos passará a receber o mínimo. É um dos pontos da reforma que mais têm recebido críticas.
O secretário da Previdência, Rogério Marinho, defende a mudança nas regras do BPC justamente para diferenciá-lo dos benefícios previdenciários, deixando claro para a sociedade o que é assistência (programas que não preveem contrapartida de contribuição por parte do beneficiário) e o que é Previdência (renda obtida na velhice graças a um período de contribuição durante a idade ativa).

Segundo o governo federal, o BPC tinha 4,5 milhões de beneficiários em 2017 (sendo dois milhões de idosos e 2,5 milhões de pessoas com deficiência), o que representa um crescimento de 1.200% em relação aos atendidos em 1996. No mesmo período, o custo anual dessas pensões passou de R$ 172 milhões para R$ 50 bilhões, refletindo o envelhecimento da população do país.

Especialistas alertam que o país precisa investir em políticas públicas como educação e qualificação profissional para promover a inserção social dos “nem-nem” maduros, sob pena de eles continuarem engrossando o número de dependentes do BPC.

— O BPC é mais comum entre analfabetos, sem instrução. Funciona como uma espécie de compensação pela deficiência do Estado para oferecer educação — diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social.

Para Ana Amélia Camarano, do Ipea, além de capacitação, é preciso estimular empregadores a investir na melhoria das condições de trabalho, com saúde ocupacional, para incentivar a contratação de maduros menos escolarizados:

— Para eles, hoje, não há alternativa. É o BPC ou a pobreza nas ruas.

Manter-se no mercado é um desafio

A baixa escolaridade é um dos principais fatores que limitam a empregabilidade dos maduros, mas um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado em 2016, mostra que mesmo os mais instruídos enfrentam barreiras para se manter no mercado de trabalho após os 50 anos em vários países.

O trabalho concluiu que é comum que empresas tenham uma percepção negativa dos trabalhadores com mais de 50 anos por causa da dificuldade que eles têm de se adaptar às mudanças tecnológicas e organizacionais. Além disso, os salários dos mais experientes podem crescer em descompasso com sua produtividade.

Quando um profissional é demitido entre 50 e 64 anos pode ser difícil encontrar um novo trabalho formal para seguir contribuindo visando à aposentadoria. Para Karin Parodi, fundadora e presidente da Career Center, assessoria especializada em gestão de carreiras, aumentar a empregabilidade passa por esse profissional entender que o mercado de trabalho não é mais o mesmo e que eles precisarão se qualificar para se manterem atraentes para as empresas ou buscarem novos segmentos, ainda que ganhando menos:

— Os empregos não estão mais só nas grandes companhias ou nas multinacionais. Empresas de menor porte têm sido mais receptivas aos profissionais maduros porque precisam de sua experiência para comandar times juniores. O mesmo ocorre com empresas que estão crescendo rapidamente ou passando por reestruturação. Elas precisam de pessoas com experiência para cargos de liderança.

Investimento em cursos

Segundo Karin, esses profissionais também precisam se mostrar mais dispostos a aceitar contratos temporários e aprender a se organizar como autônomos. Ela recomenda o investimento em cursos e eventos voltados à inovação e novas tecnologias. A atitude na hora da entrevista para uma vaga também é determinante:

— Se esse profissional tem brilho no olho, energia e mostra-se atualizado, antenado, tem mais chances de contratação, independentemente da idade.

Pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas (Neop) da FGV-SP em 2013 e no ano passado identificou que muitas empresas já reconhecem nos profissionais maduros diferenciais importantes para a estrutura organizacional: maior comprometimento, assiduidade e conhecimento da cultura da empresa. No entanto, isso ainda não se reverteu em maior absorção dessa mão de obra.

— Talvez a atual conjuntura, de baixo crescimento e alto desemprego, deturpe um pouco a identificação de uma maior aceitação desses profissionais — pondera a coordenadora do Neop, Maria José Tonelli.

O Globo

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