Lampião e o irmão Antônio chegam à Bahia para se incorporar ao Batalhão Patriótico do Juazeiro. Fotos: Lauro Cabral de Oliveira/Divulgação
A versão oficial aponta como assassino o oficial Antonio Honorato da Silva, guarda-costas do aspirante Francisco Ferreira. Mas a história não é bem essa. Após quatro décadas de pesquisa, o historiador Frederico Pernambucano de Mello, biógrafo de Lampião e considerado o maior especialista em cangaço no Brasil, revela que a identidade do carrasco do cangaceiro é outra em 'Apagando o Lampião – Vida e morte do Rei do Cangaço'. O livro acaba de sair pela Global Editora.
Lampião foi morto com apenas um tiro, às 5h de 28 de julho de 1938. Desde os primórdios de suas pesquisas sobre o cangaço, e, principalmente, após ler uma entrevista concedida por Antonio Honorato da Silva, o suposto assassino, ao jornalista Melchiades Rocha, Frederico Pernambucano de Mello tinha uma pulga atrás da orelha. “Nesse relato de Honorato, encontrei algumas inconsistências. Ele afirmava que Lampião tinha um pavor enorme no rosto quando atirou, que deu o primeiro tiro e acompanhou a queda. Coisas que não faziam muito sentido”, diz.
Foi a partir de 1970 que o mistério começou a se esclarecer. O historiador recebeu uma informação do coronel Audálio Tenório de Albuquerque dizendo que ouviu seu parente e amigo próximo, o coronel José Lucena de Albuquerque Maranhão (o responsável intelectual pela morte do Rei do Cangaço, já que comandava o batalhão encarregado da caça a Lampião em Angicos), que o verdadeiro assassino era um dos guarda-costas do aspirante Francisco Ferreira de Mello, mas não Honorato, como a imprensa havia divulgado.
“Eu achava que ele tinha uns oito, dez guarda-costas, por isso desanimei. Mas, em 1978, ao ter contato com uma das irmãs do aspirante, ela me disse que ele tinha apenas dois. Um era velho, o Honorato, e o outro era mais novo e ficou conhecido como Santo”, diz o historiador.
Frederico conseguiu encontrar o cabo que se chamava Sebastião Vieira Sandes. Durante muito tempo, tentou, em vão, arrancar alguma informação. Só no fim de 2003, quando se descobriu portador de uma doença terminal, Sandes procurou o biógrafo. Decidiu que havia segredos que ele não queria levar para o túmulo. “Fiquei até emocionado. Fazia mais de 20 anos que estava atrás dele. Minha mulher achou, na ocasião, que era uma emboscada. Ele me deu um relato precioso, que gravei durante quatro dias. Morreu um mês depois”, lembra o historiador.
Segundo Sebastião Sandes, Lampião morreu com um tiro só de fuzil, disparado a oito metros e que não estava em combate. A bala bateu na lâmina do punhal do cangaceiro e atingiu sua região umbilical esquerda. “Lampião foi surpreendido, pois esperava ser atacado por terra e não pelo rio, como aconteceu. Sandes me disse que o silêncio era de uma catedral, porque era começo da manhã. Havia chovido e até os animais estavam recolhidos. A maneira como atirou, de cima para baixo, ao contrário do que afirmava Honorato, foi comprovada pela perícia feita recentemente pelo perito criminal federal Eduardo Makoto Sato, do Instituto Nacional de Criminalística. O punhal de Lampião, que foi atingido, nunca havia sido analisado”, afirma.
O mais curioso é que, no passado, Sandes chegou a ser amigo e querido por Lampião e Maria Bonita. Eles o chamavam de Galeguinho, por ser bem claro. “Sandes foi coiteiro (pessoas que ajudavam os cangaceiros, dando-lhes abrigo, comida e informações) de Lampião na região de Alagoas e companheiro de costura dele. Lampião era um exímio costureiro de couro, de pano, bordava. Quando Sandes me deu o depoimento, ele estava, inclusive, com o olhar baixo, até um pouco emotivo, porque eles foram próximos”, diz.
Ele não quis assumir a autoria do crime para evitar represálias. Quando matou Lampião, Sandes estava com apenas 22 anos. “Internamente, sabiam que foi ele, que chegou a ser promovido. Porém, ele foi aconselhado a não se revelar, porque Lampião era muito poderoso. Tanto que Honorato apareceu morto, em 1968, logo após estampar uma edição da revista Fatos & Fotos gabando-se de seu feito. Era a chamada vingança de Lampião.”
MINAS
Além da revelação sobre o assassino de Lampião, o livro de Pernambucano traz também um fato pouco conhecido sobre o Rei do Cangaço. Lampião tomaria o rumo de Minas Gerais, caso não tivesse sido surpreendido em Sergipe. “Nós vamos roubar no estado de Minas Gerais. O negócio lá vai ser pesado. Quem quiser ir, vai. Quem não quiser, fica. Estou fechando minhas contas por aqui e cuidando de ajuntar cem homens.” Foram essas as palavras de Lampião a Manoel Félix, um dos seus coiteiros.
“Minas foi um sonho perdido de Lampião e Maria Bonita. Não tenho dúvidas. Antes dele, outros cangaceiros, que já não tinham mais espaço no Nordeste, pois levavam bala em todo canto, tinham encontrado no território mineiro a solução”, explica o historiador.
Um deles foi Sinhô Pereira, o mais reconhecido professor de cangaço do jovem Virgulino. Após rodar por vários lugares, como Goiás, ele acabou aportando no município de Santo Antônio de Patos, hoje Patos de Minas, no Noroeste do estado. Por aqui, o forasteiro adotou vários nomes e acabou tendo como protetor um dos chefes políticos mais poderosos da região, Farnese Dias Maciel, irmão do governador Olegário Maciel.
“Aproveitando a vastidão do Oeste mineiro e as dificuldades de comunicação na região, que não só prejudicavam o desenvolvimento econômico, como facilitavam se manter escondido, Sinhô manda uma carta para Lampião, chamando-o para vir a Minas. Não dá para precisar quando foi, mas, provavelmente, pelos idos de 1928”, afirma o historiador, que teve como uma de suas principais fontes a escritora Risoleta Maciel Brandão, filha de Farnese e já falecida.
O interesse de Farnese em receber Lampião e seu bando tinha relação com a briga política que os Maciel travavam com outro clã importante da região, os Borges. Segundo Frederico Pernambucano, a carta animou Lampião, apesar de ele não ter respondido. Como boa parte do sertão nordestino estava se fechando para ele, a solução temporária foi se embrenhar pela Bahia e Sergipe. “Ele conseguiu ficar ali mais uns 10 anos. Mas, como o cerco foi apertando, ele vislumbrava Minas Gerais. Tanto que começou a juntar um montante absurdo de dinheiro, a cobrar e a resgatar o que estavam lhe devendo. Tinha um arsenal de munição gigantesca e estava atrás até de uma metralhadora de mão, que provavelmente levaria para Minas. Ele estava indo para a guerra”, afirma.
O pesquisador diz que Virgulino Ferreira chegou a comentar com vários cangaceiros e coiteiros sobre seu desejo de seguir para Minas Gerais. Tanto é que, após a sua morte, alguns vieram para cá, como Moreno e a mulher, Durvalina, a Durvinha. “Moreno morreu em Contagem, em 2010, com 101 anos. Assim como Sinhô, ele é a prova de que o sonho mineiro de Lampião não passou de miragem. Não tenho a pretensão de esgotar o assunto. Longe disso. Quem sabe essa história do cangaço com Minas não renda e seja aprimorada e aprofundada por historiadores locais?”, diz.
Frederico Pernambucano de Mello acha que os avanços de seu livro são um incentivo para jovens pesquisadores. “Uma pesquisa bem conduzida e concluída proporciona todos os tipos de sentimento. Emoção, apreensão, recompensa. Mais do que empenho e entrega, tem que ter fé.”
Apagando o Lampião – Vida e morte do Rei do Cangaço
Frederico Pernambucano de Mello
Global Editora
336 págs.
sugerido: R$ 55
Por: Ana Clara Brant -
Estado de Minas - Associados
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