Servidora aposentada da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Veiguima Martins, 55 anos, havia decidido dar um fim ao relacionamento abusivo ontem. Não conseguiu. Morreu a facadas e depois teve o corpo e a casa incendiados. O marido, José Bandeira e Silva, 80, morreu logo depois, intoxicado. Há a suspeita de que ele matou a mulher, colocou fogo no apartamento com o intuito de simular um incêndio acidental e apagar provas. Mas o homem inalou muita fumaça e não resistiu à intoxicação.
Moradores do Bloco A da 310 Norte acionaram o Corpo de Bombeiros por volta das 4h40, para apagar um incêndio em um imóvel do quarto andar do prédio. Ao entrar no apartamento 401, os militares encontraram o corpo carbonizado de Veiguima no quarto do casal. Na cozinha, estava José, desacordado e com um corte na nuca. Os socorristas o levaram para o pilotis, onde tentaram reanimá-lo com massagem cardíaca, por 50 minutos, sem sucesso. O fogo foi apagado em 20 minutos. O quarto do casal ficou completamente destruído, o que leva os bombeiros a crer que o incêndio começou no cômodo.
Logo após chegaram ao edifício, os investigadores suspeitaram de o incêndio ter sido provocado. Eles sabiam de relatos de violência doméstica de José contra Veiguima. Ela registrou ocorrência por ameaça e agressão contra o marido, em março do ano passado. “Naquela ocasião, Veiguima foi à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam). Relatou algo muito semelhante ao que aconteceu aqui hoje (ontem): que ele tinha dito que iria matá-la e, em seguida, se matar também”, comentou o delegado Laércio Rossetto, chefe da 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte).
Apesar de ressaltar que só a perícia concluirá como tudo aconteceu, Rossetto afirmou não ter dúvida de estar diante de um feminicídio: “Esse é mais um evento trágico de violência doméstica contra mulher.” Ainda segundo o delegado, o corpo de José tinha marcas de instrumento cortante na mão, e Veiguima estava “completamente irreconhecível”. No apartamento, o cenário também indicou um ato criminoso, observou o investigador. “É um cenário de catástrofe. Além das marcas de um incêndio completo, há sangue espalhado pelo apartamento. Isso demonstra que houve briga e que eles saíram lesionados.” Veiguima recebeu ao menos cinco facadas.
Marcas de agressão
Peritos da Polícia Civil chegaram ao local do crime por volta das 8h, mas não conseguiram fazer o trabalho por causa da alta temperatura no interior do apartamento 401. No entanto, eles examinaram os corpos das vítimas e identificaram as marcas de agressão na mulher. Os peritos voltam hoje ao imóvel para colher provas. Por meio delas, vão esclarecer, por exemplo, se José tentou fugir, mas acabou desmaiando ao inalar a fumaça, ou se pretendia se matar. A arma usada por ele para golpear a vítima continua no apartamento e deve ser outra prioridade nas buscas. “O que se pode afirmar é que o incêndio foi intencional, já que, ao recolher o corpo da vítima, foram encontrados fósforos e amontoados de tecidos para facilitar a combustão”, garante o delegado.
Casada com José desde 2008, Veiguima começou a relatar aos filhos — frutos do primeiro casamento — situações de abusos e agressões em 2014. “Ele agredia minha mãe verbal e fisicamente. A prendia no apartamento. A gente chegou a ir até a delegacia, mas ela ficou com dó dele por conta da idade e acabou retirando a queixa”, contou a farmacêutica Raquel Martins Fagundes, 38 anos, filha de Veiguima.
Raquel recebeu a notícia do crime pelo irmão e chegou em choque ao Bloco A da 310 Norte. Mãe e filha se viam praticamente todo dia. Veiguima amava o neto, de 12 anos, filho de Raquel. “Ela era uma mulher muito família, que estava sempre com a gente, em um clima muito bom. Mas até disso o marido dela tinha ciúmes. Ele tem dois filhos, com outra mulher, mas nem eles gostam do pai, são distantes”, comentou Raquel.
A mãe saiu de casa três vezes, mas sempre voltava após as pressões psicológicas do marido, segundo Raquel. “Ele tinha problema de bipolaridade e tomava remédio controlado, então, acabava usando isso para fazer com que ela voltasse”, disse. “Ela ficava sempre com pena porque o José era uma pessoa sozinha, não tinha ninguém, e aí ficava com ele. E sempre que ela falava em se separar, ele fazia promessas de melhorar. Mas ele era possessivo, ficava nervoso do nada, tinha crises nervosas e começava as agressões”, emendou Rozilene Martins, 47, irmã da vítima.
Vizinhos também relataram agressões de José a Veiguima. Ela anunciou a familiares que ontem deixaria o apartamento e o marido, definitivamente. Investigadores desconfiam que a mulher tenha comunicado José a sua decisão, o que o teria motivado a matá-la.
Por: Estado de Minas
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